O autor do livro, Coronel-General do Exército Soviético DMITRI VOLKOGONOV (1928-1995) teve total acesso aos arquivos do Partido Comunista da URSS.
Oficial da arma de Propaganda, responsável pelas publicações militares e pela instrução política na Academia Militar, foi assessor de Segurança Nacional de Boris Yeltsin. Escreveu “Lenin, Trotsky e os Sete Líderes”, uma breve história dos chefes da União Soviética de Lenin a Gorbachev.
Este prefácio foi escrito por HAROLD SHUKMAN, St Antony’s College, Oxford, Agosto de 1990.
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A História Soviética Escrita, como a própria União Soviética, passa no momento pelas mais profundas mudanças. Praticamente todo princípio e axioma dos últimos 60 anos foi contestado e rejeitado. Acadêmicos soviéticos radicais já começam, inclusive, a desfolhar a coroa dourada do halo de Lenin, e muitos afirmam que a doutrina marxista dos meados do Século XIX é irrelevante para as necessidades dos dias presentes.
Essa nova tendência de desvendar a verdade começou em 1956, quando Kruschev pronunciou seu “discurso secreto” no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, condenando Stalin pelos expurgos sangrentos dos anos 1930. Mas essa fase durou pouco, porque o regime de Brejnev, apenas interessado em si mesmo e temendo solapar sua própria legitimidade deu fim ao debate. Nada mais pôde ser dito sobre o assunto (exceto pelos dissidentes) até que a gerontocracia se extinguiu. Por volta de 1985, Brejnev, Andropov e Chernenko já tinham deixado o palco e uma nova geração personificada por um Gorbachev com 54 anos de idade estava no limiar do Poder. Vinham homens galvanizados em 1856 com a crença que o sistema podia ser reformado, modernizado e tornado eficiente, que trouxeram a público as idéias que nutriram por trinta anos. A União Soviética entrou no período de suaperestroika ou reconstrução.
Vacilante, depois com maior confiança, o novo regime apresentou também a glasnost – a transparência – que afinal significa dizer a verdade, dar fim à prática stalinista de manipular a opinião pública com mentiras de todo tipo, e abrir perante o público assuntos que o Partido sempre considerou de sua exclusiva responsabilidade e não-partilháveis. A transparência teve início na primavera de 1986 com o desastre da usina elétrica nuclear de Chernobyl, que se alastrou sobre a vida de europeus ocidentais e arrancou uma franqueza inusitada das autoridades soviéticas. Surgida uma fresta na cortina, tendo o Estado admitido suas imperfeições pela primeira vez, intelectuais soviéticos começaram atestar cautelosamente o novo clima. Manuscritos que dormiam havia muito tempo nas gavetas foram tirados e oferecidos aos editores, que ainda estava longe de saber da reação que provocariam quando fossem publicados. A censura ainda vigorava e, aliás, permaneceu, pelo menos nominalmente, até o verão de 1990. Mas os autores, antes encorajados pelo espírito de 1956 a escrever com fidelidade sobre 1917 e os anos seguintes, começaram a se manifestar.
Anatoly Rybakov não soube até abril de 1987 se seu romance – escrito vinte anos antes – sobre Stalin, Children of the Arbat seria publicado na União Soviética, mas o foi, e, aos poucos, memórias e livros de não-ficção começaram a aparecer. Nos primeiros meses de 1988, principiando com Nikolai Bukharin, os bolcheviques da velha guarda, exterminados por Stalin como “inimigos do povo” foram reabilitados postumamente e seus julgamentos oficialmente denunciados como feitos com base em provas falsas. Nomes de não-pessoas puderam ser mencionados sem provocar represálias, e o processo vem se mantendo incólume desde então, culminando no início de 1990 com um debate aberto e não-ideológico sobre Trotsky.
Já era tempo de aparecer um estudo competente e bem documentado sobre Stalin e sua época. Até há um ano ou dois, a maior parte das revelações não era feita por historiadores profissionais, mas por jornalistas e escritores e, na verdade, os historiadores, para quem os arquivos continuavam – e, em boa parte, continuam – fechados, criticavam-se por esse estado de coisas. Porém Dmitri Volkogovov não era um membro típico daintelligentzia: tratava-se de um coronel general responsável pela educação política do Exército e por suas atividades editoriais. Nessa posição, vinha tendo acesso raro aos arquivos, conversava com chefes do partido e com militares dos altos escalões, de há muito aposentados, com experiências pessoais da era de Stalin, dos julgamentos e expurgos, do ambiente no quartel-general durante a guerra, do comportamento pessoal de Stalin e de sua vida familiar.
Entre os acervos de arquivos que Volkogonov usou neste livro, o mais importante é o do Partido Comunista, depositado no Instituto de Marxismo-Leninismo. Aqui, pela primeira vez, tem-se um lampejo, entre outras coisas, dos debates havidos nas plenárias do Comitê Central durante o período e que, melhor do que qualquer outro documento, dão um sabor do ambiente que imperava na chefia. Os arquivos do Exército e da NKVD proporcionam uma imagm única da mentalidade e do comportamento dos comandantes militares e altos membros do aparato comunista. Entrevistas com auxiliares de Stalin e suas famílias acrescentam muito ao nosso conhecimento de como Stalin vivia.
Chega a dar um frio na espinha ler seus comentários lacônicos sobre as listas de sentenças de morte que lhes eram apresentadas pelos assistentes e sua total desconsideração pelos mais angustiantes de pedidos de clemência a ele enviados por pessoas diversas como uma solitária camponesa e o teórico favorito de Lenin, Nikolai Bukharin. Volkogonov examinou a biblioteca pessoal de Stalin e fez uso das anotações à margem dos livros e dos trechos sublinhados, de modo a lançar mais luz sobre o modo de pensar de Stalin. Enquanto outros historiadores soviéticos continuam batendo às portas do arquivos, para eles firmemente trancadas, é de duvidar que outro livro com tão vasta e rica coleção de documentos venha a ser escrito sobre esse período.
Nascido em 1928 em Chita, na Sibéria Oriental, Volkogonov é filho de um técnico em agricultura e de uma professora. Em 1937 seu pai foi preso e, soube ele depois, fuzilado. O restante a família foi então mandado ao exílio, em Krasnoyarsk, na Sibéria Ocidental. Em 1845, Volkogonov alistou-se no Exército e, a despeito do seu passado politicamente duvidoso, rapidamente progrediu na carreira, entrando na Academia Militar Lenin em 1961, onde se formou e chegou ao magistério. Transferido em 1970 para o Departamento de Propaganda do Exército, adquiriu a reputação de linha-dura que advogava a doutrinação ideológica do Exército, e escreveu numerosos livros sobre o assunto.
No entanto, ao mesmo tempo, ele colhia material para um livro sobre a era de Stalin, que não se limitaria a jogar a culpa no ditador e em seus acólitos. Em vez disso, identificaria como causa da perigosa situação da União Soviética, a combinação letal do comunismo autoritário de Lenin com a implacável impulsão de Stalin pela onipotência pessoal, e sua criminosa manipulação das rivalidades internas e da inércia do Partido, mais o caráter passivo dos russos, seu amor por líderes fortes, sua ignorância da democracia, e sua ausência de autonomia pessoal.
Como muitas das figuras mais radicais da vida pública soviética, Volgokonov admitiu em público não mãos acreditar nos dogmas e mitos que antes aceitara cegamente. Reconhece que não emergiu, como os dissidentes que admira, um advogado ostensivo da verdade e da justiça. A exemplo de muitos outros que estão na linha de frente do movimento de reforma, também aceita ter vivido duas vidas mentais, perseguindo uma carreira na educação militar, enquanto reunia subsídios nos desvãos do passado tão assiduamente como qualquer dissidente perseguido. Começou a escrever seu livro em 1978 e completou a primeira parte em 1985.
Tal grau de desamor não poderia continuar por muito tempo sem conseqüências. Em 1985, ele foi alertado de que sua pesquisa histórica era incompatível com o trabalho que fazia na administração política central, e que ele teria que optar por uma ou outra atividade. Escolheu tornar-se diretor do Instituo de História Militar do Exército, onde completou seu livro sobre Stalin. Lá compilou também detalhes completos sobre os expurgos no Corpo de Oficiais, e reuniu documentos até então inéditos paa um estudo em grande escala sobre Trotsky. Prepara-se para encetar uma reinterpretação de Lenin.
