"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

LIVROS SEM TÍTULOS


 
Certa vez, há um bom tempo atrás, e estando eu de plantão, num momento em que o movimento estava reduzido (até pelo adiantado da hora) procurei uma dessas salas...uma dessas coisas chamadas de “estar médico” e sentei para ler um pouco. Ocorre que na tradicional sujeira e confusão que são esses lugares (onde nada é de ninguém) coisa alguma havia que me interessasse. Revistas e jornais velhos, além é claro, daqueles livros de medicina cuja atualidade só poderia fazer sucesso em Cuba. Fuçando numa velha prateleira, acabei encontrando (vejam só que “horror” para um hospital público num “Estado Laico”) uma Bíblia.

Estando sozinho na sala, àquela hora da madrugada comecei a ler alguns trechos. Como sempre faço quando tenho oportunidade vou direto ao Velho Testamento: gosto de Jeremias, Isaías, enfim..a “turma” que andava chateada com Israel em função do estado de coisas na época. De repente, entrou na sala o colega que até então estava ocupado. Vendo que eu lia, perguntou do que se tratava. Respondi que era a Bíblia e ele, num tom de zombaria, disse: “não sabia que tu eras, religioso” Eu respondi que eu também “não sabia” e perguntei: “sou religioso porque estou lendo a Bíblia?” Afirmou ele que sim e daí eu não resisti: “concluo, portanto, que se eu estivesse lendo “Minha Luta” (e eu já li) de Adolph Hitler, eu seria um nazista, não é mesmo?”

Vi que o sujeito, sentindo-se apanhado numa armadilha, sentiu-se constrangido e resolveu não levar mais as coisas adiante.
Contei essa história para vocês como introdução do texto para fazer uma pergunta, e ao mesmo tempo um comentário: Vocês poderiam me explicar de onde veio no Brasil essa tradição de “somos o que lemos”?? Eu sinceramente não sei a resposta! Digo mais, lembrando o quão pouco se vê gente lendo nos locais de trabalho ou em casa hoje em dia deveríamos fazer o caminho inverso e afirmar que “quem não lê nada, não é nada”..rsss..rsss..não é mesmo??

Escrevo, e esse é o objetivo do texto, que a falta de “personalidade cultural” dos brasileiros chegou a tal ponto que nada mais previsível do que julgar as pessoas e as idéias que elas supostamente professam pela capa do livro que vemos elas lendo! Pode haver absurdo maior do que esse??? De onde surgiu ideia tão ridícula? Nenhuma defesa do hábito de ler, do elogio da leitura ou da sua importância naquilo que pensamos pode justificar uma coisa como essa.

O que autoriza alguém a pensar isso quando vê outro lendo é a falta de juízo crítico, a incapacidade total de saber a diferença entre ler e acreditar e a vida numa sociedade sem capacidade alguma de abstração, de transcendência ou de extrapolação da realidade palpável, da realidade “noticiável” mais trivial. O que pensar, pergunto eu, da maturidade ou da moral da mulher brasileira, por exemplo se considerarmos “Cinquenta Maneira de se Masturbar” como o livro que representa essa parcela da população?? O que dizer do homem médio e da cultura brasileira se quisermos nos basear no volume de livros vendidos por Edir Macedo para julgar nosso panorama intelectual??

Ler, recolher-se, isolar-se do outro e do politicamente correto é visto popularmente como uma identificação automática entre escritor e leitor... Quem lê a Bíblia “deve ser alguém que a toma ao pé da letra”..quem leu Hitler “deve ser nazista” e por aí vai...um festival de besteiras sem fim capaz de deixar a alta cúpula do Partido-Religião e de seus lacaios dentro da Universidade Pública orgulhosos de tanta burrice.

Em breve vai chegar o tempo em que um novo item vai fazer sucesso nas livrarias e casas de material de escritório. Capas para os livros que estão à venda...capas dos mais diversos estilos: de couro, de material sintético, de pano ou simples papelão e que vão se adaptar perfeitamente ao livro vendido podendo inclusive ser compradas na mesma hora que ele. Vai ficar mais confortável ler assim, vai ser um ato mais civilizado, mai discreto e politicamente correto..vai ser o tempo dos Livros sem Títulos..
 
26 de dezembro de 2013
Milton Simon Pires é Médico.

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