Aconteceu o que se esperava. Não seria o acusado desatento para incriminar-se. O personagem possui competência para desinformar, para engalobar (como melhor exprime a gíria). O sr. ex-presidente Lula, como gentilmente se dirigia o juiz Moro ao réu, soube bem desincumbir-se de sua obrigação (ou de seu interesse) de transmitir à autoridade judicial que investiga a propriedade do triplex do Guarujá a certeza de que dita propriedade não lhe pertence. Quando pouco, tentou introduzir no espírito do magistrado, dos presentes à audiência e de todo o Brasil televisivo, a improcedência da ação penal. E, de resto, tentou, também, transmitir insegurança à afirmativa do Ministério Público e à conclusão da Polícia Federal, que lhe rendeu a investigação.
Mesmo para quem não acompanha o episódio, a impressão causada pela locução do ex-presidente é a de que, realmente, embora não tenha o acusado franqueado algum relato que o inculpasse, um observador mais atento perceberia sua artimanha. Ele não respondia com períodos mais longos, limitando-se a um simples “não”, ou um também simples “sim”, não permitindo que o inquisidor explorasse ou mais alongasse alguma ilustração que fizesse. O ex-presidente autopoliciou-se, como lhe era preciso. A conclusão que alcança o magistrado, contudo, é a de que, embora o interrogatório não tenha apresentado confissão ou revelado algo ainda não do conhecimento dos investigadores, a preocupação do acusado em ater-se a uma única fórmula para suas respostas, faz com que seus esclarecimentos não encontrem a melhor acolhida no espírito do julgador. A precaução só é exercida por alguém que receia trair-se ou corre algum risco de ser tragado pela inverdade que carrega consigo. Qualquer manual de psicologia forense ou mesmo de comunicação ensina e realça a interpretação extra-autos, isto é, a leitura que o interlocutor colhe pela linguagem, pela expressão, pelo movimento facial, pelo olhar, pelos gestos do interrogado. Se Lula deixou a sala tranquilo quanto a seu depoimento, a forma ensaiada com que ele respondeu às solicitações do interrogante, pontilhada de evasivas, permitiu que no espírito do juiz tenha se alojado algo mais que a dúvida.
Lado outro, é bem verdade que a prova, no caso, compete exclusivamente ao autor (MP), que afirma, e não a Lula, que nega. Por isto, o fato de o imóvel não dispor de um documento particular ou público de compra e venda, é um complicador para o propósito saneador do Ministério Público. A prova testemunhal, que, até agora, tem sido mais circunstancial, admite-se que não seja capaz de confirmar a acusação. Além de depoimentos provindos de personalidades também sob investigação, ou mesmo que apresente interesses convergentes, a discussão de propriedade imobiliária cessa diante de documento formal, solene, sem vícios, o que predomina sobre eventual depoimento que cogite ou discuta a propriedade. E, nesta hipótese, o MP não se mantém em posição confortável, pois, do andar da carruagem poderá sobrevir pedido de danos morais à União, e que serão imensos.
Aguardemos os próximos capítulos.
13 de maio de 2017
José Maria Couto Moreira é advogado.
Mesmo para quem não acompanha o episódio, a impressão causada pela locução do ex-presidente é a de que, realmente, embora não tenha o acusado franqueado algum relato que o inculpasse, um observador mais atento perceberia sua artimanha. Ele não respondia com períodos mais longos, limitando-se a um simples “não”, ou um também simples “sim”, não permitindo que o inquisidor explorasse ou mais alongasse alguma ilustração que fizesse. O ex-presidente autopoliciou-se, como lhe era preciso. A conclusão que alcança o magistrado, contudo, é a de que, embora o interrogatório não tenha apresentado confissão ou revelado algo ainda não do conhecimento dos investigadores, a preocupação do acusado em ater-se a uma única fórmula para suas respostas, faz com que seus esclarecimentos não encontrem a melhor acolhida no espírito do julgador. A precaução só é exercida por alguém que receia trair-se ou corre algum risco de ser tragado pela inverdade que carrega consigo. Qualquer manual de psicologia forense ou mesmo de comunicação ensina e realça a interpretação extra-autos, isto é, a leitura que o interlocutor colhe pela linguagem, pela expressão, pelo movimento facial, pelo olhar, pelos gestos do interrogado. Se Lula deixou a sala tranquilo quanto a seu depoimento, a forma ensaiada com que ele respondeu às solicitações do interrogante, pontilhada de evasivas, permitiu que no espírito do juiz tenha se alojado algo mais que a dúvida.
Lado outro, é bem verdade que a prova, no caso, compete exclusivamente ao autor (MP), que afirma, e não a Lula, que nega. Por isto, o fato de o imóvel não dispor de um documento particular ou público de compra e venda, é um complicador para o propósito saneador do Ministério Público. A prova testemunhal, que, até agora, tem sido mais circunstancial, admite-se que não seja capaz de confirmar a acusação. Além de depoimentos provindos de personalidades também sob investigação, ou mesmo que apresente interesses convergentes, a discussão de propriedade imobiliária cessa diante de documento formal, solene, sem vícios, o que predomina sobre eventual depoimento que cogite ou discuta a propriedade. E, nesta hipótese, o MP não se mantém em posição confortável, pois, do andar da carruagem poderá sobrevir pedido de danos morais à União, e que serão imensos.
Aguardemos os próximos capítulos.
13 de maio de 2017
José Maria Couto Moreira é advogado.
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