"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 23 de março de 2014

O TAMANHO DA IRRESPONSABILIDADE

Há duas versões para o prejuízo bilionário que a Petrobras levou com a refinaria de Pasadena; ambas mostram descaso com o que já foi orgulho nacional


Dias atrás, quando neste espaço comentamos as traquinagens do “blocão” de deputados insatisfeitos com a presidente Dilma Rousseff, afirmamos que a criação de uma comissão externa e o convite a Graça Foster, presidente da Petrobras, para explicar denúncias de propina eram peixe pequeno diante de vários outros fatos envolvendo a estatal. Um deles era o prejuízo bilionário que a empresa teve com a aquisição de uma refinaria no Texas. Na semana passada, a guerra de versões que envolveu a própria Dilma e executivos da petrolífera comprovou o tamanho da irresponsabilidade dos gestores da empresa, e o descaso com que a administração petista trata o que um dia foi orgulho nacional.

Recordando a história: em 2005, a belga Astra Oil comprou uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos Estados Unidos, por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, a Petrobras comprou 50% da refinaria por US$ 360 milhões (ou seja, 17 vezes o que os belgas haviam pago). A compra, ocorrida quando Lula era presidente da República e José Sérgio Gabrielli presidia a estatal, foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras, que à época tinha três petistas graúdos: Antonio Palocci (então ministro da Fazenda), Jaques Wagner (então ministro de Relações Institucionais e hoje governador da Bahia) e a própria Dilma, então ministra da Casa Civil. Todos os três votaram a favor do negócio. Em 2008, a Astra e a Petrobras se desentenderam e os belgas foram à Justiça americana, baseando-se em uma cláusula que constava do contrato e determinava que, em caso de briga entre sócios, a outra parte deveria comprar a totalidade das ações da refinaria. Em 2012, os belgas ganharam a ação e a Petrobras teve de desembolsar outros US$ 820 milhões pelos 50% que eram da Astra. Em 2012, quando a estatal tentou vender a refinaria, recebeu uma oferta de US$ 180 milhões. No ano passado, Graça Foster desistiu de vender a unidade, alegando que é preciso investir nela para ter um retorno melhor.

Ou seja, um prejuízo bilionário do qual agora ninguém quer ser o pai (ou a mãe). Dilma, confrontada com sua aprovação ao negócio em 2006, usou a tática já empregada por seu mestre, Lula, a do “eu não sabia”. Em nota, Dilma alegou que baseou sua decisão em um resumo executivo “técnica e juridicamente falho”, elaborado pelo diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró (que acabou de embarcar para uma viagem de férias no exterior), e que teria omitido tanto a cláusula “put option”, a que obrigava a compra da totalidade das ações em caso de desavença entre os sócios, quanto a cláusula “marlin”, que garantia à Astra um lucro de 6,9% ao ano independentemente do desempenho da refinaria. Segundo Dilma, só em 2008 o Conselho de Administração soube das cláusulas – se elas fossem conhecidas já em 2006, a Petrobras nunca teria fechado o negócio, argumenta a presidente.

Os executivos da Petrobras contra-atacaram: dois deles deixaram claro à Folha de S.Paulo que todos os membros do Conselho de Administração tinham acesso total e irrestrito à documentação completa sobre Pasadena. Ou seja, se eles não sabiam de tudo, tinham como saber. A afirmação coloca Dilma e os demais conselheiros em uma grande saia-justa. O empresário Jorge Gerdau, que também fazia parte do conselho, deu entrevista confirmando a versão de Dilma; o ex-presidente da Petrobras Gabrielli disse ao Jornal Nacional, na quinta-feira, que cláusulas “put option” são comuns em contratos como o de Pasadena.

Na menos pior das hipóteses, estamos diante de um caso de negligência que teve um custo bilionário para a Petrobras: um relatório mal-feito, que omitia fatos importantes, e conselheiros com o desconfiômetro desligado, que deram seu aval a uma transação sem se interessar por seus detalhes. No pior cenário – o de que Dilma e os conselheiros sabiam de tudo e mesmo assim aprovaram a compra –, somar-se-ia à irresponsabilidade pura do Conselho o fato de Dilma ter mentido ao dizer, em nota, que não sabia de nada (se quiser seguir Lula à risca, as próximas etapas de Dilma seriam afirmar que foi traída e, por fim, que a refinaria não existe). A negociação merece todas as investigações que estão sendo realizadas – Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas da União estão no caso. Que tudo seja posto em pratos limpos, mostrando como o aparelhamento político da Petrobras está aos poucos destruindo a maior empresa do país.

23 de março de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR

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