"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

LIMINAR QUE PROÍBE "ROLEZINHO" ASSEGURA "DIREITO À SEGREGAÇÃO"



 
São raríssimos os casos em que a decisão do juiz não deve analisar com cuidado dois direitos distintos.

Por isso é tão difícil a tarefa de julgar. A lei provoca contradições entre direitos. Quase sempre.

O caso dos "rolezinhos" não foi diferente. Um juiz concedeu uma liminar afirmando que se os jovens da periferia levassem adiante sua intenção de comparecer em conjunto a shopping centers para realizar a prática do já famoso "rolezinho", seriam multados em R$ 10 mil.

O próprio juiz admitiu que havia um conflito de direitos. O direito de manifestação dos jovens da periferia e o de propriedade dos donos do shopping. O juiz diz que o direito de propriedade deve prevalecer porque há outros espaços mais apropriados para manifestações.

Essa resposta do juiz veio em uma liminar. O que significa que apenas um lado foi ouvido: o lado dos donos de shopping. E só isso pode explicar o fato de se imaginar que o "rolezinho" pode ser feito nas ruas.

O que pedem os "rolezinhos"? Sem danificar o patrimônio e sem registros de furtos, jovens da periferia querem circular por espaços que lhe são proibidos. Espaços segregados. Segregados, até agora, não pela força do direito, mas porque não há nada ali que lhes seja acessível.

O grande problema da decisão é que ela assegura um direito à segregação.
Shoppings são espaços de livre circulação. Impedir a entrada de alguém em estabelecimento comercial por motivo de discriminação ou preconceito é crime.
Admitir que só algumas pessoas podem circular por lá, com policiais e oficiais de Justiça analisando quem pode ou não entrar, oficializa a discriminação.

Na verdade, não se trata apenas do conflito entre direito de propriedade e de manifestação. Trata-se de uma nova agenda de desigualdade que não se encerra em programas de transferência de renda, mas com questão de como se cria um país de convivência e não de segregação.

Esses jovens querem ser ouvidos, ser vistos –aliás, não apenas os jovens da periferia vão ao shopping para serem vistos. E eles não estão sendo escutados. Tapar os ouvidos não ajuda a solucionar o problema, ao contrário, tende a criar novos.
Pedro Abramovay é professor licenciado da FGV Direito Rio e diretor para a América Latina da Open Society Foundations. Originalmente publicado na Folha de S. Paulo de 14 de Janeiro de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário