O que, na aparência, é um compromisso de moralidade legislativa, na prática, pode significar um retrocesso na atividade parlamentar, expondo deputados e senadores a todo tipo de pressão.
Para dar uma resposta à voz das ruas, seis dias depois de salvar o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon em votação secreta, a Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, por unanimidade, com 452 votos favoráveis, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 349.
O objetivo era acabar com a votação secreta para a cassação de parlamentares, mas, na ânsia de dar uma resposta à indignação popular diante da vergonhosa anistia ao deputado condenado por desvio de verba pública, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, pegou essa PEC que havia sido aprovada em primeiro turno há sete anos e a colocou em votação.
A intenção revelada nos bastidores era dar um susto nos deputados, chamando a atenção para a necessidade de se votar o fim do voto secreto para as cassações de mandato. Mas há quem ache que a ideia central era mesmo embaralhar as cartas e fazer com que a decisão ficasse empacada entre o fim do voto secreto total e o parcial.
Não deu certo e, com receio da reação popular, os deputados aprovaram o texto mais radical, esquecendo que já existia no Senado a PEC 196, que prevê o voto aberto apenas na cassação de mandato de parlamentares.
A regra no Congresso é voto aberto para decisões legislativas, com exceção para o veto presidencial, que tem uma razão. Historicamente, só na emenda n9 1 de 1969 é que se instituiu o voto aberto para o veto, que sempre foi uma garantia da independência da deliberação do parlamentar face à pressão do Executivo.
O voto secreto existe em outros casos em que não há deliberação legislativa, como a votação que confirma a indicação de autoridades: agências reguladoras, nomeações para os tribunais superiores, embaixadores, procurador-geral da República, que é o titular da ação penal contra os parlamentares.
Nesses casos, faz-se o voto secreto, entre outras razões, para livrar o parlamentar das peias da própria disciplina partidária. Um partido faz um acordo com o governo e enquadra seus filiados, distorcendo a ação parlamentar. Ou então de pressões externas, sobretudo do Executivo.
São mecanismos cuja finalidade é o equilíbrio entre as instituições, Executivo, Legislativo e Judiciário. Q senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB, defende o fim do voto secreto apenas no caso de cassação de parlamentar, embora lembre que o ex-deputado Mareio Moreira Alves teria sido cassado se houvesse o voto aberto em dezembro de 1968.
A decisão da Câmara pela inviolabilidade do mandato parlamentar resultou na edição do AI-5 no dia seguinte à votação. O senador Aloysio Nunes acha que, ao votar pela perda do mandato põr ter ferido o decoro, o parlamentar “está expondo qual é a sua visão do assunto, tem uma relevância pública além do caso individual”
Alguns parlamentares, como o deputado federal Chico Alencar, acham que o fim do voto secreto em todos os casos oxigena a atividade parlamentar, e o político será testado na sua atuação, mesmo sob pressão de poderes políticos ou mesmo econômicos.
Muitos alegam, por exemplo, que, se o voto fosse aberto, o Congresso teria aprovado o fim da multa de 10% do FGTS, mas Aloysio lembra que “nem todo veto suscita interesse popular, existem vetos que são tão melindrosos que esse, ou até mais, e que o povo desconhece”
O assunto está em discussão no Senado, e tudo indica que seja mais uma dessas respostas equivocadas à voz das ruas manifestada em junho.
30 de setembro de 2013
Merval Pereira
Fonte: O Globo
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