"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 20 de maio de 2014

CHINA, EUA E BRASIL

 

 
Qual será o melhor regime para o Brasil? Aquele que lhe garanta autodeterminação e lhe assegure desenvolvimento tecnológico e social.

Para chegar a isso, não poderá continuar com a economia desnacionalizada e concentrada, nem com suas políticas sendo determinadas por carteis financeiros e econômicos. Então, o que se deve fazer? Para conceber algo próximo ao ideal, há que avaliar o que ocorre na prática.

À parte as questões da tradição e da cultura, o  regime e as políticas da China têm obtido êxitos consideráveis na consecução dos objetivos nacionais, inclusive ombrear-se com as grandes potências, e elevar o  bem-estar social.  Mas seu sistema pode ser criticado, entre outros aspectos, por não estar evitando excessiva concentração de renda no setor privado, embora esta seja ainda muitíssimo menor que a das tradicionais economias capitalistas e suas dependências periféricas.

Tem-se falado muito na ascensão econômica da China. Segundo  novas estimativas  do Banco Mundial, conforme a PPP (paridade do poder de compra) o PIB da China já supera o dos EUA, ficando ultrapassadas as que não atualizavam os dados, desde 2005. Essas só o previam para 2019.

Alguns números não fecham. Diziam que, pela PPP, o PIB da China equivalia em 2003 a 60% do dos EUA. Ora, se aplicarmos as respectivas taxas de crescimento acumuladas de 2003 a 2013 (164,1% e 16,05%), resulta que o PIB chinês já superava o estadunidense em 35,5%.

Ademais, o BM não retrata as coisas com precisão, já que: 1) as estatísticas dos EUA superestimam o produto real e subestimam a inflação; 2) com a enorme financeirização da economia, parte significativa da “renda”, não deveria ser considerada produto real; 3)  os gastos militares astronômicos – e nisso os EUA batem de longe qualquer país – não representam algo que possa ser contado, se adotarmos  um critério de bem-estar ao valorar a “produção econômica”.

Há mais considerações denotativas de que os aspectos qualitativos têm importância bem maior que cifras monetárias do PIB. Um dos feitos do regime chinês foi tirar mais 600 milhões de pessoas da linha de pobreza, em apenas 10 anos. Outro, tem sido a elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade.

Norton Seng, especialista brasileiro em assuntos chineses,  destaca a qualidade da educação e que a ênfase no emprego de engenheiros na administração tem  viabilizado planejamento capaz de promover o emprego de centenas de milhões de pessoas em atividades de crescente conteúdo tecnológico.
Ora, isso requer eficientes infraestruturas urbanas, de transportes, telecomunicações e outras. Diz Norton: “Tudo meticulosamente planejado: das fronteiras agrícolas até os grandes centros habitacionais. Com toda a infraestrutura necessária para comportar, adequadamente e sem maiores conflitos sociais,  a sua gigantesca população com complexos viários compatíveis com o crescimento exponencial de suas cidades em harmonia com o crescimento das várias demandas.”
Muitos observadores espantam-se com o fato de, mesmo após mais de 30 anos seguidos, até 2012, com média acima de 10% aa., as taxas de crescimento do PIB chinês ainda estarem elevadas, acima de 7% aa., não obstante  a estagnação reinante nos EUA, Europa e Japão, desde 2008.

A ideologia faz alguns crerem que a economia obedece a leis inexoráveis, independentes da política. Esses preveem crise, agora, na China. Diferentemente deles, penso que só há crise em países em que assim deseja o sistema de poder nele dominante.

A meu ver, o capitalismo caracteriza-se pela ilimitada concentração do poder financeiro e político nas mãos de pequeno grupo de famílias e indivíduos.

Na medida em que a China não seja – pelo menos, por enquanto - país capitalista – as tendências de crise que ali surjam, podem ser afastadas sem dificuldade, pois,  detendo-se poder sobre as finanças e havendo vontade política, estas podem pôr a economia em rumo certo.

Os seguidores de Deng admitem que o desenvolvimento econômico obtido desde o final dos anos 70 não teria sido possível sem ter havido Mao, sob cuja direção a China, além de conseguir alimentar população superior ao bilhão, construiu significativa indústria pesada e colocou a China entre as grandes potências militares e nucleares.

