Relevações de uma delação premiada e investigações em curso
"A Odebrecht reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial. Não importa se cedemos a pressões externas. Tampouco se há vícios que precisam ser combatidos ou corrigidos no relacionamento entre empresas privadas e o setor público. O que mais importa é que reconhecemos nosso envolvimento, fomos coniventes com tais práticas e não as combatemos como deveríamos. Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética" (Disponível em: <http://www.odebrecht.com>).
“O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou nesta segunda-feira (19) ao Supremo Tribunal Federal (STF) os acordos de delação premiada de 77 de executivos da empreiteira Odebrecht, firmados com a força tarefa de investigadores do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato. Os documentos chegaram ao STF por volta das 9h e foram trancados em uma sala-cofre” (http://congressoemfoco.uol.com.br).
“Em acordo de delação premiada firmado com autoridades norte-americanas, a Odebrecht e uma de suas subsidiárias, a Braskem, admitiram ter pago mais de US$ 1 bilhão, cerca de R$ 3,3 bilhões, em propina a funcionários do governo em 12 países, entre eles o Brasil, seus representantes e partidos políticos” (http://congressoemfoco.uol.com.br).
A referida declaração da Otodecte, divulgada no site da empresa em 1o de dezembro de 2016, integrou um conjunto de iniciativas, como as acima destacadas, que confirmaram, com riqueza de detalhes, as mais espúrias formas de atuações políticas e empresariais no Brasil ao longo das últimas décadas (cinco ou seis, pelo menos). Qualquer desavisado tinha (e tem) a clara percepção de que o país convivia (e convive) com o triste fenômeno da corrupção sistêmica. Escândalos, investigações e processos judiciais, ao longo dos anos, apontavam (e apontam) nesse sentido. Ocorre que as revelações da Odebrecht colocaram (e colocam) a ciência desse perverso estado de coisas em patamar jamais observado na história da República.
A delação premiada (mais precisamente, colaboração premiada) de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht S.A. vazou para a imprensa. São 82 (oitenta e duas) páginas devastadoras. Sugiro, com muita ênfase, por ser altamente instrutiva, a leitura na íntegra da aludida manifestação no seguinte endereço eletrônico: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI250418,51045-Veja+a+integra+da+delacao+de+Claudio+Melo+Filho+exdiretor+da+Odebrecht>.
Esse documento (e outros 76 que estão por serem analisados no âmbito do STF, inclusive o do Presidente da empresa Marcelo Odebrecht) permite concluir:
a) quase todos (não são todos) os partidos políticos possuem importantes integrantes envolvidos visceralmente nos esquemas de corrupção;
b) os principais agentes políticos da República na atualidade foram mencionados como partícipes diretos e ostensivos de esquemas de corrupção voltados para beneficiar os negócios da empresa em troca de repasses pecuniários e outras vantagens. São referidos, em relatos detalhados, entre outros: b.1) Michel Temer (Presidente da República), Renan Calheiros (Presidente do Senado Federal), Rodrigo Maia (Presidente da Câmara dos Deputados), Eliseu Padilha (Ministro-Chefe da Casa Civil), Geddel Vieira Lima (ex-Ministro), Moreira Franco (Ministro), Romero Jucá (Líder do Governo no Congresso) e Eunício Oliveira (Líder do PMDB no Senado);
São inúmeras as investigações que apontam exatamente no mesmo sentido:
"Os documentos tornados públicos pelo DOJ (Departamento de Justiça) dos Estados Unidos revelam que 14 pessoas, entre políticos brasileiros e funcionários de estatais, ganharam dinheiro para ajudar os interesses das empresas Odebrecht e da Braskem, braço petrolífero do grupo./O DOJ descreve cada um dos recebedores de propina, sem citar os nomes, colocando de forma genérica os respectivos cargos./Na relação dos 14 estão membros do alto escalão do governo, dois ministros, membros de estatais brasileiras, diretor da Petrobras e político do alto escalão do Legislativo do Brasil./Entre as histórias que mostram o envolvimento dos agentes públicos e políticos está a discussão do acordo de segurança ambiental firmado em outubro de 2010 entre a Odebrecht e a Petrobras./Segundo os investigadores americanos, a empresa ganhou o contrato depois de repassar mais de US$ 40 milhões (R$ 133,3 milhões, ao câmbio desta quarta-feira) para alguns partidos políticos brasileiros./O dinheiro