Em artigo anterior, mostramos que a situação do país é desalentadora, devido à gravíssima crise econômica e à completa desmoralização do poder público (leia-se: os três Poderes). Assinalamos que o primeiro passo precisa ser a redução dos gastos públicos, através um “downsizing” (enxugamento) que atingisse administrações públicas de toda sorte, incluindo estatais, autarquias, fundações, prefeituras, governos estaduais e federal. Aliás, isso nada mais é do que a materialização do óbvio ululante tão sonhado por Nelson Rodrigues, e parece que os governantes ainda não perceberam essa realidade.
ENXUGAMENTO – É evidente que chegou a hora de acabar com os gastos supérfluos e enxugar a máquina estatal. Chega de penduricalhos salariais, tipo auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-educação, que fazem a festa das autoridades. Chega de carros chapa-branca, motoristas a postos, combustível e manutenção de graça. Chega de cartões-corporativos e de verbas de representação que beneficiam Executivo, Legislativo e Judiciário – nos três níveis federal, estadual e municipal. Chega de viagens e mordomias à custa do povo. Quer dizer, as autoridades precisam cair na real.
Mas é preciso reconhecer que a possibilidade de haver esse enxugamento é mínima, porque vai depender do Supremo, que faz questão de dar a última palavra em tudo, aqui nesse capitalismo à brasileira.
PRIVILÉGIOS FUNCIONAIS – A verdade precisa ser repetida. Todos os privilégios funcionais, incluindo aposentadorias e pensões mirabolantes, decorrem de decisões do Supremo, que invariavelmente tem reconhecido o “direito adquirido” dessas aberrações.
A Constituinte tentou moralizar a situação, através do artigo 17 das Disposições Transitórias, que continua em vigor e assim determina: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
Mas esse importante imperativo constitucional acabou sendo descumprido, porque a Justiça, capitaneada pelo Supremo, passou a considerar legítimas as remunerações acima do teto e até cumulativas, embora a regra da Constituinte tivesse eliminado essas possibilidades, ao estabelecer “não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
EMENDA 41 – Diante da resistência do Supremo, 15 anos depois os parlamentares voltaram à carga e aprovaram a Emenda Constitucional 41, que entrou em vigor em 19 de dezembro de 2003, no primeiro ano do governo Lula. Seu artigo 9º determinou:
“Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”.
Ou seja, a emenda constitucional 41 transformou em permanente a disposição transitória da Carta de 1988. Mas não aconteceu rigorosamente nada, porque o Supremo continuou (e continua) reconhecendo a legitimidade das mais diferentes acumulações e “penduricalhos” salariais, embora a Justiça Trabalhista, em seus julgamentos, criteriosamente até os considere como parte integrante dos salários, para efeito de indenização.
OPORTUNA RETALIAÇÃO – Entre tapas e beijos em suas relações com a Justiça, o senador Renan Calheiros criou a Comissão Especial dos Supersalários como retaliação ao Judiciário. Presidida pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), a comissão tem muito trabalho pela frente, mas logo irá descobrir que o país está mergulhado numa esculhambação institucional por obra e graça do Supremo, que na verdade tem descumprido a Constituição para justificar o ganho excessivo dos magistrados, num protecionismo corporativista que chega a ser deprimente e revoltante.
A moralização deste país – repita-se ad nauseam – depende do Supremo, que nem sabe o que realmente significa isso, mas pode aprender com facilidade. Entre todas as autoridades de destaque deste país, somente a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo, recusa-se a usar veículo chapa branca e vai trabalhar dirigindo o próprio carro. Aí está o exemplo que precisa ser seguido o mais rápido possível. É isso que as pessoas de bem esperam de seus governantes.
Parece ser apenas uma utopia, mas ainda não é proibido sonhar. E o genial poeta Márcio Borges nos ensinou que sonhos não envelhecem e a vida é só um clube de esquina.
10 de dezembro de 2016
Carlos Newton
Nenhum comentário:
Postar um comentário