Depois da Odebrecht, a Camargo Corrêa negocia uma superdelação: quarenta executivos revelarão o que sabem sobre as propinas pagas a mais de 200 políticos. Reportagem de Veja desta semana revela que a Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do país, negocia com a Procuradoria-Geral da República uma segunda leva de delações, nos moldes do acordo feito pela Odebrecht, que deve envolver a colaboração de cerca de quarenta executivos e até acionistas e alcançar em torno de 200 políticos, inclusive expoentes do governo de Michel Temer.
A Camargo Corrêa promete até exumar o cadáver da Operação Castelo de Areia, que tinha a construtora no centro do escândalo – uma engrenagem que envolvia corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro – e que foi abortada pela Justiça. Quando isso ocorreu, porém, já se sabia que Temer aparecia 21 vezes nas planilhas, ao lado de outros figurões da República, como os ministros Gilberto Kassab (PSD) e Mendonça Filho (DEM) e os senadores Renan Calheiros (PMDB) e Romero Jucá (PMDB).
A superdelação também trará novos problemas para Antonio Palocci, principal interlocutor da empreiteira nas gestões do PT. Se Brasília já não dormia pela expectativa da delação da Odebrecht, apelidada de “fim do mundo”, o clima vai ficar ainda mais tenso: o mundo pode acabar duas vezes.
LOBISTA ENTREGOU – Em dezembro, uma reportagem de Daniel Haidar, revelava que o lobista Júlio Camargo, ligado ao grupo Toyo Setal, faturou 73 milhões de reais da construtora Camargo Corrêa entre 2010 e 2012 para garantir a assinatura de contratos com a Petrobras. Os pagamentos foram rastreados pela força-tarefa que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, desvendado pela Operação Lava Jato, por meio da quebra do sigilo fiscal da construtora. Os dados corroboram informações já prestadas pelo lobista em acordo de delação premiada.
Aos investigadores, Júlio Camargo afirmou que pagava propina a executivos da estatal para obter os contratos para as empresas às quais prestava seus serviços. Parte do dinheiro recebido pelo lobista foi utilizada, segundo ele, para subornar o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-gerente de Serviços da estatal Pedro Barusco.
Júlio Camargo atuava como intermediador para diferentes empresas interessadas em fechar contratos da Petrobras. Mas tinha com a Camargo Corrêa um relacionamento diferenciado. O principal contato do lobista na empreiteira era o vice-presidente comercial Eduardo Hermelino Leite, preso desde 14 de novembro, quando foi deflagrada a sétima etapa da Operação Lava Jato.
COMPLICAÇÕES – A situação dos três executivos da construtora presos se complicou depois que o lobista fechou, em outubro, um acordo de delação premiada. Ele aceitou devolver 40 milhões de reais aos cofres públicos pelos crimes que cometeu. Nos depoimentos, o lobista contou que chegou a pagar 6 milhões de reais de propina para a Diretoria de Serviços por um contrato da Refinaria Henrique Lage (Revap). Ele também afirma ter subornado Duque e Barusco, em nome da Camargo Corrêa, por uma obra do gasoduto Urucu-Manaus.
Ao detalhar o relacionamento que mantinha com Leite, o lobista contou que assumiu um gasto de 400 mil dólares em compras de móveis em Miami para o vice-presidente da Camargo Corrêa, sob a promessa de ser reembolsado. Leite não devolveu o dinheiro, segundo o delator. Mas esse não foi o único agrado do lobista ao executivo. Júlio Camargo também gastou 1 milhão de reais com a empresa de design de interiores da mulher do vice-presidente da Camargo Corrêa. O dinheiro foi desembolsado como remuneração por um projeto do novo escritório dele, mas o plano não foi utilizado, porque a proposta de outra empresa foi preferida.
COM RENATO DUQUE – A atuação do lobista para a construtora se restringia a garantir contratos com a Diretoria de Serviços porque a Camargo Corrêa ficou responsável diretamente pelos pagamentos de propina para a Diretoria de Abastecimento, de acordo com o delator. Ainda assim, os 73 milhões de reais pagos diretamente de 2010 a 2012 são apenas parte do total recebido por ele da construtora, porque a Camargo Corrêa também fazia pagamentos ao lobista a partir de contas bancárias de consórcios nos quais o delator tinha participação.
A colaboração premiada do lobista ajuda o Ministério Público Federal a rastrear a fortuna de Duque no exterior. Barusco também aderiu a um acordo de delação premiada e colabora com as investigações. Júlio Camargo se comprometeu a entregar aos delegados e procuradores da República extratos bancários que identifiquem as contas utilizadas pelo ex-diretor de Serviços da Petrobras para receber propina no exterior. Ele também vai ajudar no reconhecimento dos emissários enviados por Duque para receber propina em espécie, que ele conhecia apenas pelos apelidos de Tigrão, Melancia e Eucalipto.
14 de janeiro de 2017
Daniel Pereira
Veja
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