saiu do departamento de operações estruturadas da Odebrecht, área responsável pelo gerenciamento de propina, segundo as investigações da Operação Lava Jato./Parte dos recursos foi paga diretamente a representantes específicos do governo, diz trecho do documento dos EUA./A Folha mostrou na semana passada que Márcio Faria, na época presidente da Odebrecht Engenharia Industrial, informou em delação premiada ao Ministério Público Federal que participou de uma reunião em 2010 para tratar de doações à campanha eleitoral do PMDB daquele ano em troca de facilitar a atuação da empreiteira no projeto PAC SMS (Plano de Ação de Certificação em Segurança, Meio Ambiente e Saúde) da Petrobras./O encontro foi no escritório do presidente Michel Temer em São Paulo./Além dele, estavam presentes o ex-presidente da Câmara e ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o lobista João Augusto Henriques./Ligado ao PMDB, Henriques já afirmou que um contrato de quase US$ 1 bilhão, ou R$ 3,3 bilhões, foi fechado às vésperas do segundo turno das eleições de 2010 entre a área internacional da Petrobras, sobre a qual ele tinha influência, e a Odebrecht./O DOJ diz que um funcionário da Odebrecht, identificado como número 5, foi quem participou de toda a negociação, conversando com o cartel que havia se formado para concorrer ao pleito" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/12/1843576-documentos-dos-eua-sobre-a-odebrecht-citam-receptores-de-propina.shtml).
“Ao menos seis empresas são suspeitas de pagar ou oferecer R$ 145 milhões em propinas entre 2005 e 2015 para 11 parlamentares a fim de criarem ou modificarem 25 projetos de leis e medidas provisórias, de acordo com levantamento do Correio.
Foram analisados papéis das operações Zelotes e Lava-Jato, que se baseiam em depoimentos, colaborações premiadas, mensagens de e-mails, anotações em agendas e transferências bancárias, contidos em sentenças, relatórios da Polícia Federal e denúncias do Ministério Público. Parte da legislação supostamente “comprada” não foi identificada totalmente, com o nome do pagador, do “vendedor” do valor e ou mesmo da norma exata que seria negociada. A maioria das regras em discussão se refere a impostos e a isenções fiscais, assunto estratégico no mundo das finanças./As empresas apontadas como “compradoras” de leis no Congresso são as construtoras Odebrecht e OAS, a siderúrgica Gerdau, o banco BTG Pactual e as montadoras de automóveis Caoa Hyundai e MMC Mitsubishi. Esta última teve dois executivos condenados pela Justiça por corrupção ativa acusados da “compra” da MP 471. À exceção da Odebrecht, que admitiu ter cometido crimes, todas as empresas têm negado participação nos esquemas.
O BTG Pactual lidera a lista com R$ 45 milhões, seguido pela Odebrecht, com R$ 27 milhões. Um grupo de lobistas, geralmente contratados por montadoras não totalmente identificadas neste episódio, é suspeito de encaminhar outros R$ 45 milhões para modificar uma medida provisória no Congresso./Os parlamentares e ex-congressistas apontados como “vendedores” são os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), os senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Ciro Nogueira (PP-PI), os deputados Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e Duarte Nogueira (PSDB-SP), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os ex-senadores Gim Argello (ex-PTB-DF) e Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e o ex-deputado Carlinhos Almeida (PT-SP)” (http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2016/12/25/internas_polbraeco,562514/empresas-pagaram-para-alterar-medidas-provisorias-no-congresso.shtml).
c) as somas entregues aos beneficiários, com minuciosas indicações das operações, são invariavelmente milionárias;
d) a atividade empresarial da Odebrecht dependia substancialmente de esquemas de corrupção (só a da Odebrecht ou estamos diante de um componente integrante do sistema econômico nesta quadra histórica?);
e) a proprina era paga nas mais diversas formas: e.1) entregas imediatas; e.2) doações eleitorais regularmente contabilizadas; e.3) caixa 2 eleitoral; e.4) presentes e e.5) vantagens não pecuniárias;
f) muitos beneficiários do esquema de corrupção não serão conhecidos porque recebiam repasses de figuras que atuavam como coordenadores de arrecadação para distribuição posterior;
g) vários agentes políticos tomam a iniciativa de “procurar” os “financiadores” (algo como o “direito à propina”).
