"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A GUERRA DE TRUMP

A indústria nacional encolheu ao menor nível de produção dos últimos 65 anos. O Brasil fez a guerra de Trump antes dele. Curiosamente, fez contra si mesmo
Donald J. Trump toma posse como 45º presidente dos Estados Unidos (Reprodução/CNN/VEJA.com)

Com apenas 72 horas na Casa Branca, Donald Trump deflagrou uma guerra na economia mundial. A primeira vítima foram os limões. Na tarde de domingo, o Departamento de Agricultura anunciou o bloqueio das importações da Argentina, o maior produtor mundial, “de acordo com orientação da Casa Branca”.

Seria mais um episódio na rotina do sistema americano que protege a indústria e o comércio do país com uma miríade de embargos, tarifas e restrições burocráticas aos produtos estrangeiros. No entanto, antes do jantar dominical, Trump formalizou com o México e o Canadá o fim do tratado de livre comércio, em vigor há 23 anos.

Ontem, liquidou com a Parceria Transpacífico, retirando os EUA do livre-comércio com Japão, Austrália, Malásia, Nova Zelândia, Vietnã, Brunei, Peru e Chile, além do México e Canadá.

Deve-se criticar Trump por muitas coisas, inclusive pela deselegante retórica, atraente para devotos do nacionalismo místico, assim como por sua predileção ao refúgio no patriotismo. Mas não se pode acusá-lo de falta de transparência — exceto em aspectos relevantes da própria biografia, como o Imposto de Renda.

À falta de ideias, sobram ameaças, como mostra o comunicado da Casa Branca sobre a guerra comercial, na sexta-feira: “Além de rejeitar e refazer acordos comerciais falidos, os EUA querem reprimir as nações que violaram acordos comerciais e prejudicaram os trabalhadores americanos.” Todos são suspeitos, e Washington adverte: “Serão usados todos os instrumentos para pôr fim aos abusos”.

Trata-se de um dos dois maiores parceiros comerciais do Brasil — o outro é a China. No mapa-múndi, os EUA representam fatia modesta do comércio nacional (14%, ou US$ 48 bilhões anuais). Impulsiona pouco mais de 3% da produção brasileira. Exposição ínfima, se comparada à do México (43%) e Chile (8%). É, porém, mercado vital para 75% das vendas da indústria.

Do Palácio do Planalto à embaixada em Washington percebe-se que o governo olha para Trump com certo otimismo. Mais pela ausência: o país não é significativo na agenda americana de recauchutagem do nacionalismo (empregos perdidos, imigrantes criminosos).

Paradoxalmente, seria beneficiário do próprio isolamento, sob crônica escassez de capital — modelo de economia fechada que sustenta e o fez marginal na revolução tecnológica.

Nessa perspectiva, Trump ao liquidar acordos contribuiria, indiretamente, para reforço do esquálido Mercosul, que se tornaria atrativo ao México, Peru e Chile, entre outros. Ao mesmo tempo, Brasília planeja acertos com os EUA, para estímulo a negócios existentes (bitributação, barreiras) e novos (energia).

Na vida real, o problema está na fragilidade brasileira, realçada pela precária liderança regional e a economia industrial deteriorada.

A indústria encerrou 2016 encolhida, com o menor nível de produção dos últimos 65 anos. Reduziu-se à participação (de 11,8%) no Produto Interno Bruto igual à que possuía em 1952. É quase metade do tamanho que tinha em 1985, na volta à democracia.

Hoje, o Brasil tem a 11ª indústria do mundo, responsável por 0,6% do valor global exportado de manufaturados. Há 37 anos era a 7ª do planeta, com 2,7% das vendas mundiais.

O Brasil fez a guerra de Trump bem antes da sua chegada à Casa Branca. Curiosamente, fez contra si mesmo.


27 de janeiro de 2017
José Casado, O Globo

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