"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A NOVA AMÉRICA CENTRAL


O ataque foi rápido e violento. Na madrugada de 14 de novembro, três homens armados invadiram a sede da Pro-Búsqueda, entidade cívica de El Salvador dedicada a rastrear crianças desaparecidas na guerra civil. Saquearam o escritório, levaram computadores e atearam fogo no que restava. Ninguém foi preso ou assumiu o ataque, nem precisava. Naquele país mal cicatrizado do combate, tal truculência dispensa apresentações.

Apenas 72 horas antes, a Corte Suprema salvadorenha ouvira depoimentos inéditos sobre outro ataque, ocorrido três décadas antes, quando tropas do governo entraram atirando num vilarejo. As testemunhas, crianças na época, viram seus pais serem mortos pelos militares, mas sob a guarida da Pro-Búsqueda, agora, contam à nação a história daquele dia de 1982.

Os tempos de chumbo na América Central estão de volta? A Igreja Católica não titubeou. Mês passado, a arquidiocese de San Salvador, repentinamente, fechou seu escritório jurídico. Pudera. Seu arquivo de 50 mil documentos sobre abusos de direitos humanos é a fonte principal dos processos contra ex-autoridades nacionais.

Há muito mais. De 1979 a 1992, sucessivos governos salvadorenhos, muitos com a bênção dos EUA, combateram insurgentes marxistas. De ambos os lados, morreram 75 mil. Veio a anistia, em 1993, que pôs o véu sobre o conflito, com a crença de que a sociedade só se cura quando para de cutucar a ferida. O assalto contra Pro-Búsqueda abalou essa convicção. Ou não.

Vitaminada pela reconquista de liberdade democrática, a sociedade reivindica direitos e rejeita o silêncio. Alega que não há reconciliação com histórias mal contadas. O clamor moveu parlamentos e tribunais, que começam a escancarar os porões. Ganharam reforço da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, ano passado, vetou a anistia para crimes contra a humanidade.

Foi a senha para vasculhar o massacre de El Mozote, de 1981, quando tropas oficiais mataram mil pessoas, metade delas crianças. Outros processos pipocaram pela região, arrastando os antes intocáveis aos tribunais - até Efraín Ríos Montt. O ex-general guatemalteco conseguiu anular uma sentença, em maio, mas ainda responde por genocídio.

Claro, os brutos ainda rondam a região, mas não amedrontam mais. Eis a boa-nova na América Latina. A má notícia é que os opressores de hoje não usam manequim verde-oliva. Têm roupas de grife e smartphones, trabalham nas frestas do sistema financeiro e dominam a democracia. Alguns usam popularidade nas urnas para concentrar superpoderes, como Nicolás Maduro.

Na América Central, os militares cedem lugar aos narcoempresários e suas redes de crimes transnacionais, com as quais conseguem intimidar governos, comprar juízes e desordenar seus países. A América Latina é a região mais insegura do mundo. Três dos países mais mortíferos - Honduras, El Salvador e Guatemala - estão na região.

Seu calvário é a geografia da droga, com os produtores da cocaína e maconha, ao sul, e o maior mercado consumidor, ao norte. Assim, em pleno reavivar das liberdades democráticas, a América Central sofre com corrupção, instituições frágeis e política fratricida. A ditadura de bananas tornou-se a democracia de bananas, onde imperam os donos do crime. É um poder com que os generalíssimos apenas sonhavam.

 
25 de novembro de 2013
Mac Margolis, O Estadão

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