"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

PEC 241 NÃO É PECADO. É PENITÊNCIA

Desconforta saber que pecados de governantes levam o povo à penitência

Essa proposta de emenda constitucional (PEC) recentemente passou em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Na sua essência, estabelece um teto para o aumento do total das despesas primárias do governo federal. São as que excluem os juros da dívida – uma despesa enorme – e outros encargos financeiros de menor magnitude. O teto se instalaria em 2017, e determinado pelas despesas primárias pagas em 2016, incluídos restos a pagar quitados, e demais operações que afetam o resultado primário, corrigidas em 7,2%. A partir de 2018 a correção seria pela taxa do IPCA no período de 12 meses encerrado em junho do ano anterior.

Em síntese, uma correção pela inflação, o que é um risco, pois a arrecadação pode não aumentar tanto. Outro limite poderia ter sido a taxa desse crescimento, a que fosse menor. Na discussão na Câmara, os gastos em educação e saúde foram preservados de cortes, mas seus pisos só poderiam aumentar em termos reais se reduzidas outras despesas.

Ainda que com imperfeições, a PEC é um inaudito e bem-vindo ajuste fiscal pelas despesas. A prática usual era aumentá-las sem maior cuidado e, até onde possível, financiadas por mais impostos e endividamento. No período 2008-2015 as despesas primárias subiram 51% acima da inflação e a receita, apenas 14,5%.

Em 2014 e 2015 a “gerentona” Dilma agravou muito o desequilíbrio, no primeiro ano com gastança eleitoreira que levou então a um insólito déficit primário. Ou seja, um em que o governo fica sem dinheiro até para pagar parte dos juros de sua dívida, estes “honrados” com endividamento adicional, assim como o déficit primário, o que se repetiu com maior vigor em 2015 e 2016, ampliando fortemente a dívida pública.

As piores sequelas desse desastre vieram rápida e cumulativamente. Disseminou-se o medo quanto a que poderia levar, como à insolvência do governo, o maior ente da economia. Com isso se retraíram decisões de investir e consumir, a economia entrou em recessão, caíram as receitas tributárias e a situação ficou ainda pior.

O forte desequilíbrio fiscal foi o pecado e, agora, deve vir a PEC como penitência. Quem o cometeu jamais o confessou. Pior, pecou novamente ao mentir com sua narrativa de que nada fez de errado. E houve quem acreditasse nessa conversa, alguns até se contorcendo para dar-lhe frágeis fundamentos jurídicos. Desconforta saber que não é a primeira vez na História, nossa e mundial, que pecados de governantes levam o povo à penitência.

Pecado porque violou mandamentos da boa gestão financeira, pessoal, empresarial ou governamental, em particular o que prega moderação nos déficits orçamentários e no endividamento. Lembra também um pecado capital, a gula, pois o que houve aqui dá razão ao que disse Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA: “O governo é como um bebê, um tubo digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra”. Como nunca antes neste país, o nosso se comportou como um bebê guloso de enormes dimensões. E sem trocar a fralda.

Alternativas à PEC? Há quem ainda proponha aumentar impostos, mas mesmo políticos que fizeram isso reconhecem que a carga tributária já é pesada demais. E os “contribuintes”, a quem chamo de tributados, já sentem isso e execrarão eleitoralmente quem optar por esse caminho.

Saudosistas da “nova política econômica”, que no governo Dilma balizou o desastre fiscal, seguem inebriados por ideias de um famoso economista, Keynes, que pregava mais gastos públicos para estimular economias em recessão. Mas não aprenderam ou se esqueceram de que uma coisa é fazer isso numa economia como a americana, cujo governo emite dólares, e com dívida sob controle; aqui, esse caminho agravaria a recessão, amedrontando ainda mais os consumidores, investidores e o mercado financeiro nas suas avaliações e tomadas de decisões.

A PEC 241 diz ter como objetivo um novo regime fiscal, o que sobre-estima sua amplitude e seu impacto. Para se credenciar como tal precisaria ser seguida por outras medidas. A mais importante e urgente é reformar a Previdência Social, pois com a população envelhecendo, e várias distorções nos seus benefícios, suas despesas continuarão subindo acima da inflação. Com o teto da PEC 241, outras precisariam ser reduzidas, com novas distorções nos gastos.

Num autêntico regime fiscal novo, caberia corrigir várias outras distorções. Entre elas, a excessiva concentração de recursos tributários na União, a ausência de uma avaliação caso a caso de custos e benefícios dos gastos públicos, os ínfimos investimentos públicos, o excessivo peso dos impostos indiretos – como sobre produção e vendas, que oneram com maior força os segmentos mais pobres da população –, os supersalários no governo, vários privilégios tributários e o acesso a serviços públicos por quem pode custeá-los, com nas universidades.

Como toda penitência, a PEC 241 também pode trazer outros benefícios, pois deverá levar a uma grande reflexão sobre o que aumentar e o que diminuir no contexto de um teto para o total das despesas primárias, ensejando a correção de distorções fiscais como as citadas.

Mas existe um excesso delas e não há como arrumar várias numa mesma PEC. Ademais, ampliar a 241 prejudicaria a sua urgência e só aumentaria o exército de seus opositores. Assim, é melhor não mexer no seu texto e lutar para que chegue rapidamente à promulgação. E que venham outras medidas como as citadas.

Vivemos hoje um momento que lembra com esperança o que disse Winston Churchill, em 1936: “Devido a negligências no passado, apesar de claras advertências, entramos num período perigoso. A era da procrastinação, de meias medidas, de atrasos que aliviavam e enganavam está chegando ao final. No seu lugar, estamos adentrando um período de consequências. Não podemos evitá-lo”.


21 de outubro de 2016
Roberto Macedo, Estadão
Economista (UFMG, Usp e Harvard), consultor econômico e de ensino superior

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