Nos últimos dias temos visto a união de vários setores da direita contra a censura no Facebook. Há muita água a passar por debaixo dessa ponte, para desgosto da Rede Globo e do PSOL.
Vale ressaltar que não é preciso estudar muito para saber que o Facebook está se tornando instrumento de implementação do totalitarismo.
Mas Raphael Hide – do canal Ideias Radicais – comprou a briga e resolveu ficar a favor do Facebook, do PSOL e da Rede Globo nesta disputa. Como resultado, ele só poderia lançar mão de um conjunto inacreditável de falácias.
É algo na linha “ver para não crer”.
Seja lá como for, ele usa o argumento arrogante baseado no dogma de que “Facebook é empresa privada e faz o que quer”. O problema é que isso significa ignorar que o Facebook não é uma quitanda na esquina, mas uma empresa que mantém seu poder monopolista a partir de diversas alianças políticas.
No fim das contas, o “liberalismo” de Raphael Hide é quase como uma justificativa para rendição aos socialistas. É quase como dizer que esse tipo de “liberalismo” defendido por Hide não faz nada contra implementações totalitárias desde que isso seja feito em alinhamento com empresas privadas. Bizarro é pouco para descrever.
Abaixo, as principais falácias de Hide:
Falácia 1: “não há censura no Facebook pois isso não vem do Estado”
Aqui temos uma falácia do espantalho em relação ao conceito de censura. Na verdade, a censura envolve o cerceamento de opiniões a partir do Estado, mas também a partir de monopólios que se aliam ao Estado ou a defensores de sistemas totalitários.
Falácia até bobinha essa que ele tentou.
Falácia 2: “se eu deixar de falar do comunismo no canal, isso é igual ao que você chama de censura no Facebook”
Novamente, um raciocínio falacioso, pois ele compara objetos diferentes.
Ele tenta convencer seu público de que o canal dele se encontra na mesma categoria em que o Facebook, mas isso é falso.
Ninguém é obrigado a falar o que não quer. Não existe nenhuma demanda neste sentido.
Porém, para adequar o exemplo dele à realidade, vamos supor que Raphael proibisse comentários que defendam socialismo.
Mesmo assim, ele não poderia ser comparado ao Facebook, uma vez que as pessoas não perderiam sua voz em meios monopolizados de divulgação de conteúdo. Assim, é impossível que o Sr. Raphael Hide inviabilize a atuação política de alguém apenas se banir essa pessoa do seu canal.
O Facebook deve ser comparado à Eletropaulo. Se a empresa decidir deixar de atender um cliente por ele ser libertário, não dá para dizer: “procure outro que te atenda”. Isso porque a Eletropaulo monopoliza um serviço.
Logo, a comparação de Raphael é indevida.
Falácia 3: “a direita está errada em dizer que há censura no Facebook só porque ele é influente”
Essa é outra falácia do espantalho, onde ele distorce a afirmação do oponente, pois ninguém está dizendo que o Facebook tem poder censório “por ser influente”. Nada disso.
Influente é a Rede Globo. Influente é o Faustão. Influente é o Felipe Neto. Influente é a Anitta.
Já o Facebook é monopolista em um tipo de meio de comunicação e conquistou seu espaço principalmente a partir da ação política.
Assim, novamente o raciocínio de Raphael não “fecha”. O Facebook pratica censura não por ser influente, mas por ser uma empresa que monopoliza um meio de divulgação de conteúdo e ao mesmo tempo se alia a totalitários.
Falácia 4: “quem quer lutar contra a censura no Facebook está querendo regulá-lo”
Esse é o famoso estratagema do rótulo odioso. É assim: “regulação é má, logo qualquer regulação deve ser evitada”.
Mas isso também é uma distorção do que defendem os liberais, pois a regulação criticada por quem quer acabar com a censura é aquela regulação que diminui a liberdade das pessoas e as coloca em situação de vulnerabilidade perante os donos do poder.
Quando a escravidão foi abolida, isto também foi uma “regulação”. Basicamente, foi dito que as relações de trabalho não deveriam envolver coerção e aprisionamento. Será que os abolicionistas traziam algo perigoso por “regular” uma relação de trabalho?
Enfim, lutar contra a censura no Facebook é lutar para que defensores de sistemas totalitários não possam utilizá-lo para regular o que as pessoas podem dizer.
Falácia 5: “você nâo pode obrigar o Facebook a falar o que você quiser”
Isto aqui é pura maluquice, pois o Facebook não é uma empresa de mídia, mas sim de rede social. Ninguém falou em controlar o que o Facebook fala ou deixa de falar, mas sim em lutar para que ele não se alie aos defensores do totalitarismo para cercear a voz dos outros e acabar com nossa liberdade.
