"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 25 de março de 2015

A FALÁCIA DO PACOTE ANTICORRUPÇÃO


Escrevi, há exatamente um ano, um artigo acerca da tentativa do governo de tornar hediondo o crime de corrupção após as manifestações de 2013. Eis que, após 15 de março, o governo surge com mais propostas anticorrupção em resposta à crise de legitimidade. No Brasil, toda vez que há uma forte insatisfação com o governo, apela-se para o Direito Penal, e, com um viés absolutamente populista, criam-se novas leis criminalizando condutas e/ou agravando penas já existentes.

A onda da vez é o pacote anticorrupção, com o qual se pretende criar a figura penal de enriquecimento ilícito de servidor público (PL 5.586/2005), como se o enriquecimento, e não a corrupção, fosse o problema. Ao ressuscitar o projeto de lei, o governo propõe a punição com pena de reclusão de até oito anos aos casos enriquecimento injustificado do servidor público.

Mas o que seria injustificado? Frente à ausência de definição, todos os funcionários públicos terão que ir às delegacias para comprovarem seus rendimentos e os de sua família?

Ao invés de reforçar a investigação do crime de corrupção passiva ou de peculato, a proposta induz em erro a população, criando mais um crime, quando o real problema não é a falta de figuras penais, mas sim a efetiva punição nos casos em que for devida.

É tendência nacional o apelo à criminalização de uma conduta quando os aparelhos administrativos são incompetentes. Esta lógica distorcida é responsável pela sobrecarga do judiciário, pelo atual estado das penitenciárias e presídios, e, consequentemente, pela impunidade das condutas que realmente deveriam ser criminalizadas.

Diante do atual quadro político brasileiro, é certo que o Projeto de Lei 5.586/2005, recuperado agora pelo governo, mostra-se, mais uma vez, como uma proposta de ocasião. Na prática, esta nova lei não inibirá a sensação da impunidade ou reduzirá a delinquência nesta espécie.

Contudo, o objetivo principal não é, e nunca foi, outro senão a arrecadação de votos por meio da falsa impressão de ação do governo, uma resposta aos recentes protestos, e são grandes as chances de cairmos nesta armadilha. O Estado já sabe, mas a população deve compreender que não é a previsão de uma pena que dissuade a prática da conduta, mas sim a certeza desta punição.


26 de março de 2015
André Luis Callegari é advogado criminalista, professor da Unisinos (RS)

Nenhum comentário:

Postar um comentário