A viagem de ontem do presidente Michel Temer a Boa Vista marcou o início da federalização do problema que antes estava entregue apenas à Roraima. A decisão de criar uma força-tarefa e baixar uma MP para enfrentar a crise veio da constatação de que a questão dos venezuelanos assumiu dimensão muito grande e que é preciso uma atuação conjunta de vários órgãos federais, sob o comando das Forças Armadas.
A força-tarefa vai oferecer serviço médico, alimentação e triagem na fronteira com a entrega de documentos provisórios. O governo hesitou nos últimos meses, entre agir ou não. O temor é que quanto mais efetiva for a ajuda, maior o incentivo a vir para o Brasil. Só que o peso da crise estava todo sobre Roraima. Esta é a primeira crise migratória que o Brasil enfrenta.
A economia venezuelana apresenta números de país em guerra. De 2012, ainda no governo de Hugo Chávez, até o final de 2018, o PIB per capita terá encolhido 50%, pelos cálculos da consultoria Econométrica. Este será o quinto ano de queda. Isso jamais aconteceu no país, mesmo durante os dois conflitos do século XIX, a guerra da independência e o tumulto civil conhecido como a Guerra Federal, conta o economista venezuelano Ángel García Banchs, sócio da Econométrica, que há seis meses deixou o país para ir morar na Espanha. Hiperinflação, que pode ter sido de 3.000% no ano passado, desemprego em massa e desabastecimento crônico estão produzindo a maior onda de refugiados venezuelanos da história. A Colômbia, primeiro destino, está restringindo a entrada. O Brasil vem recebendo cada vez mais.
Uma pesquisa feita em Boa Vista, no final do ano passado pelo Instituto Unama, perguntou a 626 pessoas se o entrevistado “considera o povo venezuelano amigo do brasileiro", 61% disseram “não", chegando a 70% na faixa de renda acima de cinco salários mínimos. A maioria admite que nem conversa com os refugiados e responsabiliza os venezuelanos pelos problemas de Boa Vista. Eles dizem que o estado brasileiro não deveria ajudá-los financeiramente e 66% pensam que não deveria ser permitida a entrada de novas pessoas do país vizinho.
O economista venezuelano explica que a economia não apenas está encolhendo; ela cai em queda livre.
— Em 2017, o PIB encolheu 13%, pelas previsões, e vai cair algo como 15% neste ano. É um dado de guerra, e é assim que a situação vai terminar, com a mais primitiva de todas as soluções. A saída para o problema não será interna — diz García.
O governo de Maduro antecipou as eleições presidenciais para 22 de abril. A oposição não sabe se concorrerá. O calendário eleitoral pode estar por trás do movimento recente do governo de reacender a discussão territorial com a vizinha Guiana. A questão vem desde o século XIX, quando a área foi adquirida pela Grã-Bretanha. Recentemente, a Exxon encontrou petróleo no litoral da Guiana. Como este é o único assunto que une governo e oposição, o Brasil teme o conflito na nossa fronteira.
A Econométrica apura um índice de escassez no país. A taxa estava em 55% em janeiro. Faltam, principalmente, alimentos. No caso de azeites e óleos, o desabastecimento chega a 89%; nos peixes, a taxa está em 87%. A falta de pães, cereais, leite, queijo e ovos é de 80%. A Venezuela importa praticamente tudo, e está faltando dólares. As reservas internacionais estão em queda. O país atrasa pagamentos de dívidas desde o ano passado e tem hoje menos de US$ 10 bi em caixa. A produção de petróleo, que responde por mais de 90% dos ingressos internacionais do país, caiu 20% no ano passado, uma redução de 300 mil barris. A estatal PDVSA atrasou pagamentos e fornecedores deixaram de prestar serviços ou fecharam as portas. O país, assim, passou a conviver com o êxodo de seus cidadãos.
— Primeiro, foram os profissionais mais talentosos e bem preparados. Agora, estão indo pessoas de todas as idades e formações. Algo como 6 milhões de venezuelanos devem deixar o país neste ano, gente que foge da fome e busca abrigo nos países da região, especialmente na Colômbia. O problema não é só da Venezuela, é tão grande que se tornou um tema internacional — diz García. A Venezuela tem 31 milhões de habitantes.
