Ouvi novamente uma música antológica que deveria ser considerada Patrimonio Cultural da humanidade: "Adios Nonino" em uma gravação em CD com o bandoneon de Astor Piazzolla. Só não fui às lágrimas (novamente) porque de tanto ouvi-la, lágrimas correlatas já não há, além do mais, Piazzolla a compôs em homenagem a seu pai, doente e prostrado em seu leito. Deixo as lágrimas, se as houver, a quem quiser por acaso me prantear no futuro, que espero ainda longínquo, colocando em um portátil qualquer um MP3 de Adios Nonino.
Se vivo estivesse, Piazzolla estaria completando 94 anos em 2015. Talvez não tivesse a destreza e a força necessária para extrair do seu bandoneon essas melodias e acordes inigualáveis, inimitáveis e indescritíveis, de melodias que vão fundo na alma, daquela mistura inesperada e inusitada de tango com puro jazz!
Ou talvez, uma vez que era um homem forte, bem talhado até nos seus últimos dias, fosse ainda melhor no sanfonar de seu bandoneon, igual a um senhor, já bem idoso, que ouvi tocando com imensa maestria em Buenos Aires, em um show de uma casa noturna chamada "Señor Tango". Quando foi anunciado que o dito cujo era um dos últimos participantes do grupo de Piazzolla, quase não acreditei até ao minuto em que o velhinho puxou os primeiros acordes piazzollianos do bandoneon. Aí valeu a noite, valeu o ingresso e meu ouvido me guardou uma memória imorredoura! Escusado dizer que ele tocou justamente o "Adiós Nonino", um avô prestando uma homenagem a seu pai, o Nono.
De onde Piazzolla tirou a ideia de misturar tango com jazz e apostar que daria certo? Sabemos que essas misturas de ritmos nunca emplacam, a não ser como passageira novidade. Por essas bandas já tentaram misturar samba com be-bop, sertanejo com rock, old american standards com bossa nova mas não emplacou nem emplaca. Piazzolla fez a mágica da mistura funcionar e ser aceita para sempre! Como começou? Quando na década de 20, ainda criança, foi com sua família argentina morar em Nova York. Lá, interessando-se por música, ganhou de seu pai um presente: seu primeiro bandoneon.
O pai, percebendo suas habilidades musicais, contratou nada mais nada menos que Bela Wide, um professor que foi aluno de Rachmaninov, compositor clássico russo. Com o DNA do tango nas veias e o gosto pelo jazz que por essa época nascia com músicos famosos nos Estados Unidos, eis o resultado: uma música única, pungente como o tango mas ao mesmo tempo alegre e diversificada como o jazz. Canções com marca registrada, com a grife piazzollana.
07 de março de 2015
in saco de gatos
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