Após 1978, o Estado continuou a dirigir a economia e permaneceu com sua maior parte estatizada, além de  manter o controle do sistema financeiro. Mas abriu grandes espaços para o crescimento de capitais privados nacionais e admitiu investimentos diretos estrangeiros de grandes corporações transnacionais. Isso, entretanto, foi feito em condições diametralmente opostas às que prevalecem no Brasil, especialmente a partir de 1954/1955.

Enquanto o governo egresso do golpe que derrubou o presidente Vargas em 1954, propiciou aos pretensos investidores transnacionais ganharem capital no Pais e esvaziá-lo dele -   controlando o mercado brasileiro e recebendo subsídios escandalosos -  o planejamento central chinês fez as transnacionais cumprirem condições que levaram à absorção e à melhora de tecnologias estrangeiras.

Na China, os investimentos diretos estrangeiros são submetidos a regras rigorosamente  aplicadas,  pois  o sistema político ali não depende de campanhas eleitorais influenciadas por dinheiro privado ou estrangeiro.

E quais as regras essenciais?  Não se trata somente de favorecer as produções intensivas de tecnologia, poupadoras de matérias-primas, sobre tudo locais,  e menos nocivas ao ambiente. É exigido: 1) quanto à propriedade, haver associação com capitais chineses; 2) ser assegurada transferência de tecnologia à China.

Em geral, próxima a  uma fábrica de empresa transnacional, encontra-se uma controlada por capital chinês, replicando a mesma produção e  inovando-a para torná-la mais competitiva.

Já no Brasil, desperdiçam-se os investimentos públicos em ciência e tecnologia, na proporção da ausência de empresas nacionais em competição no mercado, e exponenciam-se as consequências da subordinação às transnacionais estrangeiras: preços absurdamente altos, transferências de ganhos ao exterior sob todas as formas, endividamento acelerado por taxas de juros abusivas, política e administração corrompidas etc.

Não nos devemos iludir com as estatísticas de 6ª ou 7ª maior economia do mundo. Para começo de conversa, o grosso do PIB aqui gerado não pertence a brasileiros, e o que resta para estes está muito mal distribuído.

Além disso, pelo critério da paridade do poder de compra, o Brasil cai para 9º. Mais importante, o crescimento não decorre de ganhos qualitativos, mas, sim, da ocupação de parte dos imensos espaços territoriais e da exploração desmedida de recursos naturais, tanto na agropecuária como nos minérios, tudo para servir a grupos concentradores estrangeiros.

Desde o colapso de 2007/2008, amplia-se a vantagem da China sobre as principais economias capitalistas, vinculadas à oligarquia financeira anglo-americana, porque a estagnação destas se acentua, com infraestruturas físicas em deterioração, desemprego muito grande, implicando deterioração do “capital humano” e da infraestrutura social.

Isso porque, diante da crise, o Estado, comandado pela oligarquia financeira, só trata de socorrer os bancos e apenas adia novas bolhas, pois: 1) o dinheiro fica nos bancos ou é aplicado em mercados especulativos e títulos públicos; 2)  o Estado vai falindo, mesmo sem investir o que deveria na economia real ou em favor dela, diretamente ou através de empréstimos para a produção. 

Se o Estado tem real poder sobre a economia, se deseja que a sociedade eleve  seus padrões de vida, se dispõe de quadros que sabem o que fazer, qualquer crise financeira pode ser debelada, e a casa arrumada: dívidas podem ser simplesmente canceladas, e novos mecanismos monetários e de crédito, instituídos.

A finança, portanto,  é algo que sempre pode ser posto em ordem, de uma vez, por decisões políticas, enquanto que são necessários decênios para construir estruturas e infraestruturas econômicas e sociais, bem como ativos tecnológicos para viabilizar níveis adequados de produção e de atendimento às necessidades sociais.

Em suma, dinheiro e crédito criam-se à vontade, com ou sem lastro, só com impulsos nos computadores. Já atender adequadamente a demanda (sem  reprimi-la) por bens e serviços reais depende de bem mais que isso.

Nota final. Há mais de 100 bilionários da China. O Brasil mostra 77 bilionários, mas o PIB do País, além de não pertencer, na maior parte, a brasileiros - equivale a menos de 1/6 do da China. Os 15 mais ricos do Brasil totalizam U$ 116,5 bilhões, e os da China, US$ 79,6 bilhões. Entre os brasileiros, muitos pertencem aos mesmos grupos e famílias.
 
20 de maio de 2014
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
 

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