Essa é a bomba que está armada na fronteira com o Brasil.
14 de fevereiro de 2018
Miriam Leitão, O Globo
(COM MARCELO LOUREIRO)
A força-tarefa vai oferecer serviço médico, alimentação e triagem na fronteira com a entrega de documentos provisórios. O governo hesitou nos últimos meses, entre agir ou não. O temor é que quanto mais efetiva for a ajuda, maior o incentivo a vir para o Brasil. Só que o peso da crise estava todo sobre Roraima. Esta é a primeira crise migratória que o Brasil enfrenta.
A economia venezuelana apresenta números de país em guerra. De 2012, ainda no governo de Hugo Chávez, até o final de 2018, o PIB per capita terá encolhido 50%, pelos cálculos da consultoria Econométrica. Este será o quinto ano de queda. Isso jamais aconteceu no país, mesmo durante os dois conflitos do século XIX, a guerra da independência e o tumulto civil conhecido como a Guerra Federal, conta o economista venezuelano Ángel García Banchs, sócio da Econométrica, que há seis meses deixou o país para ir morar na Espanha. Hiperinflação, que pode ter sido de 3.000% no ano passado, desemprego em massa e desabastecimento crônico estão produzindo a maior onda de refugiados venezuelanos da história. A Colômbia, primeiro destino, está restringindo a entrada. O Brasil vem recebendo cada vez mais.
Uma pesquisa feita em Boa Vista, no final do ano passado pelo Instituto Unama, perguntou a 626 pessoas se o entrevistado “considera o povo venezuelano amigo do brasileiro", 61% disseram “não", chegando a 70% na faixa de renda acima de cinco salários mínimos. A maioria admite que nem conversa com os refugiados e responsabiliza os venezuelanos pelos problemas de Boa Vista. Eles dizem que o estado brasileiro não deveria ajudá-los financeiramente e 66% pensam que não deveria ser permitida a entrada de novas pessoas do país vizinho.
O economista venezuelano explica que a economia não apenas está encolhendo; ela cai em queda livre.
— Em 2017, o PIB encolheu 13%, pelas previsões, e vai cair algo como 15% neste ano. É um dado de guerra, e é assim que a situação vai terminar, com a mais primitiva de todas as soluções. A saída para o problema não será interna — diz García.
O governo de Maduro antecipou as eleições presidenciais para 22 de abril. A oposição não sabe se concorrerá. O calendário eleitoral pode estar por trás do movimento recente do governo de reacender a discussão territorial com a vizinha Guiana. A questão vem desde o século XIX, quando a área foi adquirida pela Grã-Bretanha. Recentemente, a Exxon encontrou petróleo no litoral da Guiana. Como este é o único assunto que une governo e oposição, o Brasil teme o conflito na nossa fronteira.
A Econométrica apura um índice de escassez no país. A taxa estava em 55% em janeiro. Faltam, principalmente, alimentos. No caso de azeites e óleos, o desabastecimento chega a 89%; nos peixes, a taxa está em 87%. A falta de pães, cereais, leite, queijo e ovos é de 80%. A Venezuela importa praticamente tudo, e está faltando dólares. As reservas internacionais estão em queda. O país atrasa pagamentos de dívidas desde o ano passado e tem hoje menos de US$ 10 bi em caixa. A produção de petróleo, que responde por mais de 90% dos ingressos internacionais do país, caiu 20% no ano passado, uma redução de 300 mil barris. A estatal PDVSA atrasou pagamentos e fornecedores deixaram de prestar serviços ou fecharam as portas. O país, assim, passou a conviver com o êxodo de seus cidadãos.
— Primeiro, foram os profissionais mais talentosos e bem preparados. Agora, estão indo pessoas de todas as idades e formações. Algo como 6 milhões de venezuelanos devem deixar o país neste ano, gente que foge da fome e busca abrigo nos países da região, especialmente na Colômbia. O problema não é só da Venezuela, é tão grande que se tornou um tema internacional — diz García. A Venezuela tem 31 milhões de habitantes.
Essa é a bomba que está armada na fronteira com o Brasil.
14 de fevereiro de 2018
Miriam Leitão, O Globo
(COM MARCELO LOUREIRO)
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