Falácia 6: “se você assinou o contrato com o Facebook, não pode fazer nada”
Se o contrato tiver ilegalidades e violar a Constituição Nacional, podemos exigir que as leis sejam cumpridas. Não adianta praticar uma ilegalidade e dizer que “foi assinado um contrato entre duas partes” que isso não adianta nada. A não ser que ele defenda que a Constituição não seja seguida, mas isso é assunto para outro fórum…
Falácia 7: “lutar contra a censura do Facebook é igual defender a Ley de Medios na Argentina”
De novo uma comparação forçadíssima e sem o menor sentido.
A Ley de Medios permitia que o Estado controlasse de forma discricionária o tamanho dos meios de comunicação e como as verbas estatais seriam distribuídas para esses meios, configurando uma forma clara de censura sutil.
Evitar que o Facebook utilize seu monopólio de comunicação para acabar com a liberdade a partir da aliança com um grupo totalitário – que vai definir o que vai ou não ser publicado – não tem absolutamente nada a ver com a Ley de Medios. É praticamente o oposto.
Falácia 8: “defender o que o Facebook faz a partir do libertarianismo é uma atitude ética”
Existe um erro lógico grave aí, que é confundir a defesa de um princípio ético (de forma isolada da realidade) com a defesa da aplicação de um princípio ético na prática.
Vamos às diferenças.
Dizer uma frase solta para defender uma imoralidade é supostamente “defender um princípio ético”. Mas buscar aplicar esse princípio ético é outra coisa. É muito mais ético defender a aplicação prática de um princípio do que distorcê-lo para atender aos interesses de quem é contra esse princípio.
Defender o livre mercado como uma forma de aumentar a liberdade das pessoas é uma aplicação de um princípio ético. Já defender efusivamente uma instância isolada do livre mercado, de forma distorcida e seletiva, apenas para ajudar aos que querem acabar com o livre mercado é apenas uma suposta defesa de princípio ético. Mas não pode ser ético para um liberal atuar pelos interesses de quem quer acabar com o livre mercado.
Assim, não há nada de ético em dar consultoria aos socialistas em como eles podem usar melhor empresas privadas para tirar nossa liberdade.
Uma vez que o vídeo de Raphael Hide basicamente dá dicas aos socialistas de como eles podem enrolar liberais e implementarem totalitarismo a partir de alianças com empresas privadas (o que não é nenhuma novidade para os totalitários), ele não defende na prática nenhum princípio liberal. No máximo, cita um recorte de supostos princípios liberais, mas aplicados fora de contexto.
Falácia 9: “a direita deveria procurar uma alternativa, como o Sparkle, e quem não o faz é hipócrita”
Aqui fica claro que ele decidiu baixar o nível da conversa e acabou inserindo um elemento irrelevante ao discurso. Pegou mal isso de sair chamando os outros de hipócritas, sem qualquer justificativa para tal.
Ele propõe uma política de capitulação diante do Facebook e sugere utilizar um aplicativo que quase ninguém adotou ainda.
Tudo bem que o aplicativo Sparkle é uma alternativa, mas a aplicação prática das ideias do Raphael Hide obviamente fará com que o próprio Sparkle seja censurado no futuro, pois a repressão total é uma consequência inexorável da capitulação política de um dos lados.
Quer dizer: desistir de lutar pela liberdade no Facebook é dar poder aos socialistas (que não respeitam o livre mercado), e inexoravelmente eles adquirirão forças para proibir o Sparkle quando tiverem poder para isso e se o aplicativo crescer muito. Basta ver o que aconteceu com o Gab…
Em pouco mais de 10 minutos de vídeo, ele conseguiu aplicar nove falácias, no mínimo.
Para não dizerem que estou exagerando, vejam o vídeo:
No máximo o que ele defende é um conjunto de dogmas que utilizam recortes seletivos de princípios liberais (de forma descontextualizada, claro). Esse recorte de supostos princípios liberais tem como principal consequência gerar vulnerabilidades para os liberais diante dos socialistas.
O liberalismo original surgiu para defender as pessoas de sistemas totalitários, e visava proteger liberdade de expressão, liberdade econômica e igualdade de direitos. Já o “liberalismo” de Raphael Hide defende a capitulação diante dos socialistas, e até serve para dar dicas valorosas para eles. É quase como dizer: “meu tipo de liberalismo protege os socialistas em seus projetos totalitários, mas para isso é preciso que vocês tirem toda a nossa liberdade se aliando a empresas privadas”.
A turma do PSOL deve ter morrido de dar risada com isso.4
18 de maio de 2018
ceticismo político
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