Num dia de luto, medidas contra a corrupção e um precedente para a legalização do aborto agitaram a política. Com qual se preocupar primeiro?
A votação na Câmara não é uma surpresa. Quem é leitor do nosso editor Flavio Morgenstern, tanto do Facebook em 2013 quanto depois de ler seu livro, sabe o perigo que é esse mote aberto de ser contra corrupção.
Afinal, quem não é contra corrupção? Que corrupto não declara ser contra?
As medidas que tramitaram podem ter boas intenções, mas apenas acreditar nisso é ingenuidade, e não pode ser um fator definidor de mudança para um país. Mais do que isso, a corrupção não é o maior mal do país.
A corrupção não é o crime cujo objeto jurídico tem que ser protegido com maior afinco e não é, em nenhuma medida, comparável a um crime de homicídio. Acreditar nisso é a mentalidade viciada em linguagem esquerdista, é como dizer que quem cola na prova vai roubar a Petrobrás se tiver chance e, acreditem, há quem diga isso seriamente!
É preciso, de uma vez por todas, perceber que as coisas têm escalonamento e o direito penal também, assim, matar é pior que roubar, roubar com arma de fogo apontada na cabeça é pior que furtar e por aí vai.
Nossas leis têm que refletir esse espírito e não uma idéia de boa vontade para o futuro.
Lei, especialmente penal, não pode ser um conceito abstrato, dando margem à interpretações ao bel prazer de quem a aplica. Isso é um perigo, já visto muitas vezes na História.
Corrupção é terrível para uma nação? É! Mas não se compara a um homicídio, a arrancar a vida de alguém. Não adianta dizer que o dinheiro do hospital foi desviado em razão da corrupção, isso é uma busca infinita por causas indiretas.
Fazer essa verificação não é muito difícil, pergunte a qualquer mãe pobre, sem nenhum acesso a serviços públicos, que teve o filho assassinado, se ela preferia o filho de volta ou uma educação ou hospital de qualidade.
Não dá para comparar um crime contra a Administração Pública com um crime contra a vida! Essa relativização/comparação em pé de igualdade é perigosíssima e nos faz perder a referência de valores que devem sustentar uma nação.
Então estabelecemos um parâmetro: corrupção não pode ser um crime hediondo, não temos que lutar por isso, o efeito colateral é diminuição do valor da proteção à vida.
E ontem, enquanto os olhos dos brasileiros estavam chorando a perda de muitas vidas em um desastre aéreo trágico e depois esses se revoltaram com a votação da Câmara sobre as 10 medidas contra a corrupção, o STF, em um caso específico, começou a relativizar o direito à vida debaixo dos nossos narizes.
Isso mesmo, a vida, o bem mais caro e o que deve ser de forma mais contundente protegido por qualquer sistema jurídico. O direito fundamental da primeira dimensão ou geração, para usar termos constitucionais. Sem ela não temos nada, só morte.
Como o STF fez isso? Afastando a prisão preventiva de praticantes do crime de aborto, sob a alegação de que a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais, entre eles direitos da mulher e o princípio da igualdade.
A notícia é do próprio STF e os argumentos estão lá, inclusive com aspas na fala do ministro de que na realização do aborto nos três primeiros meses há dúvida fundada sobre a própria existência do crime.
A vida do nascituro nessa decisão vale menos do que qualquer direito da mãe, o direito fundamental mais importante, sem o qual não existe nenhum outro, está sendo, diante dos nossos olhos, mitigado. O mesmo nascituro que garante indenização ou pensão à mãe ou aos pais em outras decisões de tribunais superiores.
É uma vida e, ao invés de nosso sistema jurídico dispor e usar todos os elementos e argumentos para protegê-la, a trata como um acessório no corpo de uma mãe, um acaso que ora é fonte de direito e ora pode ser ceifada, porque dispendiosa a uma mãe pobre.
Outros direitos que sequer existiriam sem a vida são usados justamente para se sobrepor à vida. Uma bebezinha mulher morta pelo aborto passa ao largo de ser sujeito de direito da mulher, um dos fundamentos da decisão. Tristes são os tempos em que temos que lembrar o valor da vida humana…
Ressalte-se, por fim, que não se quer aqui ignorar a corrupção, óbvio que deve ser combatida e a lei deve ser aplicada. Só que não temos que achar que a entrega e confiança de temas abertos aos nossos representantes é suficiente para a mudança do país apenas com a promulgação de uma lei.
Temos que desembaçar a vista e voltar os olhos ao que importa, afinar o discurso e não cair em saídas fáceis, mesmo que bem intencionadas.
A vida humana é o maior bem, o maior valor, o que tem que ser protegido com todas as garantias possíveis. Se não estaremos fadados a celebrar a morte de inocentes ao invés de chorá-la como na tragédia de ontem.
O tempora, o mores!
10 de dezembro de 2016
Linda M.
senso incomum
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