"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 29 de dezembro de 2013

VÔ SÉRIO

O vovô era um homem sério. Não carrancudo, mas sério. Tanto que os netos fizeram uma aposta: ganharia quem fizesse o vovô rir. O local da competição seria a mesa do almoço, aos domingos, quando toda a família se reunia, com a vovó numa cabeceira e o vovô na outra. Foram estabelecidas certas regras. Para ganhar, seria preciso provocar uma gargalhada no vovô. Um sorriso não bastaria. O objetivo era uma risada. Ou - para não haver duvida do que se buscava - uma BOA risada.

***

Algumas dúvidas tiveram que ser esclarecidas, antes de começar a disputa.

- Cócegas, vale?

Ninguém imaginava que o vovô sentisse cócegas, mas, de qualquer maneira, cócegas foram vetadas. E anedota? Se o vovô risse de uma anedota, a vitória seria do contador ou da anedota? Decidiram permitir anedotas. Quem soubesse contar uma anedota tão bem que fizesse o vovô dar uma risada, uma BOA risada, mesmo que não fosse seu autor, mereceria ganhar.

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No primeiro domingo depois da aposta, o Marquinhos - segundo o consenso geral na família o mais palhaço dos netos - sentou-se à mesa fantasiado de mico, fazendo ruídos e gestos de mico e pedindo banana. Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse: "Muito engraçado, Marquinhos, agora tire essa roupa e coma direito". Mais tarde o Marquinhos argumentaria que o vovô dizer "Muito engraçado" equivalia a uma risada, mas seu protesto foi ignorado.

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No domingo seguinte, o Eduardinho contou uma anedota.

- Sabem aquela do cara que tirou uma radiografia e o médico disse que ele precisava ser operado? O cara perguntou quanto custaria a operação e o médico deu o preço. O cara achou muito e perguntou quanto custaria um tratamento sem precisar operar. O médico deu o preço, que o cara também achou muito. Aí o médico disse: se o senhor preferir, pela metade do preço, eu retoco a radiografia.

Todos riram muito - menos o vovô. O vovô disse que aquela história envolvia questões muito sérias, como a saúde de um ser humano e a ética médica, e não era assunto para ser tratado na mesa, na frente das outras crianças. O Eduardinho protestou:

- Era uma anedota, vovô.

- Muito sem graça - disse o vovô.

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Nas semanas seguintes, todos os netos tentaram, de um jeito ou de outro, fazer o vovô rir. Apelaram para mímica, imitações (o Tico fazia um Silvio Santos impagável), números musicais, concurso de quem chupava o espaguete mais ligeiro, tudo. E o vovô sério. Finalmente desistiram. E no último domingo aconteceu o seguinte: a vovó sentou-se na sua cadeira na cabeceira, depois de trazer a travessa de frangos da cozinha e colocá-la sobre a mesa - e caiu da cadeira. E o vovô explodiu numa gargalhada. Uma BOA risada que não parava mais, enquanto a vovó era atendida e dizia que estava bem, que não tinha se machucado, que não se incomodassem com ela.

***

Depois houve controvérsia. Uns netos achavam que a vovó cair da cadeira tinha sido mesmo um acidente, outros achavam que a vovó tinha caído de proposito. Depois de tantos anos sabia o que faria o vovô rir e dera uma mãozinha para os netos.
 
29 de dezembro de 2013
Luis Fernando Veríssimo

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