"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 16 de novembro de 2013

A VOLTA DA POLARIZAÇÃO?

Edição 86 > _tribuna livre das eleições > Novembro de 2013



A aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos e a nova tática do PT para 2014
por MARCOS NOBRE
 

Durante a ditadura militar, nos anos 60 e 70, um dos programas mais populares da tevê era o telecatch, a luta livre encenada para toda a família. As figuras bizarras, os vilões e mocinhos de araque, o pastelão mambembe, tudo era devidamente combinado e arranjado. Bem de acordo com os limites repressivos do bipartidarismo rigorosamente controlado pelo regime.
Com a redemocratização, esse tipo de programa foi desaparecendo, relegado aos nichos circenses de onde tinha surgido. Luta combinada não ornava com Constituinte e povo na rua.

Dentre as muitas estranhezas da longa transição para a democracia, uma das mais notáveis foi uma espécie de revival tardio do telecatch sob a forma da encenação de polarização política entre o PT e o PSDB depois das eleições de 2006. Ainda mais estranho porque aconteceu depois que a redemocratização se completou formalmente, depois que um presidente legitimamente eleito passou a faixa a um presidente de oposição legitimamente eleito.[1]

A luta combinada previa que o PSDB continuaria a fazer o jogo de cena de líder da oposição, mas, de fato, aceitaria o papel dos lutadores destinados a perder para Ted Boy Marino. Como contrapartida, essa oposição de tipo Tigre Paraguaio recebia do governo a garantia de poder disputar em condições de igualdade a manutenção de seus feudos estaduais. Luiz Inácio Lula da Silva não dificultou em nada a vida dos então governadores José Serra e Aécio Neves, por exemplo. Em troca, recebia uma oposição que não fazia oposição, conformada a seu papel de espantalho eleitoral.

Do outro lado da moeda, o telecatch funcionou também porque no sistema político só apareciam candidatos a aderir ao governo. Novos partidos (como o PSD, em 2011, e o PROS, em 2013) foram criados para facilitar o fluxo adesista. O que se costuma chamar na ciência política de presidencialismode coalizão foi até hoje um presidencialismo de adesão. Ou, simplesmente, um condomínio pemedebista, um sistema político em que quase todo partido, grande, médio ou pequeno, funciona como um PMDB.

Mas – como costuma acontecer em sociedades em democratização – faltou combinar com o eleitorado. Enquanto o telecatch se consolidava no sistema político, o público aderia entusiasticamente ao seu oposto simétrico, à pancadaria sem restrições de tipo MMA/UFC. Tinha acabado a tolerância para as disputas encenadas. O público queria mandíbulas efetivamente deslocadas e “finalizações” de luta sem negociação.

Essa nova agressividade social está plasmada na experiência dos games, mas também na experiência do ciberespaço de maneira mais ampla. Tornada acessível a milhões de pessoas em um intervalo de tempo bastante curto, a internet, em suas redes, blogs, chats e janelas de comentários, representou a primeira oportunidade de expressão instantânea de massa. A brutalidade e crueza de comentários e posts chocaram quem estava acostumado aos filtros da grande mídia tradicional. O concerto de vozes de quem nunca teve vez não saiu harmônico, respeitoso, arrumadinho.
 
candidatura presidencial de Marina Silva, surgida em 2009, foi mais um indício de que a política oficial do telecatch já tinha perdido o pé na sociedade. Figura em tudo avessa à brutalidade do MMA e do bate-boca online, Marina extrai da fragilidade física, natural, a da voz inclusive, a força e a determinação de ser oposição, apresentando-se como uma espécie de fonte de energia limpa em um ambiente político contaminado.

Primeiramente interpretada como mais uma candidatura a desafogar a panela de pressão combinada entre PT e PSDB, Marina, com a expressiva votação obtida em 2010, mostrou que representava algo além disso. E foi com base nesse resultado que ela passou a catalisar um amplo movimento da sociedade civil em torno da criação de um novo agrupamento político.