Uma das mais surpreendentes características da nova cena soviética tem sido o surgimento de jornalistas e historiadores. De economistas e físicos, de filósofos, músicos e poetas como políticos radicais, muitos deles membros do partido, que se tomaram de inspiração nos anos de 1950, mas mantiveram a cabeça baixa durante a era Brejnev. Como eles, mas singular entre os militares mais antigos, Volkonogov, deputado do povo no Parlamento russo, esposou abertamente a filosofia da democracia liberal, a economia de mercado e uma nova Carta livremente negociada de união das repúblicas, ou de sua independência, se assim preferirem. Em julho de ‘1990, pediu a condenação oficial dos crimes de Stalin, e, de fato, um mês depois, o governo soviético expediu um decreto condenando Stalin por “violar os direitos básicos sociais e econômicos do povo soviético e por privá-lo das liberdades que a sociedade democrática considera naturais e inalienáveis”.
Quanto ao Partido Comunista, Volkogonov considera que lhe falta capacidade para se adaptar ao regime democrático e que perdeu a iniciativa política para grupos democráticos mais em sintonia com as necessidades do povo, e chamou a atenção durante o XXVIII Congresso, em julho de 1990, para o fato de que, se o Partido não se harmonizasse com os princípios gêmeos do império da lei e do primado da democracia, e fracassasse ante o desafio de competir pelo Poder em igualdade de condições com os demais partidos, estaria fadado ao mesmo destino dos Partidos Comunistas da Europa Oriental em 1989.
O tema sobre o qual Volkogonov fundamenta tanto seu livro como sua atividade como político é o da sua consciência. O fracasso em exercitar a consciência levou os bolcheviques a privarem o povo de poder, ao se alinharem com a idéia ruidosamente falsa de Stalin de estar servindo à causa do socialismo e a tolerarem os mais horrendos crimes cometidos, na história da Rússia, contra a sociedade.
Hoje, o teste da consciência na União Soviética é ser capaz de admitir que as conquistas do país nos últimos 70 anos, tais como são, poder-se-iam conseguir e, na verdade, superar, por métodos diferentes, políticas distintas, líderes outros, e que qualquer dessas alternativas teria conseguido o regime comunista à marginalidade utópica.
30 de setembro de 2016
Este prefácio foi escrito por HAROLD SHUKMAN, St Antony’s College, Oxford, Agosto de 1990.
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A História Soviética Escrita, como a própria União Soviética, passa no momento pelas mais profundas mudanças. Praticamente todo princípio e axioma dos últimos 60 anos foi contestado e rejeitado. Acadêmicos soviéticos radicais já começam, inclusive, a desfolhar a coroa dourada do halo de Lenin, e muitos afirmam que a doutrina marxista dos meados do Século XIX é irrelevante para as necessidades dos dias presentes.
Essa nova tendência de desvendar a verdade começou em 1956, quando Kruschev pronunciou seu “discurso secreto” no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, condenando Stalin pelos expurgos sangrentos dos anos 1930. Mas essa fase durou pouco, porque o regime de Brejnev, apenas interessado em si mesmo e temendo solapar sua própria legitimidade deu fim ao debate. Nada mais pôde ser dito sobre o assunto (exceto pelos dissidentes) até que a gerontocracia se extinguiu. Por volta de 1985, Brejnev, Andropov e Chernenko já tinham deixado o palco e uma nova geração personificada por um Gorbachev com 54 anos de idade estava no limiar do Poder. Vinham homens galvanizados em 1856 com a crença que o sistema podia ser reformado, modernizado e tornado eficiente, que trouxeram a público as idéias que nutriram por trinta anos. A União Soviética entrou no período de suaperestroika ou reconstrução.
Vacilante, depois com maior confiança, o novo regime apresentou também a glasnost – a transparência – que afinal significa dizer a verdade, dar fim à prática stalinista de manipular a opinião pública com mentiras de todo tipo, e abrir perante o público assuntos que o Partido sempre considerou de sua exclusiva responsabilidade e não-partilháveis. A transparência teve início na primavera de 1986 com o desastre da usina elétrica nuclear de Chernobyl, que se alastrou sobre a vida de europeus ocidentais e arrancou uma franqueza inusitada das autoridades soviéticas. Surgida uma fresta na cortina, tendo o Estado admitido suas imperfeições pela primeira vez, intelectuais soviéticos começaram atestar cautelosamente o novo clima. Manuscritos que dormiam havia muito tempo nas gavetas foram tirados e oferecidos aos editores, que ainda estava longe de saber da reação que provocariam quando fossem publicados. A censura ainda vigorava e, aliás, permaneceu, pelo menos nominalmente, até o verão de 1990. Mas os autores, antes encorajados pelo espírito de 1956 a escrever com fidelidade sobre 1917 e os anos seguintes, começaram a se manifestar.
