As recentes manifestações de rua pareciam de repente ter acordado os brasileiros para o fato de que a sua corrida ao longo da última década - às compras de carros a crédito, à aquisição de imóveis e ao consumo desenfreado – tenha mascarado os problemas fundamentais relacionados ao desenvolvimento desigual, a violência e a corrupção que surgem mais uma vez no horizonte. Em nenhum outro país a vida vale tão pouco, logo abaixo da superfície suave e sedutora.
Brasil é intolerante a críticas e devoto ao dinheiro, diz colunista do NYT. Jornal americano fala da crescente inquietação sobre a gestão econômica no Brasil.
Do The New York Times
Às seis da manhã, o aeroporto de Dubai é uma visão aterrorizante, um vasto shopping repleto de marcas e com milhares de consumidores da China, Índia, Rússia, África e diversas outras partes do mundo que estão desfrutando de intenso crescimento na última década, enquanto o Ocidente cochila.
Em relação a esta reluzente e gigante galeria de tentações, onde os novos ricos fazem suas compras até cair, o aeroporto John Kennedy, em Nova York, parece de extremo mau gosto. Até mesmo Schiphol, em Amsterdã, fica parecendo coisa de principiante.
E há ainda os banners se vangloriando do desenvolvimento de Dubai. Você aprende que, em 1991, Dubai tinha apenas um arranha-céu e agora conta com mais de 900. Você fica sabendo que Dubai possui 59 recordes mundiais (um deve ser o de intensa experiência de compras na madrugada). Você aprende também que o edifício mais alto do mundo, a torre Burj Khalifa, é o dobro da altura do edifício Empire State Building. Você entra em um shopping enorme e descobre que um ainda maior, o Mall of Arabia, está sendo construída. Você entra em um quarto no 63º andar de um hotel e fica admirando um grande canteiro de obras e observa o nascimento de mais arranha-céus como se fossem cogumelos. Um novo porto está sendo construído.
No Brasil, que festejará a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016 ao longo dos próximos três anos, a atmosfera é um pouco menos inebriante. Um boom imobiliário ( uma bolha alguns dizem) atingiu níveis sem precedentes, o desemprego é baixo; vastas novas reservas de petróleo prometem baldes de dinheiro e uma classe média com maior acesso ao crédito do que nunca continua a crescer. Mas há uma nova tendência de inquietação. Por um lado, a inquietação é sobre a gestão econômica. O crescimento abrandou drasticamente. A dívida pública aumentou. A inflação mexe.
Mas em um nível mais profundo a questão é cultural, como se as recentes manifestações de rua de repente tivessem acordado os brasileiros para o fato de que a sua corrida ao longo da última década - às compras de carros a crédito, à aquisição de imóveis e ao consumo desenfreado – tenha mascarado os problemas fundamentais relacionados ao desenvolvimento desigual, a violência e a corrupção que surgem mais uma vez no horizonte. Em nenhum outro país a vida vale tão pouco, logo abaixo da superfície suave e sedutora.
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente que domou a inflação e com a estabilidade persuadiu o Brasil a dar os primeiros passos em direção de seu sempre fugaz futuro dourado, afirma, em artigo publicado no jornal O GLOBO.
"Há um desconforto generalizado, principalmente nas grandes cidades, que surgiu como o produto de uma ocupação insensível do espaço urbano, com pouca ou nenhuma infra-estrutura e uma baixa qualidade de vida para uma população em rápido crescimento. Acesso caótica aos meios de transportes, abastecimento de água deficiente e serviços de má qualidade (educação, saúde e segurança) estão muito aquém das crescentes demandas das pessoas."
Nas últimas semanas, as manchetes dos jornais imprimem a violência que ressurge no estado do Rio de Janeiro. A resposta da polícia é muitas vezes cruel . Em 2012, a polícia matou 415 pessoas no Rio de Janeiro e 563 em São Paulo, informou o Globo, e no país como um todo, ela matou uma média de cinco brasileiros por dia. A taxa de mortes nas mãos da polícia é várias vezes maior que nos Estados Unidos ou Grã-Bretanha.
Um executivo que trabalha para uma multinacional me deu uma noção da extorsão que ele enfrenta em uma fábrica de fornecimento de matérias-primas para o projeto de renovação do porto do Rio de Janeiro. Líderes da favela vizinha ameaçaram o gerente da fábrica com armas depois que ele revelou fraudes que causavam disperdício de dinheiro em várias fases do processo de produção. A situação só se acalmou depois que o gerente foi tirado de seu posto e a empresa concordado em entregar caminhões de tijolos para os chefes da favela.
Estas trocas de favores acontecem em todos os lugares mas aqui tornam-se um feio cenário para um exuberante Rio de Janeiro e seus planos de se tornar ainda mais “maravilhoso”. Eles oneram e distorcem o desenvolvimento do Brasil. Não ajuda que a resposta do governo da presidente Dilma Rousseff a seus críticos é muitas vezes classificá-los como fantoches de direita ou mesmo fascistas.
Tanto em Dubai quanto no Brasil, duas características do mundo emergente me impressionaram: a intolerância crescente aos críticos e uma devoção feroz com o dinheiro, de preferência ganho rapidamente e de forma que possa conceder acesso aos clubes exclusivos dos privilegiados. Esta é a nova cultura do dinheiro, se a palavra cultura não for aqui equivocada. Por mais vulgares eos dois lugares possam ser, além de desiguais, as democracias do Ocidente, com seu Estado de Direito e cultura de debate, podem parecer atraentes, de longe.
05 de novembro de 2013
(Texto original de Roger Cohen; Tradução Sérgio Vieira)
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