Funcionários da entidade filantrópica Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, organização não governamental de Belo Horizonte, aparecem em laudos e investigações da operação Lava Jato. Isso porque dois vigias noturnos da ONG são sócios-criadores de uma empresa de fachada envolvida com o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras, operado pelo doleiro Alberto Youssef. De acordo com documentos obtidos por O Tempo, os vigias Ricardo Henrique Miranda e Adriano Ferreira são, oficialmente, os proprietários da Four Factoring. Em outubro, um relatório feito pelo Ministério Público Federal (MPF) apontou que a Four Factoring recebeu, junto com outras duas empresas, R$ 1,17 milhão do Consórcio Camargo Corrêa, responsável pelas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Em depoimento à Polícia Federal, os vigias negaram conhecer a empresa e sequer saberem que tipo de atividade a Four Factoring realiza. De acordo com eles, o empresário Urbano Daniel Trópia, filho do criador do Caminhos para Jesus e atual coordenador da ONG, em 2009, os abordou afirmando que “precisava de pessoa de confiança e com nome limpo para abrir uma firma de cobrança”.
Ricardo Henrique Miranda e Adriano Ferreira concordaram em fornecer dados e cópias de documentos pessoais ao empresário, já que o mesmo era “chefe e pessoa influente”. Desde então, ambos receberam quantias em dinheiro por alguns meses, mas não exerciam qualquer tipo de atuação na empresa. “Eu somente assinava papéis que Urbano apresentava”, mostra trecho de um dos depoimentos.
JÁ FORAM PRESOS
Os guardas afirmaram, ainda, terem sido presos, em 2009, em Belo Horizonte, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, e questionados a respeito da Four Factoring, mas que, após passarem todas as informações, foram liberados e nunca mais intimados para prestar esclarecimentos. Depois do episódio, Adriano Ferreira diz ter questionado Urbano Daniel Trópia a respeito da empresa e sua atuação, mas o empresário disse que “nem ele sabia e que iria procurar os responsáveis”.
À reportagem, Urbano Daniel Trópia disse ter sido “usado” por um homem chamado Cleberson. “Nem eu nem os vigias sabíamos de nada. Um tal de Cleberson, aqui da região, pediu para pegar dados de pessoas confiáveis. Era simplesmente um vizinho, nem suspeitamos de nada. Os vigias toparam dar os documentos e os dados porque iam receber um dinheiro em troca”, diz o empresário. De acordo com ele, Cleberson “sumiu, simplesmente desapareceu, depois da confusão”.
A Procuradoria Geral da República encontrou o nome da Four Factoring, junto com as empresas RDC Trading e Techno System, após analisar planilhas apreendidas nos escritórios de Youssef. A Camargo Corrêa negou, na época, ter feito pagamentos a essas empresas. A Four Factoring era utilizada por Alberto Youssef para repassar desvios vindos de contratos da Petrobras. Só a RDC Trading, também investigada pela Polícia Federal, chegou a enviar cerca de R$ 2,7 milhões para o laboratório Labogen, que era utilizado pelo doleiro para remeter dinheiro ao exterior.
CRIANÇAS ESPECIAIS
O Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus afirmou que todos os envolvidos são apenas funcionários e que a instituição não tem qualquer ligação com a Four Trading e semelhantes. Por enquanto, não há qualquer informação que possa levar à responsabilização da ONG. Urbano, Ricardo e Adriano ainda trabalham por lá.
Com mais de 46 anos de história, o Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus cuida de crianças carentes e portadoras de necessidades especiais, além de abrigar idosos. Gerente da ONG, Antônio Veloso afirma que a investigação envolvendo funcionários do núcleo não afeta em nada a instituição.
“O núcleo é uma instituição séria. O Urbano Daniel Trópia é apenas um funcionário e não responde por nada na ONG. O Caminhos para Jesus vive de doações e não recebe ajuda financeira de nenhum órgão governamental. Quase 90% das doações, inclusive, vêm de pessoas físicas. Não temos nada a ver com essa corja de corruptos”, diz Veloso.
23 de maio de 2015
Lucas Ragazzi
O Tempo
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