"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

CAPTAGÓN - PREPAREMO-NOS CONTRA A NOVA DESGRAÇA DO NARCOTRÁFICO

Captagon, o Monstro Invisível da Guerra na Siria

Captagon. Uma droga sintética que leva à euforia; disfarça a fome, a fadiga e o frio, e aumenta a força e a destreza em cenários como os de uma batalha. Captagon. O estimulante que no Oriente Médio, sem fazer demasiado ruido, superou o número de apreensões de opiáceos. Captagon. A fonte perfeita de financiamento para os atores do conflito na Síria, e o narcótico de seus soldados e vítimas.


Sua base, a fenetilina, servia na Alemanha de 1961 como medicamento para crianças com transtornos de atenção.Mas logo foi proibido por seu caráter viciante e seus efeitos sobre o sistema hepático, e entrou no mercado negro para uso recreativo.


Os primeiros a usa-lo foram os búlgaros. O mundo estava entorpecido com a queda do Muro de Berlim. Nesse país que fazia parte do império soviético, as grandes empresas estatais se desmantelavam, boa parte delas da indústria química e algumas, inclusive, exportadoras do Captagon.
Em função da cooperação política e técnica entre Bulgária e Síria, durante a Guerra Fria muitos sírios estudaram química na Bulgária e estabeleceram contatos que, se por um lado abriram o mercado entre os dois países, também traçaram o caminho do tráfico ilícito.

"Com uma grande força de trabalho tecnicamente capacitada e sem emprego, os químicos búlgaros se voltaram para fontes de subvenção ilegais porém lucrativas. A principal foi a das pastilhas de Captagon para a Síria e o resto do Oriente Médio, pela rota da Turquia", detalha Bejamin Crabtree, especialista em tráfico de drogas e crime organizado.

Ele elaborou uma radiografia do comércio flutuante dessa droga, depois de entrevistar mais de 20 agentes da lei e com dados atualizados sobre as apreensões (clique para aumentar a imagem).

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Entre os anos noventa e começos deste século, os centros de produção de Captagon eram Bulgária e Turquia. Mas o incremento nos controles estatais transladaram o negócio para a Síria.


Síria entra no negócio


Neste país, segundo Crabtree, o negócio disparou em 2011, coincidindo com o início do conflito entre o regime de Bashar al Assad, os rebeldes e demais atores locais e estrangeiros que se enfrentam defendendo variados interesses.

Quatro fenômenos fizeram da Síria um caldo de cultura ideal para o negócio do Captagon: a ausência do Estado em zonas ocupadas pela oposição; a exígua fiscalização nacional e internacional onde o Governo se faz presente; a urgência de encontrar formas de financiamento ou de subsistência no meio de um conflito que deixou 85,2% da população na pobreza extrema; e um mercado crescente entre mais de 10 milhões de migrantes que fogem do conflito.

Apesar das limitações para aplicação da lei naquele país e às dificuldades para a coleta de informações oficiais, o investigador acha que o número de capturas da droga é superior a de outros países da região em melhores condições sociais. "Isto indica que o problema é muito maior do que se vê", adverte. Somente em 2015 foram confiscados 24 milhões de comprimidos na Síria.

Chama a atenção o fato de que, para outras drogas, como a heroína de origem afegã, a instabilidade e o conflito conduziram a uma trajetória geográfica contrária: sumiram das zonas de conflito na Turquia e Síria. 
 
As redes de traficantes do Oriente Médio preferem uma vizinhança mais estável. Não obstante, os principais mercados de destino para o Captagon são os países da península Arábica, e ainda, os migrantes que se dirigem à Europa também são um público-alvo, segundo detectou Crabtree.
O Captagon, sem dúvida, tem uma história inusitada.


A História Incomum


A produção e o tráfico de Captagon se converteram em uma fonte perfeita de custeio para os atores do conflito na Síria.A simplicidade e a natureza móvel das instalações de produção, e os limitados conhecimentos químicos requeridos, são ideais (1).

De acordo com as observações de Crabtree em sua investigação, a produção de uma pílula custa cerca de 15 centavos de dólar e é rentável, apesar de seu preço no mercado ser variável, dependendo do país: na Síria, custa entre 5 e 10 dólares; na Jordânia, pode ir até 29 dólares; e alcança 50 dólares no sul da península Arábica.

Desde a Síria, a proximidade com os principais mercados de destino também ajuda. A isto se soma a crescente demanda interna do país, que oferece fontes altamente rentáveis com um baixo risco de interceptação, devido às debilidades na aplicação das leis.

Mais ainda, nesse país não só o crime organizado se beneficia desse tráfico, mas também atores estatais e não estatais díspares. (2) Destacando-se o Estado Islâmico (EI), que não deixa pistas de sua participação nesse mercado.

"Serem vistos apoiando ativamente o tráfico significaria graves implicações nos seus esforços de propaganda", destaca Sergio Moya, coordenador do Centro de Estudos do Oriente Médio, na Costa Rica. Acrescenta que o grupo divulga esforços ocasionais para demonstrar que está contra o narcotráfico: em março de 2016 executou cinco traficantes e teria tentado destruir plantações de cannabis descobertas em seu território.

A teoria de Crabtree é que, em função da queda nos preços do petróleo, os atores do conflito na Síria necessitam acesso a fontes novas e facilmente exploráveis de subvenção. O Captagon atende esse propósito e tem um efeito perverso: os soldados e rebeldes que o consomem se convertem em máquinas de guerra sem escrúpulos.

Mas há mais: "seis milhões de migrantes sírios refugiados em países vizinhos são uma comunidade de risco para o consumo de drogas e atuam como 'mulas' para pagar suas viagens a países europeus", aponta o especialista.

O Captagon, por exemplo, lhes tira o cansaço, a sede, e justo agora, quando se aproxima um violento inverno no Oriente Médio, poderá tornar-se elemento de primeira necessidade.
Em resumo, há uma guerra, uma droga e consumidores em todos os bandos. O que menos interessa aos traficantes é a proximidade da paz.


Uma Droga de Guerra

Em todos os países em conflito da África e Oriente Médio onde esteve Camilo Kuan, especialista em saúde pública e drogas, as anfetaminas são mais comuns do que se acredita. "No norte da Síria, na fronteira com a Turquia, nas zonas muçulmanas da África, se cortam os alimentos, o abastecimento de gás e água. As pessoas sentem medo e devem fazer grandes deslocamentos, por isso as drogas se tornam o melhor amigo dos guerreiros e dos sofredores", afirma. 

De acordo com Hassan Turk, especialista em Oriente Médio, os grandes movimentos de populações, pelas migrações derivadas de conflitos armados, propiciam formas de transporte de drogas.
"Agora é mais fácil que antes. Entre migrantes e refugiados sírios há inocentes, mas também terroristas e traficantes, que aproveitam uma fronteira débil com a Turquia para movimentar um mercado negro que não percebemos."

Quando se formar algum tipo de acordo de paz na Síria será crucial desmantelar atividades ilícitas como oCaptagon. Sem que isto fique claro, conclui Crabtree, "o narcotráfico criará instabilidade a longo prazo e atuará como um impedimento à paz e ao desenvolvimento".
Sem uma adequada intervenção dos governos, o Captagon seguirá sendo um monstro invisível no Oriente Médio. As consequências são indefiníveis a longo prazo. E Síria já as sofre diariamente.


Observações

(1) A Produção é Muito Simples

O Captagon se produz de maneira clandestina e simples: só se necessitam laboratórios caseiros e precursores químicos. Enquanto as substâncias base para fabricar esta droga são muitas vezes obtidas diretamente dos fabricantes, ostraficantes de anfetaminas também compram ou roubam grandes quantidades de medicamentos para a tosse das companhias farmacêuticas ou farmácias que contenham norefedrina ou outros precursores similares. As pílulas medicinais são dissolvidas e reutilizadas em laboratórios clandestinos para criar comprimidos de anfetaminas, como oCaptagon.

(2) Os Que Estão Detrás do Tráfico:

- Exército Sírio Livre e Forças Rebeldes Moderadas

Não só usam, mas também se beneficiam do tráfico de Captagon, segundo se pode identificar nas apreensões da droga, que mostram percursos desde a província de Hatay, onde esses grupos rebeldes exercem controle.
Apesar disso não significar necessariamente uma participação ativa e direta no mercado, de acordo com o grupo de investigações sobre Crime Organizado, Global Initiative, porém isso é muito provável: a droga proporciona uma fonte segura de financiamento para esses atores, sobretudo quando suas formas de sustentação mais tradicionais, como o petróleo e a extorsão, proporcionam escassos retornos, atualmente, aos grupos nesta parte da Síria.

- O Regime Sírio

Apesar do vínculo direto entre o tráfico de drogas e o regime não ser totalmente claro, Global Initiative evidencia que muitos dos grandes apresamentos realizados na Turquia e na Jordânia, e os confiscos marítimos frente às costas da Líbia, a partir de 2016, eram originárias de zonas sob completo controle do regime.
Além disso, a ausência de arrestos, desde 2011, no Aeroporto Internacional de Damasco, sugere acordos entre traficantes e o regime. Síria vem mantendo uma forte economia ilícita desde muitos anos. E isto pode ter sido agravado pelo alto índice oficial de desemprego e pela crise econômica: o Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzido em 15,4% em somente quatro anos, até 55,8 milhões de dólares em 2014.

- O Estado Islâmico

A extinta repartição russa contra o narcotráfico, FSKN, informou em 2014 que o grupo Estado Islâmico auferiu mais de um bilhão de dólares com o tráfico de drogas e produção das mesmas. Ainda que não esteja claro para Global Initiative que os terroristas sejam exportadores de drogas, definitivamente há uma relação conflitiva com o narcotráfico.
Frequentemente são descobertas nos uniformes de combatentes mortos, bolsas com pílulas que são usadas como uma espécie de recurso de combate para fazer frente ao trauma e também como sedante. Mas o grupo tem uma dupla moral que se manifesta quando os traficantes capturados dentro de seu território, frequentemente são executados, conforme é mostrado nos seus vídeos de propaganda terrorista.

¿Como se Move o Captagon?


- Quando os envios são marítimos, vão através do Canal de Suez até os portos na Península Arábica ou na África Oriental. Também a partir da Turquia, para portos na costa mediterrânea.

- Por terra, para o sul, se move desde as zonas rebeldes da Síria até a fronteira terrestre com a Jordânia.

- Por terra, desde o oeste da Síria, sai para a Península Arábica através do Líbano.

- Há poucas provas de que o Captagon seja transladado em grandes quantidades desde a Síria, diretamente ao Iraque, por falta de segurança territorial para um tráfico consistente.

Encerrando

O tráfico do Captagon desde a Síria para o resto do Oriente Médio e África Oriental está sendo pouco tratado pelas autoridades e requer atenção para que se alcance a paz nesse país.



19 de dezembro de 2016
Mariana Escobar Roldán
in mujahdin cucaracha
Fonte: tradução livre de El Colombiano

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