As revoltas de junho de 2013 revelaram uma sociedade polarizada, em tudo contrária à pasmaceira em vigor no sistema político. Revelaram também movimentos sociais de base inovadores e surpreendentes, que não se constituem em vista da sua institucionalização, considerando a política oficial. Pelo contrário, falam para a sociedade a partir da sociedade.

Não é esse, exatamente, o sentido do partido Rede Sustentabilidade, liderado por Marina após sua saída do PV, em 2011. Porque a Rede tem sua peculiaridade no fato de ser um movimento de base social viva, mas orientado para e pelo sistema político. Uma novidade como essa não deve ser subestimada: fazia tempo que não acontecia algo assim.

Também em 2011, de maneira independente de Marina, mas, como ela, vindo de dentro da coalizão governista, Eduardo Campos começou a construir sua candidatura à Presidência. Diferentemente da nova parceira, Campos age apenas de dentro e por dentro do sistema político. Viu no esgotamento do telecatcha chance de arriscar, de tomar do PSDB a posição de polo do sistema político antagônico ao PT. Não é por outra razão que tanto Campos como Marina insistem na ideia de que seria ultrapassada “a polarização entre PT e PSDB”, quando o fato é que tal polarização já não existe na prática há muito tempo.

Não é tarefa para amadores executar o malabarismo de sair de dentro do governo para se apresentar como seu adversário. Ainda mais com a altíssima concentração de recursos e de poder no Executivo federal. Como opera de dentro do sistema, como vem de dentro do governo, Campos não pode se dar ao luxo de bater de frente senão no momento absolutamente necessário. Seu primeiro lance efetivamente arriscado aconteceu em meados de setembro deste ano, quando o PSB entregou a Dilma os ministérios que ocupava.

Mas, até o início de outubro, até selar a aliança com Marina Silva, a cartada de Eduardo Campos parecia se esgotar na aposta, mais teórica do que prática, de que o eleitorado já tinha cansado do telecatch. Foi a parceria com Marina que deu a seu projeto alcance e profundidade sociais. Pela primeira vez em muito tempo o sistema político pode novamente se polarizar de fato, para além da encenação PT–PSDB dos últimos anos.

Marina traz do movimento ambientalista um modelo de política que procura combinar mobilização social com um projeto de institucionalização. O padrão é o do “desenvolvimento sustentável”, que foi uma noção utilizada como arena de negociação entre mercado, Estado e sociedade para superar o travamento até então vigente entre “desenvolvimento econômico” e “preservação ambiental”.[2]

Seguindo esse modelo, a rede que Marina procura construir ignora partidos, mas não a institucionalidade enquanto tal: seu objetivo pode bem ser instituir um novo campo político, mas para isso precisa operar também no sistema existente. O que explica sua aliança com o PSB de Eduardo Campos.

Marina mantém sempre um pé dentro e outro fora da política institucional. Mesmo longe de ter igual força em termos de base partidária, ela emula o próprio Lula. Como ele, também pretende ser uma “metamorfose ambulante”. Defende o “tripé” da política econômica em sua versão ortodoxa e o aprofundamento da política de diminuição de desigualdades; quer garantir a confiança de parte substantiva da elite econômica e a transição para uma economia de baixo carbono. Mantém um olho na rede e outro no sistema.
 
esde que começou a construir sua candidatura, Eduardo Campos firmou alianças conforme a disponibilidade. O primeiro movimento relevante foi o jogo combinado na criação do PSD. Pensado como uma espécie de espelho do PMDB, o partido de Gilberto Kassab angariou apoios dos mais distintos quadrantes políticos, como um ajuntamento de apetites avulsos. Mas foi em Eduardo Campos e no PSB que encontrou complementaridade única. São hoje muito pequenas as esperanças do governador de Pernambuco de conseguir apoio formal dessa federação de grupos de interesse, que decide seu rumo conforme os ventos políticos do momento, atualmente enfunando as velas do governo. Mas os portos continuam abertos em caso de mudança de ventos.

O laboratório mais importante do projeto presidencial de Campos foram as eleições municipais de 2012, quando seu partido alcançou resultados expressivos. Com o virtual desaparecimento do DEM, negociou com a família Bornhausen em Santa Catarina; dado o salve-se quem puder reinante no PSDB, aliou-se a Geraldo Alckmin em São Paulo; filiou ao PSB figuras destacadas do esporte, entregando a Romário a direção da legenda no Rio de Janeiro. Aceita de bom grado, da mesma maneira, alianças com figuras da base de apoio de Dilma, desconfortáveis por alguma razão com suas situações locais e regionais.

O que Marina acrescenta à candidatura de Eduardo Campos não tem preço: uma aura de não contaminação pela baixaria da política oficial, uma atitude de oposição firme, mas que não aparece como agressiva ou destrutiva.
O que Eduardo Campos acrescenta a Marina é vital em termos da institucionalização de seu projeto: a credibilidade própria da operação por dentro do sistema. E, se o clima latente de contestação geral se mantiver em 2014, mesmo o até agora exíguo tempo de tevê pode acabar se mostrando uma vantagem, e não uma desvantagem para a nova aliança oposicionista.
Ao mesmo tempo, a complementaridade é também a maior fragilidade da dupla, que se mistura como água e óleo. Nem Marina pode produzir sua pretendida nova política nos termos estritos em que funciona hoje o sistema, nem Eduardo Campos pode arriscar acordos políticos costurados a duras penas simplesmente para preservar a aura de sua nova aliada.

Mas, para que uma frente de oposição se apresente como candidata a substituir a “metamorfose ambulante” que é Lula, só mesmo misturando água e óleo. Talvez apenas uma aliança como essa seja capaz de aglutinar de modo eleitoralmente viável as forças de oposição de todos os matizes, que se encontram hoje dispersas e fragmentadas. Só uma ampla frente como essa pode atacar ao mesmo tempo todos os possíveis pontos fracos (do ponto de vista de uma oposição de fato) do governo Dilma. Mais que isso, só uma aliança como a de Marina e Campos pode ter credibilidade para realizar esse ataque.

Para se opor à política econômica de Dilma e defender uma versão ortodoxa do tripé econômico (tal como aconteceu no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e no período Lula, até o final de 2008), para atacar a ineficiência do Estado e defender a melhoria da gestão pública, Marina precisa da credibilidade do sistema, que só Campos pode lhe dar. Para atacar a política ambiental do governo e defender o desenvolvimento sustentável, para atacar o fisiologismo da coalizão no poder e defender alianças políticas programáticas, Campos tem de se apoiar no difuso apoio social de que dispõe Marina. Uma breve lista como essa de alguns dos temas mais salientes da campanha é suficiente para perceber que a aliança Marina–Campos parece ter já engolido todo o campo de oposição, relegando o PSDB a segundo plano.

Mas, para que se constitua em uma efetiva frente oposicionista, com base social e durabilidade, a aliança terá de mostrar uma unidade e uma disciplina até hoje ausentes na oposição. Terá de contar com a participação conjunta das duas figuras nas eleições de 2014, de Marina e de Campos, com as suas muitas arestas devidamente aparadas. Terá de convencer a militância da Rede Sustentabilidade de que a filiaçãode Marina não foi uma capitulação“ao sistema”. Terá de convencer o mesmo “sistema” de que Marina não será um real obstáculo ao funcionamento do pemedebismo de sempre. E tem de engolir, cedo ou tarde, o próprio PSDB e seus satélites.
 
corre que a maior novidade das eleições de 2014 não vem do campo da oposição, como parece, mas da situação: quando se olha em retrospectiva histórica, é possível ver em curso uma importante virada na tática eleitoral do PT. Depois do terremoto de junho e de suas réplicas (para continuar na metáfora cataclísmica), esse é o único princípio visível de organização do sistema político até agora. O lugar que vai ocupar ou não a oposição nas eleições do próximo ano dependerá em larga medida de sua capacidade de resposta a esse novo quadro.

Depois que, na eleição presidencial de 1994, Lula largou na condição de favorito e perdeu para FHC no primeiro turno, o PT estabeleceu como prioridade absoluta a conquista do poder federal. Reorganizou-se internamente, estabelecendo uma corrente majoritária e expulsando partidos e correntes que se opunham à nova orientação. Movimentações eleitorais em estados e municípios foram inteiramente subordinadas a esse objetivo.

O PT não hesitou em sacrificar quadros e alianças ao entender que podiam prejudicar o projeto presidencial. Episódios marcantes da intervenção do diretório nacional do partido aconteceram em lugares e momentos tão diferentes quanto no Rio de Janeiro (em 1998), no Maranhão (em 2010) ou no Recife (em 2012), para não falar nas variadas imposições aceitas pelos diretórios regionais a fim de evitar intervenções diretas.

Essa tática prevaleceu até a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, e representou ao mesmo tempo uma espécie de acordo de distribuição de espólio com o pemedebismo do sistema. Em nome da manutenção do poder federal, o PT deixaria em segundo plano disputas estaduais e municipais, que caberiam primordialmente, em consequência, aos partidos da base. E, a partir de 2006, serviram também como moeda de troca para manter em rédea curta a oposição formal ao governo.
De novo, agora, há o fato de que o PT já não tem mais como objetivo absoluto, único e indiscutível, a reeleição de Dilma. Pela primeira vez em vinte anos, o partido agora atribui tanta importância à reeleição da presidente quanto às eleições dos seis maiores colégios estaduais do país: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná.

Pela primeira vez, o PT terá candidatos com efetivas chances de vitória nesses estados, que concentram algo como 60% do eleitorado. Para não falar das chances que tem em outros estados fora dessa lista. Essa tática foi iniciada já nas eleições municipais de 2012, quando o partido obteve vitórias (diretas ou por meio de aliados) mais do que expressivas e preparatórias para os embates estaduais de 2014.

O que torna possível essa nova tática é a extrema dependência que Dilma tem do seu antecessor, artífice da orientação. Convém não esquecer que Lula detém significativo grau de controle sobre os fluxos de financiamento de campanhas da base aliada. Se bem-sucedido, um movimento como esse irá se traduzir tanto em uma transição geracional como em importantes incrementos nas bancadas do PT no Congresso.

É claro que o jogo não está jogado. E essa nova tática repousa sobre o diagnóstico de que a reeleição de Dilma será a disputa presidencial mais fácil da vida do partido. Não tem agora que enfrentar o governo (como em 2002), nem o fantasma do mensalão (como em 2006), nem tem o desafio de emplacar uma candidata desconhecida (como em 2010). E a situação econômica, se não é formidável, está longe de ser catastrófica.

Tudo isso permitiria, na linha desse raciocínio, abrir uma nova frente de luta eleitoral, a da conquista dos grandes colégios estaduais, sem prejudicar a reeleição da presidente. Mas dificilmente uma tática como essa seria implementada se fosse Lula o postulante do Palácio do Planalto, já que ela pressupõe, na prática, divisão significativa de energias e de recursos. A própria Dilma se mostra claramente preocupada com esse tipo de encaminhamento e entrou na briga interna para tentar reconquistar prioridade para sua reeleição. Nada por ora indica que será bem-sucedida nessa queda de braço com o próprio Lula.

Se o PT está indo com sede demais ao pote, se terá de sacrificar uma ou outra das candidaturas nos seis maiores colégios eleitorais do país, se a reeleição de Dilma vai ser mesmo um passeio – isso tudo só 2014 vai dizer.

Mas o fato é que a adoção dessa nova estratégia altera inteiramente o tabuleiro político. Não só porque cai por terra o acordo tácito estabelecido com o pemedebismo de trocar a eleição presidencial por uma participação mais restrita e limitada do PT nas eleições estaduais e municipais. Também porque a abertura da nova frente eleitoral nos estados envolve movimentações que vão em sentido contrário às necessidades da reeleição presidencial.

Para ser bem-sucedido nas eleições majoritárias dos grandes colégios estaduais que não governa, o PT precisa estimular o maior número possível de candidaturas no primeiro turno, de maneira a forçar o segundo. Na eleição presidencial e nos estados em que é governo, o objetivo tem de ser o oposto. Isso já está levando a situações de alta tensão, tanto na base aliada do governo como na oposição. O quadro hoje é de palanques duplos ou triplos para candidaturas presidenciais, tanto de situação como de oposição.
 
geleia geral nas eleições estaduais não é novidade. Mas o grau de desorganização prometido pela virada tática petista é inédito. A eleição de 2014 está bem próxima de um salve-se quem puder no qual o PT guardou para si grande parte dos botes salva-vidas. No terremoto causado pelas revoltas de junho, o partido de Lula aposta que um grau ainda mais elevado de desorganização vai favorecer quem tiver maior disciplina, organização e recursos. Ou seja, o próprio PT. Que, aliás, foi o único partido que tentou efetivamente se escorar nas manifestações de junho para impor pontos relevantes de sua própria agenda ao sistema político.

O PMDB já acusou o golpe. Eduardo Campos era um excelente plano B para o partido, principalmente em termos de acordos regionais capazes de resistir à carga da nova frente petista nos estados. Mas a aliança com Marina Silva representa uma dificuldade para a utilização dessa válvula de escape. O emblema dessa dificuldade é a ida recente para o PMDB (depois de ter saído do DEM e passado pelo PSD) da senadora Kátia Abreu, líder do ruralismo sistematicamente fustigado por Marina.

A aliança de Eduardo Campos com Marina fortaleceu a virada tática do PT. Pode parecer paradoxal, mas não é. Entre outras coisas, porque estreitou a margem de manobra do PMDB, cada vez mais condenado a abraçar o seu melhor inimigo de governo, o PT, aquele mesmo que pretende lhe tirar o máximo de poder que puder.

Também pode parecer paradoxal, mas não é: o PMDB é o maior interessado no fracasso da nova tática petista. Não por acaso, PT e PMDB passaram a se enfrentar no Congresso em verdadeiras batalhas campais, sem se darem ao trabalho de disfarçar que fazem parte de um mesmo governo.
A chance de o campo de oposição se firmar para além de uma aliança episódica entre Marina e Campos passa por utilizar as eleições de 2014 para minar a nova tática petista, infiltrando-se nas fraturas da própria base aliada nos estados, tentando impedir que o PT passe a governar o maior número de pessoas em termos de colégios estaduais.

Tudo somado, fica a impressão de que a situação (o PT, essencialmente) está sempre um passo à frente tanto da oposição formal (PSDB) como da oposição efetiva (a interna à aliança, o PMDB) e da oposição em formação (PSB–Rede). É como se tirasse o chão dos adversários a cada vez que acham que estão se movimentando em um cenário político minimamente estável ou promissor. O que apareceu como o fato eleitoral de 2013, a aliança Campos–Marina, só ganha sua real dimensão e significado em vista da atual configuração do projeto petista, que está até agora conseguindo dar as cartas para 2014.

Tem sido recorrente desde 1994 um lamento, segundo o qual não tem explicação plausível a “irracionalidade” de os melhores quadros políticos, com posições relativamente próximas, engalfinharem-se como inimigos de sangue. O PSB e a Rede Sustentabilidade surgiram do mesmo bloco político que o PT e agora vão combatê-lo, como o próprio PT o fez antes com o PSDB e vice-versa? Como isso é possível? Por quê?

O lamento parece ignorar que a longa transição para a democracia preservou o sistema político sem mudar sua lógica de funcionamento. A partir do momento em que a pasta informe do pemedebismo foi aceita por todas as forças políticas de peso como inevitável e incontornável, a única maneira de produzir polarização e alguma transformação econômica e social é colocar os melhores quadros para se engalfinharem pela direção da geleia geral. Essa é a cara do novo conservadorismo brasileiro, a sua forma democrática. O seu fim só virá quando a revolta das ruas atingir o ponto crítico que pode permitir sua tradução em uma reforma radical do próprio sistema político. 


[1]Proponho uma narrativa da história política recente do país, do último governo da ditadura militar até as eleições de 2010, em meu livro Imobilismo em Movimento: Da Abertura Democrática ao Governo Dilma (Companhia das Letras, 2013).
 
[2]Sobre isso, ver Marcos Nobre e Maurício de Carvalho Amazonas (orgs.), Desenvolvimento Sustentável: A Institucionalização de um Conceito, Brasília: Ed. Ibama, 2002.

16 de novembro de 2013
Piauí

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