"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

CUBA: É PROIBIDO PROSPERAR


Havana - Cuba
Desde que herdou o poder do irmão Fidel Castro, em 2006, o general Raúl anunciou uma série de "reformas". VEJA esteve na ilha e viu que tudo continua exatamente a mesma coisa — ou pior.
 
Em Cuba, melhorar de vida, ainda que honestamente, é um ato tão subversivo quanto dar uma opinião sobre a política nacional.


Ao sair pela porta de um hotel qualquer de Havana um visitante estrangeiro é cercado por três ou quatro homens. "Puros? Chicas?", perguntam. Oferecem charutos e garotas de programa. Com as mulheres, a abordagem é mais sutil.

 
"Quer tomar algo?", dizem. Pelas ruas do centro, por entre casas em ruínas, o leque de ofertas aumenta: "Maconha? Cocaína?".
 
O convite para entrar em uma das bodegas, as vendinhas estatais em que os cubanos compram alimentos subsidiados, destoa dos outros assédios a turistas.
 
"Venha fazer um passeio pela Cuba real", diz o funcionário público, arriscando-se a perder o emprego e a ser preso por mostrar aos forasteiros os sinais da falência econômica do país. Em uma balança antiga, ele indica quanto de feijão o Estado permite que se compre por mês para duas pessoas.
 
Os grãos mal preenchem duas xícaras de chá. Os produtos a que cada família cubana tem direito são anotados em um cartão de racionamento. É assim há 51 anos e só piora.
 
Em Camaguey, a terceira maior cidade de Cuba, o assédio nas ruas é parecido, mas o que mais chama atenção são as placas de casas à venda. Há mais de seis por quarteirão.
 
Quando se pergunta aos donos o que pretendem com o dinheiro, a resposta mais comum é: "Comprar uma passagem e sair do país". A segunda: "Ter o que comer". Com a mão fechada, simulam o gesto de colocar algo na boca.


Desde 2006 quando o ditador Fidel Castro transferiu a presidência da ilha para o seu irmão, o general Raúl Castro, o governo vem anunciando o que chama de reformas com o intuito de "atualizar o regime socialista".

 
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o esfacelamento da União Soviética e dos regimes do Leste Europeu, no início da década de 90 restaram no planeta apenas dois países com esse sistema político e econômico: Cuba e Coreia do Norte.
 
Ao alardear "reformas", o regime cubano passa a impressão de que está preparando o país para uma transição gradual para um modelo inspirado na China ou no Vietnã, que do comunismo mantiveram apenas a ditadura, mas se abriram para a economia de mercado. Amargo engano.
 
A reportagem de VEJA esteve durante oito dias em Havana e em Camaguey cidade com 320000 habitantes, para avaliar o efeito das mudanças anunciadas nos últimos sete anos.
 
Entre conversas com fazendeiros, pescadores, médicos, barbeiros e dissidentes a conclusão é que, a despeito da ajuda de países como Venezuela, China, Canadá e Brasil, a vida ficou mais difícil. O Estado, dominado pelos militares mantém o controle de todas as atividades relevantes.
 
A perseguição política não foi aliviada. Apenas mudou sua natureza. Se antes era realizada buscando algum suporte na lei agora se dá de forma clandestina, com milícias governistas reprimindo os opositores.
 
Por fim, a população continua impedida de progredir. Aos olhos do regime castrista, a concentração da propriedade contradiz a essência do socialismo e jamais será permitida.
 
"A China precisou de apenas cinco anos para liberar o capitalismo de maneira irrevogável", diz o economista Rafael Romeu, da Associação para o Estudo da Economia Cubana em Washington. "Raúl Castro completou sete anos no poder e a economia continua na mesma."


Em parte, as reformas fracassaram porque faltam os requisitos mínimos para que deem certo. Em 2008, o Estado cubano prometeu ceder terras estatais para usufruto de pequenos proprietários.

 
Para entender essa mudança, é preciso voltar no tempo. Logo após a revolução de 1959, duas leis de reforma agrária estatizaram a maioria das propriedades. Em 1963, apenas 29% delas ainda permaneciam em mãos privadas.
 
Os fazendeiros não só perderam seus hectares como tiveram tratores, colheitadeiras e insumos surrupiados pelo regime. A administração estatal foi um fiasco.
 
Na província de Camaguey, conhecida pelas fazendas de gado, quase todas as terras estão cobertas por marabu, planta que se espalha como uma praga e inviabiliza o uso do solo.
 
Os pequenos agricultores foram acuados, forçados à produção de subsistência. Estão proibidos de abater o gado ou produzir queijo. O leite só pode ser vendido ao Estado.
 
O governo paga 1.16 peso cubano pelo litro e o revende por 60 pesos cubanos nas lojas administradas pelo Exército. Pela reforma anunciada por Raúl os produtores poderiam trabalhar terras estatais improdutivas.
 
Em contrapartida, teriam de apresentar resultados em dois anos. Sem poderem vender seus produtos a um preço justo há décadas, contudo nenhum deles conseguiu juntar dinheiro para investir.


Mesmo quando, por uma falha na planificação socialista, algum cidadão consegue se aproveitar de uma reforma estatal e prosperar, a reação é instantânea. Foi o que aconteceu após duas medidas recentes: a maior liberdade para viajar e para abrir pequenos negócios.

 
Em 2012, eliminou-se a exigência da permissão de saída, o que facilitou a fuga em massa para o exterior.
 
No mesmo ano, 182000 cubanos deixaram a ilha, segundo estatísticas oficiais, número que representa 1,6% da população. Na tentativa de impedir um êxodo, outros países passaram a barrar a viagem no ponto em que os cubanos mais sentem: o bolso.
 
Para conseguir um visto para visitar o Brasil, por exemplo, um cubano sem convite ("autofinanciado", no linguajar do consulado brasileiro em Havana) deve comprovar 100 dólares no extrato de sua conta-corrente para cada dia de viagem. O valor é cinco vezes o de um bom salário mensal por lá.


A reforma que permitiu o trabalho fora da folha de pagamento do Estado, desde a revolução o único empregador da ilha também foi tão efêmera quanto a espuma que se forma no encontro do mar com o Malecón.

 
Logo que a nova regra foi anunciada, os pequenos empreendedores, ou cuentapropistas, passaram o chapéu entre os amigos, voaram para os Estados Unidos, o Panamá e o Equador e retomaram com as malas cheias de vestidos coloridos, chinelos e sapatos.
 
Milhares de pequenas "butiques" improvisadas surgiram em diversas cidades e começaram a fazer uma concorrência inesperada às lojas estatais.
 
"As peças do governo estão desatualizadas e custam o dobro das nossas", diz o vendedor ambulante Leudys Reyes, no centro de Havana. Apesar de pagarem uma licença para vender roupas, ele e outros comerciantes foram expulsos das ruas por policiais em setembro.
 
Um decreto publicado na Gazeta Oficial desse mês proibiu a venda de roupas importadas pelos cidadãos, e o negócio voltou a ser monopólio estatal.
 
Nas mais de 200 profissões liberadas, a chance de melhorar de vida passa longe. Para começar, carreiras tipicamente de classe média não estão na lista. Advogados, arquitetos, engenheiros, jornalistas e médicos continuam proibidos de montar um escritório ou um consultório.
 
Os donos do poder sabem que da última vez que Cuba teve uma classe média, o ditador Fulgêncio Batista foi deposto. Por isso temem tanto o progresso individual. As profissões autorizadas prestam somente serviços básicos e foram submetidas a um pesado controle.
 
No Mercado Único de Quatro Caminhos, na capital, inspetores quintuplicam o imposto diário dos floristas nas datas comemorativas, de maior venda.
 
"Todos os cuentapropistas ganham apenas o mínimo para viver", diz o vendedor Vlademir Torro, de 34 anos.
 
"Assim, o governo quer impedir que existam classes sociais." Um recente decreto regulando as profissões independentes entra em detalhes tão mínimos que fica evidente a intenção de manter tudo sob controle estatal.
 
O "cuidador de banheiros públicos", por exemplo, pode pedir autorização a um conselho para limpar sanitários estatais, desde que pague o equivalente a 45 reais de imposto e não cobre dos usuários mais do que 1 peso cubano, ou 9 centavos de real por visita.
 
Se Cuba fosse um país livre, os "cuidadores" se esforçariam para caprichar na limpeza para ter mais clientes e poder cobrar mais caro. Como não é os sanitários são uma imundície.


No mês passado, o governo afirmou que unificará as duas moedas existentes na ilha. Na década de 90, para impedir a desvalorização do peso, criaram-se duas moedas e o câmbio foi fixado. Um peso conversível vale cerca de 1 dólar ou 24 pesos cubanos.



Para o governo, a mudança foi providencial. A dualidade é o que permite a um restaurante estatal pagar por mês a um garçom o valor de um prato de camarões "dois molhos", de queijo e de tomate, vendido aos turistas.

 
A prostituição, contudo, aumentou, pois a população ganha em pesos cubanos e precisa gastar em dólares. O salário médio é de 15 dólares e a cesta básica 110. Pais e namorados incentivam as jovens a fazer programas para encher a geladeira.
 
O sistema também elevou a dependência dos Estados Unidos, embora o governo insista em pôr a culpa de todos os males no embargo econômico.
 
Os cubano-americanos enviam por ano mais de 2 bilhões de dólares a seus parentes na ilha. Metade vai em dinheiro vivo.
 
"Sem essa ajuda, muitos cubanos não teriam como sobreviver", diz o economista Carmelo Mesa-Lago. da Universidade Pittsburgh. Há trinta voos diários procedentes dos Estados Unidos e um em cada cinco turistas vem de lá.
 
No Museu da Revolução estudantes americanos com moletons de universidades seguram a expressão para não rir do péssimo inglês do guia oficial, enquanto este mostra o barco Granma usado por Fidel, Raúl e Che Guevara para chegar à ilha e iniciar a guerrilha. Cuba só não é piada para os que ainda estão presos por lá.

05 de novembro de 2013
Duda Teixeira, de Havana - Veja
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário