Os jornais estão cheios de notícias sobre demissões que ocorrem em meio aos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Muitos vão culpar a investigação em si, quando ela é a melhor chance que o país tem de mudar o ambiente de negócios no Brasil. Foram tomadas decisões temerárias na economia. Bancos, empresas e o governo assumiram riscos que não deveriam ter assumido.
Várias das empresas que estão com problemas já estavam com desequilíbrios entre ativos e passivos, como a OAS. Ou cresceram dependentes da abundância do dinheiro que saía do BNDES, como a Engevix. Só para citar um caso: a Engevix construiu uma hidrelétrica no Rio Pelotas que começou com uma fraude ambiental. Na usina de Barra Grande, o Estudo de Impacto Ambiental dizia que o lago ocuparia o lugar que tinha uma vegetação que foi descrita como “capoeirão”.
E, na verdade, era um riquíssimo pedaço de Mata Atlântica, com cinco mil araucárias, uma espécie em extinção. A fraude foi descoberta na hora de tirar a vegetação. Na época, entrevistei a então ministra Dilma Rousseff, que admitiu o erro do licenciamento feito no governo Fernando Henrique. A mata foi alagada, por decisão da ministra, alegando-se que a barragem já estava pronta. Mesmo sendo uma empresa que fazia negócios desta maneira, ela prosperou e chegou até a vencer o consórcio do Aeroporto de Brasília.
A Sete Brasil foi criada como empresa independente para que a Petrobras não aumentasse seu endividamento. E lá, como em todos os outros empreendimentos, foram instalados os fundos de pensão das estatais — Previ, Petros, Funcef, — e até o FI-FGTS. Um grupo de bancos fez um empréstimo-ponte à Sete Brasil, no pressuposto de que sairia um empréstimo do BNDES. E, pelo contrato original, o BNDES assumiria o risco Sete Brasil, informou o “Valor” de ontem. Só que não. Agora que há riscos de que as sondas não sejam compradas pela Petrobras, o banco não quer mais o risco.
Os negócios estavam sendo feitos assim no Brasil. O Tesouro se endividava e repassava o dinheiro a custo subsidiado ao BNDES. O Banco financiava tudo o que era considerado prioritário para o governo, sem fazer análises do risco como devia. Chegou a admitir, certa vez, ter liberado R$ 10 bilhões à refinaria Abreu e Lima sem que houvesse o estudo de viabilidade econômico-financeira do empreendimento. Os fundos de pensão de estatais entravam para garantir qualquer projeto. O Comperj tinha vários erros originais, inclusive de localização. Tudo estava sendo feito com um grau de risco elevadíssimo, passando por cima, muitas vezes, de alertas dos técnicos de órgãos envolvidos.
Agora os riscos se materializam e todo o discurso que começa a ser preparado é de culpar a Operação Lava-Jato pelo desemprego e dificuldades financeiras das empresas. É preciso separar os casos. Há situações em que a empresa só sobreviveria na dependência dos contratos ilícitos, dinheiro barato e risco jogado sobre os fundos das estatais.
Algumas das empresas jamais fizeram uma diluição do seu risco, jamais fizeram um planejamento estratégico olhando possíveis cenários negativos. E há casos de empresas boas, capitalizadas, mas que agora têm que enfrentar os rigores da investigação sobre supostas propinas pagas para conseguir fazer negócios com empresas estatais. Mesmo sendo boas, empresas assumiram o risco de fazer negócios ilícitos e precisam pagar por isso.
A investigação do crime não pode ser responsabilizada pelos efeitos econômicos decorrentes dos fatos revelados. O oposto seria manter tudo irregular, conviver com os crimes, porque o combate a eles provoca distúrbios econômicos. Esta visão é inaceitável.
O governo precisa estudar profundamente os desdobramentos econômicos da Operação Lava-Jato, que serão muitos, para saber o que fazer diante de cada problema.
Os casos são diferentes, a situação das empresas, também. O perigo é o desemprego ser usado como fonte de pressão para que o governo salve empresas que não podem ser salvas ou tente encobrir o que tem que ser revelado. É preciso critério e informação acurada sobre a situação de cada uma das companhias afetadas, direta ou indiretamente, pelos desdobramentos da investigação.
26 de março de 2015
Miriam Leitão, O Globo
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