"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

"VENEZUELANOS NÃO TÊM NEM PAPEL HIGIÊNICO, MAS MADURO LEVA VIDA DE REI"

 
Suprema felicidade

Venezuelanos não têm nem papel higiênico, mas seu presidente leva vida de rei, com mordomias e séquito de 120 mil pessoas, em gabinete que custa US$ 700 milhões ao ano

O "socialismo bolivariano do século XXI" não fracassou. Talvez seja apenas uma peça de humor político mal compreendida.
 
Na semana passada, por exemplo, enquanto o Banco Central confirmava a falta de papel higiênico em 79% dos estabelecimentos comerciais da Venezuela, o presidente Nicolás Maduro discursava sobre a criação do "Ministério do Poder Popular para a Suprema Felicidade". O anúncio presidencial aconteceu enquanto emissários de Dilma Rousseff cobravam, em Caracas, o pagamento de cerca de US$ 800 milhões em dívidas pendentes com exportadores brasileiros.
 
O país derrete em grave crise econômica, porém Maduro garantiu a preservação da "Suprema Felicidade" dos 27 milhões de venezuelanos como um item do plano financeiro anual de governo.
 
Orçamento público é uma conta que se faz para saber como aplicar o dinheiro que já se gastou, ensinou o Barão de Itararé. A Venezuela foi além. Criou uma peça orçamentária que supera as melhores obras de ficção do ramo.
 
Por Decreto Supremo, os "Ministérios do Poder Popular" só podem investir dinheiro público em projetos para "Construir a Suprema Felicidade", "Aprofundar a Democracia Revolucionária", "Desenvolver uma Nova Ética Socialista" e "Construir uma Nova Geopolítica".
 
Essa fórmula de renovação permanente da promessa de paraíso político é de autoria de Hugo Chávez. Ele morreu em março, mas de vez em quando reaparece aos olhos do presidente Nicolás Maduro "na forma de um passarinho, bem pequeno, que me abençoa" — segundo a descrição presidencial.
 
Maduro criou o ministério, depois de desvalorizar a "Suprema Felicidade Social do Povo". Sob pressão de uma inflação corrosiva (69% para alimentos no ano), um inédito declínio nas reservas cambiais (US$ 25 bilhões) e um déficit fiscal crescente (15% do PIB), maior que o da agonizante Grécia, ele reduziu a previsão do orçamento para a "Felicidade". Somava 47% do total de despesas governamentais, nos dois últimos anos de Chávez. Caiu para 37% dos gastos previstos entre 2013-2014.
 
Manteve intactas, porém, as mordomias presidenciais. Maduro tem um dos mais caros gabinetes presidenciais do planeta (US$ 700 milhões ao ano). Conserva o modelo de verbas secretas de Chávez, que gastava US$ 40 mil por mês apenas com roupas, sapatos e produtos de beleza e higiene pessoal — tudo importado, claro.
 
O orçamento deste ano informa que na folha de pagamento do gabinete de Maduro estão inscritas 120 mil pessoas. Na maioria, são servidores encarregados de "processar e articular as solicitações que o povo dirige ao Palácio de Miraflores". Quase dois mil trabalham no aparato de guarda-costas pessoal e familiar, sob supervisão do serviço secreto cubano. E há, ainda, uma plêiade de especialistas em "técnicas de explosivos", "segurança alimentar" e "segurança médica" (com "epidemiologistas"), que o acompanham em todas as viagens, como a do mês passado à China, aonde foi pedir US$ 5 bilhões em crédito emergencial para compra de alimentos básicos.
 
O "socialismo bolivariano do século XXI" não fracassou. Apenas não funciona na vida real. Nem sequer na ficção. E, como peça de humor político, é simplesmente tragicômico.

29 de outubro de 2013
José Casado - O Globo

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