"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 31 de dezembro de 2016

O 'COMPLEXO DE HELENA' E A CHACINA EM JOBOTICABAL


ARTIGOS - CULTURA


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“Não sou criminoso”, afirmou William Roberto Ferreira Costa, 27 anos,
o atirador que matou seis na chacina em Jaboticabal (Foto: Rep. EPTV)

Werther, quando resolveu cometer suicídio, pensou antes em cometer homicídio, matando Carlota e o marido. 
O desfecho da história que marcou o romantismo em nada mudaria. Associado ao fascínio do feminino pelo masculino (e vice-versa) está sempre um jogo psíquico poderoso e, por vezes, irresistível, que leva a desfechos trágicos.
Chamo a isso Complexo de Helena. A bela de Troia tem sempre a capacidade de seduzir, provocando nos homens rixas que levam a combates e morte e, nas mulheres outras, ódio e sofrimentos. 
Essa feminilidade sedutora é o centro da narrativa do grande poema épico, depois reanalisado em grandes tragédias de Ésquilo e Eurípedes. 
Helena tem “voz de sereia” e o visual da própria Afrodite. O homem tomado pelo feitiço da deusa vira um joguete das forças mais destrutivas da guerra e do simples homicídio.
Goethe percebeu isso com toda clareza e Carlota, no Werther, é essa Helena que pode habitar no corpo e na voz de qualquer mulher. 
No Fausto, temos Margarida e a própria Helena de Troia, que, num magnífico lance de licença poética, sai da Antiguidade para desposar o nobre teutônico medieval. 
É a própria sedução personificada. Margarida tem desfecho trágico; Helena tem passagem mágica, com toda a narrativa sugerindo um amor por si mesmo, com traços hermafroditas masturbatórios e homossexuais. 
O importante é que a beleza feminina com o toque de Afrodite pode ser mortal. Grandes crimes periodicamente acontecem envolvendo casais sem que o criminoso sequer perceba o ato que cometeu durante a sua realização.
[Ao lado da Helena é muito comum aparecerem também as variações trágicas de Ifigênia, aquela que foi sacrificada pelo pai para propiciar a vitória, e da própria Perséfone, aquela virgem pura raptada por Plutão. 
Como se vê, a repetição do motivo arquetípico é intemporal e está em toda parte.]hdt
“Não sou criminoso”, afirmou William Roberto Ferreira Costa, 27 anos, o atirador que matou seis na chacina em Jaboticabal (ver aqui). Claro que é, crime é agir contra a lei e ele o fez. Talvez tenha querido dizer: “Não sou dono dos meus atos”. Seria mais verdadeiro. 
A história absurda de um jovem homem casado, rejeitado momentaneamente por uma prostituta, reagiu violentamente à rejeição. Ele poderia tê-la meia hora depois, mas a fome pelo amor da própria Vênus não podia esperar. Werther aqui tornou-se homicida.
Mulheres também matam homens dentro da própria história mitológica. Em geral usam outros homens para seus fins homicidas, um Agamenon que acaba sempre por incendiar Troia, matando Heitor, e um Aquiles que mata Páris e é por ele morto. 
É o irmão de Margarida que é morto por artes de Mefistófeles. Mas elas também matam com as próprias mãos, como morreu Agamenon. 
Recentemente tivemos o julgamento da outrora prostituta que matou o marido por se sentir traída, esquartejando seu corpo distribuído em malas pela cidade. 
Nenhuma Helena suporta que outra suplante sua beleza e seu poder de sedução. Temos ainda a história do Euclides da Cunha, morto no triângulo amoroso mais clássico.
No cinema há grandes histórias envolvendo casais. De Olhos Bem Fechados, de Kubrick, será talvez o mais antológico. Tampar os olhos com as roupas é o recurso civilizado (que está se perdendo) para se resistir ao poder de sedução da deusa do amor. 
A entrega desenfreada a Eros está no filme japonês O Império dos Sentidos, quando a coisa acaba mal para ambos os lados. Thomas Mann fez algo assim, no âmbito homossexual, com o romance A Morte em Veneza.
Na literatura, igualmente temos a repetição do tema. Lolita, Madame Bovary e a nossa história de Bentinho casmurro são grandes exemplos dessa presença.

Resistir ao arquétipo é bem difícil. A força que surgiu contra a “voz de sereia” está no Cristianismo, cujas histórias femininas exaltam a virgindade e o ascetismo, o oposto da exaltação erótica pagã. O cristianismo, todavia, está em baixa e não tem servido mais de escudo contra a erupção das forças infernais. Cenas trágicas como essa de Jaboticabal estão cada vez mais frequentes.
31 de dezembro de 2016
 NIVALDO CORDEIRO


*  (À dir: Helena de Tróia, de Evelyn de Morgan, 1898, óleo sobre tela.)

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