Para o plano de nossa política externa de entender-se melhor com os países que lideram a economia mundial, seria útil afastar-se de ditaduras calamitosas transformadas em nossos melhores amigos
O BRASIL, TANTO QUANTO DÁ PARA ENTENDER QUANDO ainda se presta atenção no que dizem as autoridades do setor econômico, está verbalmente empenhado em desentender-se um pouco menos com os países que lideram a economia mundial. O astuto objetivo dessa nova estratégia, também ao que parece, c atrair mais investimentos para o país. Nosso governo, aparentemente, acaba de descobrir que o dinheiro disponível para ser investido na economia brasileira está nos países onde existe realmente dinheiro - e eles são. infelizmente, justo aqueles de que a diplomacia nacional menos gosta. Que azar, não é mesmo? Bem no momento em que o Brasil esta tão necessitado de receber dinheiro internacional para tentar uma retomada do crescimento, descobrimos que há 11 anos seguidos, desde que o PT foi para o governo, decidiu-se eliminar até o limite do possível qualquer simpatia em relação às "economias hegemônicas", ou coisa parecida - e que isso, finalmente, pode nos causar problemas. Basicamente. será preciso convencê-las agora de que o Brasil, no fundo, é muito gente fina - e, por falar nisso, não daria para separar algum e financiar uma hidrelétrica, por exemplo. ou fazer um trem andar numa dessas ferrovias que estão sendo construídas há 20 anos. já foram inauguradas sabe-se lã quantas vezes, mas nunca ficam prontas?
É preferível fazer isso, certamente, a atravessar a rua para criar caso com algum pais rico que está passeando na outra calçada, como o Itamaraty faz desde janeiro de 2003. Da mesma forma, seria útil para o plano mestre de nossa política externa afastar-se um pouco dessas ditaduras calamitosas que foram transformadas em seus melhores amigos - ou, pelo menos, não mostrar tanta excitação em bajular tiranetes de meia-tigela e aprovar automaticamente qualquer desatino que cometem, incluindo homicídio. Ninguém pode andar em tal companhia e, ao mesmo tempo, imaginar que será respeitado por países democráticos e de cofres cheios. Não se trata apenas de encantar-se com engenheiros do caos empenhados em sepultar suas desgraçadas economias - o que. aliás, já é péssima recomendação para quem quer ser ouvido no mercado internacional. Agora, como acontece no caso da Venezuela, o Brasil está aprovando, por escrito, o múltiplo assassinato de opositores por bandos armados a serviço do governo, a prisão de um líder de oposição que não cometeu a mínima ilegalidade e outras barbaridades. Ai, já é crime de quadrilha.
O possível esforço para interromper o afastamento em relação ao mundo desenvolvido até que não vai mal, embora também não chegue a ir bem - é tarefa muito difícil, neste governo, encontrar alguma coisa que realmente vá bem. A presidente Dilma Rousseff ainda está esperando um "pedido de desculpas" do companheiro Barack Obama, por causa do projeto de espionagem mundial executado pelos Estados Unidos - algo que não vai receber nunca. Continua achando que sabe mais do que a chanceler da Alemanha. Angela Merkel, e que os problemas do Brasil são provocados diretamente pelas economias ricas - embora não fique claro o que elas poderiam ter a ver com nossos 50 000 homicídios por ano, corrupção em níveis jamais vistos. índices miseráveis na capacidade de competir, semianalfabetismo, e por ai afora. Mas não há muito problema com isso tudo, pois ninguém leva a sério o que o Brasil acha ou não acha politicamente - o que se olha mesmo são os fundamentos econômicos. Já a cumplicidade com regimes celerados pode sair bem mais cara. É arriscado o Itamaraty assinar uma nota tão servil, falsa nos fatos e paraplégica na inteligência, como a que fez para apoiar o ditador da Venezuela homem com todos os vícios de seu antecessor e nenhuma de suas virtudes. Nenhum dos países de onde o Brasil espera investimentos se sente confortável com a instabilidade, a falta de princípios e o ambiente mental desconexo do governo Dilma - sinais emitidos em volume máximo por erros grosseiros como o apoio à Venezuela de hoje. `
02 de março de 2014
J. R. Guzzo, Revista Exame
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