Uma cautela é necessária. A delação (mesmo dezenas delas) não é prova viabilizadora de condenações penais. Nos termos da lei, reclama o fornecimento pelo “delator” de informações e documentos que comprovem os fatos anunciados. É exatamente porque precisam ser corroboradas por elementos consistentes que as declarações de dezenas de executivos de uma empresa do porte da Odebrecht merece consideração. Não faz o menor sentido ser uma mera trama para criar embaraços para dezenas de agentes políticos dos mais graduados com fortíssimas repercussões negativas para a empresa e seus dirigentes.
Uma palavra sobre o Partido dos Trabalhadores (e seus principais quadros). Esse texto não abordou essa deletéria agremiação em função do enfoque dado pela delação do senhor Cláudio Melo Filho. Em outras ocasiões, registrei que o PT e suas principais lideranças abandonaram um projeto de transformação social por um projeto de poder pelo poder com a utilização das mais vis e abjetas ações no campo da corrupção e malversação do interesse público.
As revelações da Odebrecht mostraram mais um capítulo da degeneração do PT e seus governos: “Documentos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) apontam repasse de R$ 50 milhões da Odebrecht, pago pelo departamento de propina da empresa, à campanha da ex-presidente Dilma Rousseff em troca de um benefício à Braskem. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada nesta sexta-feira (23), no documento os americanos descrevem uma ação da Odebrecht e da Braskem junto a autoridades do governo, entre 2006 a 2009, para garantir um benefício tributário à petroquímica” (http://congressoemfoco.uol.com.br).
E ainda: “A Receita abriu a investigação contra o instituto [Instituto Lula] em dezembro do ano passado e analisa, além do exercício fiscal de 2011, as declarações de imposto de renda dos anos de 2012, 2013 e 2014./A principal irregularidade identificada até agora nas auditorias foi o pagamento de R$ 1,3 milhão nos anos de 2013 e 2014 para a empresa G4 Entretenimento, que pertence a Fábio Luís, filho do ex-presidente; e a Fernando Bittar, dono do sítio de Atibaia (SP) frequentado por Lula e que é alvo de investigação da Operação Lava Jato./Segundo os auditores, houve simulação de prestação de serviço pela G4 como forma de mascarar a transferência de recursos da entidade para o ex-presidente ou parentes, configurando o desvio de funcionalidade./Também foram apontados pagamentos sem destinatários e o aluguel de um imóvel apontado como sede, mas que era diferente do endereço do instituto./No período auditado, a entidade recebeu quase R$ 35 milhões em doações, boa parte de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. Os auditores também contestaram doações de duas entidades sem fins lucrativos que, juntas, destinaram R$ 1,5 milhão ao instituto entre 2013 e 2014" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/12/1844069-instituto-lula-e-autuado-pela-receita-federal-por-desvio-de-finalidade.shtml).
É imperiosa, não parece restar dúvida, a realização de uma reforma política profunda, numa perspectiva popular e democrática. Esse movimento deve buscar explicitar quais os interesses e respectivos segmentos sociais efetivamente representados pelos atores do mundo da política. Em outras palavras, como cada representante se "coloca" em relação às estratégicas questões nacionais. Deve, ainda, ser especialmente dura em relação aos mecanismos e espaços institucionais facilitadores da corrupção.
Cumpre destacar que medidas político-eleitorais, mesmo profundas e moralizadoras, somente produzirão resultados satisfatórios se conjugadas com a conscientização e mobilização populares crescentes. Essas últimas são as chaves das verdadeiras mudanças. Não serão iluminados, vingadores, salvadores da Pátria e outros tipos de paladinos da ética, da moralidade ou dos bons costumes que promoverão as transformações substanciais que o Brasil reclama.
14 de janeiro de 2017
Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional e Professor da Universidade Católica de Brasília
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