No domingo, José “Pepe” Mujica encerrou seus cinco anos na presidência do Uruguai.
Um mandato marcado por reformas controversas, incluindo a aprovação da lei da maconha; algumas dívidas, como na educação; e muitas declarações que ecoaram em todo o mundo.
A BBC conta em 10 frases os principais marcos do mandato de Mujica, que neste domingo passou a faixa presidencial ao ex-presidente Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla.
- “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”
Ele mora na mesma casa de campo há décadas, com sua mulher, Lucia Topolansky, e sua cadela de três patas, Manuela.
No entanto, ele triunfou no mundo, onde sua humildade foi aplaudida. Seus discursos na Organização das Nações Unidas e suas entrevistas para canais de todo o mundo foram compartilhadas sem parar nas redes sociais.
Mujica também parece ter conquistado a maioria dos uruguaios, já que deixa o governo com um índice de aprovação de 65%, de acordo com uma pesquisa recente da empresa Equipos Mori.
- “Não é bonito legalizar a maconha, mas pior é dar pessoas ao narcotráfico. O único vício saudável é o amor.”
Essa lei, ainda em desenvolvimento, tem como objetivo frear o avanço do tráfico de drogas e regular um mercado que, de acordo com Mujica, cresce na sombra e está nas mãos de criminosos.
Foram estabelecidos limites para cultivo e venda de maconha, bem como registros de consumidores e clubes de fumadores.
A regra tornou o Uruguai o primeiro país do mundo com um regulamento tão abrangente.
- “O casamento gay é mais velho do que o mundo. Tivemos de Júlio César a Alexandre, o Grande. Dizem que é moderno e é mais antigo do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe. E não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente”.
Embora ele tenha recebido críticas da Igreja Católica – menos influente aqui do que em outros países da região-, a medida foi aprovada por uma larga maioria dos legisladores da base do governo e da oposição, gerando menos controvérsia do que outras leis de questões sociais como o aborto ou a maconha.
- “Legalizando e intervindo, é possível conseguir que muitas mulheres voltem atrás em sua decisão, sobretudo aquelas de setores mais humildes ou que estão sozinhas.”
“Todo mundo é contra o aborto. Mas se você dá apoio a uma mulher sozinha que precisa tomar esta decisão, alguns pensam que muitas iriam desistir”, disse.
- “Somos meio vagabundos, não gostamos tanto de trabalhar. (…) Ninguém morre por excesso de trabalho, mas não é um país corrupto, somos um país decente.”
Mujica reconhece que nem tudo foi feito e muitas vezes dá como exemplo de sua lista de pendências a falta de infraestrutura, a deterioração da educação ou o aumento da insegurança.
- “Essa velha é pior que o caolho. O caolho era mais político, ela é mais teimosa.”
Mujica foi flagrado falando assim da colega em 2013. Ele achava que o microfone estava desligado.
O uruguaio pediu “sinceras desculpas” por suas palavras, embora a relação entre os dois países tenha passado por momentos mais graves do que algumas palavras mal colocadas.
Mas o caso da “velha e do caolho” não foi a única vez que Mujica teve problemas por causa de suas palavras.
Após a punição da FIFA ao jogador de futebol Luis Suárez por um incidente em uma partida da Copa do Mundo no Brasil, o presidente do Uruguai lançou uma mensagem controversa às autoridades do futebol mundial:
“A FIFA é um bando de velhos filhos da puta”.
- “Eu acho que nós estamos sendo usados como ratinhos de laboratório. Por que a Phillip Morris está prestando tanta atenção em um país tão pequeno? Eu tenho certeza que eles vendem mais cigarros em qualquer bairro de Nova York do que no Uruguai.”
As advertências contra o mal provocado pelo cigarro em 2009 chegaram a ocupar, por lei, 80% dos pacotes -espaço maior que em qualquer outro país. E desapareceram dos maços as palavras “light”, “mentolado” ou “ouro”, restando apenas a marca do cigarro.
A disputa será solucionada pelo Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, uma agência do Banco Mundial.
- “Tive que aguentar 14 anos em cana (…) Nas noites que me davam um colchão eu me sentia confortável, aprendi que se você não pode ser feliz com poucas coisas, você não vai ser feliz com muitas coisas. A solidão da prisão me fez valorizar muitas coisas.”
Por isso, passou 14 anos preso, parte do tempo em um calabouço, sem acesso a livros ou contato humano. Ele conta que falava com animais para manter sua sanidade.
Em 2014, o país recebeu um grupo de seis prisioneiros da base americana de Guantánamo, em Cuba, uma medida que foi criticada pela oposição e a qual se opõe a maioria dos uruguaios.
Sob sua liderança houve uma forte controvérsia sobre a tentativa do partido do presidente, a Frente Ampla, de aprovar uma lei para investigar as violações dos direitos humanos cometidas durante o último governo militar (1973-1985).
A chamada Lei de Anistia havia sido submetida a um referendo em duas ocasiões antes da presidência Mujica e a população a rejeitou.
Mujica foi contra a anulação da lei, argumentando que seria reabrir feridas e colocar a estabilidade do país em risco: “Eu não sou viciado em viver olhando para trás, porque a vida é sempre o futuro e todos os dias amanhece.”
- “O que é que chama a atenção mundial? Que vivo com pouco, em uma casa simples, que ando em um carrinho velho, essas são as notícias? Então este mundo está louco, porque o normal surpreende.”
“Isso me preocupa muito, me preocupa como anda o mundo”, disse ele à BBC Mundo em uma entrevista em dezembro. “Eu vivo como vive a maior parte de meu povo, na política o normal teria que ser o meu modo de vida”, acrescenta.
“Vou à Alemanha e me dão um Mercedes Benz para andar daqui até a esquina – que tem uma porta que pesa três mil quilos- e 50 motos na frente e 50 atrás. Não concordo com isso”, diz ele.
“Eu acho que os governos, presidentes, devem se expressar em todo o tom da sua vida, a sua linguagem, sua maneira de ser, seu modo de vestir, nas relações públicas, como seu povo vive”.
- “Sim, eu estou cansado, mas isso não para até o dia em que me coloquem em um caixão ou quando eu for um velho esquecido.”
“Eu não vou ser um velho aposentado que vai para um canto escrever suas memórias. Eu não vou escrever nada, não tenho tempo, tenho coisas para fazer”.
O presidente planeja abrir uma escola de negócios agrícolas em um galpão atrás de sua casa. ”Vai começar em março, para aproveitar a terra que temos, os meios que temos e assim me divirto com os garotos do bairro”, disse.
E, certamente, tornar-se o principal conselheiro de sua mulher, Lucia Topolansky se, como as pesquisas sugerem, ela se tornar a nova prefeita de Montevidéu após as eleições de maio.
02 de março de 2015
Deu na BBC
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