Anatoly Rybakov não soube até abril de 1987 se seu romance – escrito vinte anos antes – sobre Stalin, Children of the Arbat seria publicado na União Soviética, mas o foi, e, aos poucos, memórias e livros de não-ficção começaram a aparecer. Nos primeiros meses de 1988, principiando com Nikolai Bukharin, os bolcheviques da velha guarda, exterminados por Stalin como “inimigos do povo” foram reabilitados postumamente e seus julgamentos oficialmente denunciados como feitos com base em provas falsas. Nomes de não-pessoas puderam ser mencionados sem provocar represálias, e o processo vem se mantendo incólume desde então, culminando no início de 1990 com um debate aberto e não-ideológico sobre Trotsky.
Já era tempo de aparecer um estudo competente e bem documentado sobre Stalin e sua época. Até há um ano ou dois, a maior parte das revelações não era feita por historiadores profissionais, mas por jornalistas e escritores e, na verdade, os historiadores, para quem os arquivos continuavam – e, em boa parte, continuam – fechados, criticavam-se por esse estado de coisas. Porém Dmitri Volkogovov não era um membro típico daintelligentzia: tratava-se de um coronel general responsável pela educação política do Exército e por suas atividades editoriais. Nessa posição, vinha tendo acesso raro aos arquivos, conversava com chefes do partido e com militares dos altos escalões, de há muito aposentados, com experiências pessoais da era de Stalin, dos julgamentos e expurgos, do ambiente no quartel-general durante a guerra, do comportamento pessoal de Stalin e de sua vida familiar.
Entre os acervos de arquivos que Volkogonov usou neste livro, o mais importante é o do Partido Comunista, depositado no Instituto de Marxismo-Leninismo. Aqui, pela primeira vez, tem-se um lampejo, entre outras coisas, dos debates havidos nas plenárias do Comitê Central durante o período e que, melhor do que qualquer outro documento, dão um sabor do ambiente que imperava na chefia. Os arquivos do Exército e da NKVD proporcionam uma imagm única da mentalidade e do comportamento dos comandantes militares e altos membros do aparato comunista. Entrevistas com auxiliares de Stalin e suas famílias acrescentam muito ao nosso conhecimento de como Stalin vivia.
Chega a dar um frio na espinha ler seus comentários lacônicos sobre as listas de sentenças de morte que lhes eram apresentadas pelos assistentes e sua total desconsideração pelos mais angustiantes de pedidos de clemência a ele enviados por pessoas diversas como uma solitária camponesa e o teórico favorito de Lenin, Nikolai Bukharin. Volkogonov examinou a biblioteca pessoal de Stalin e fez uso das anotações à margem dos livros e dos trechos sublinhados, de modo a lançar mais luz sobre o modo de pensar de Stalin. Enquanto outros historiadores soviéticos continuam batendo às portas do arquivos, para eles firmemente trancadas, é de duvidar que outro livro com tão vasta e rica coleção de documentos venha a ser escrito sobre esse período.
Nascido em 1928 em Chita, na Sibéria Oriental, Volkogonov é filho de um técnico em agricultura e de uma professora. Em 1937 seu pai foi preso e, soube ele depois, fuzilado. O restante a família foi então mandado ao exílio, em Krasnoyarsk, na Sibéria Ocidental. Em 1845, Volkogonov alistou-se no Exército e, a despeito do seu passado politicamente duvidoso, rapidamente progrediu na carreira, entrando na Academia Militar Lenin em 1961, onde se formou e chegou ao magistério. Transferido em 1970 para o Departamento de Propaganda do Exército, adquiriu a reputação de linha-dura que advogava a doutrinação ideológica do Exército, e escreveu numerosos livros sobre o assunto.
No entanto, ao mesmo tempo, ele colhia material para um livro sobre a era de Stalin, que não se limitaria a jogar a culpa no ditador e em seus acólitos. Em vez disso, identificaria como causa da perigosa situação da União Soviética, a combinação letal do comunismo autoritário de Lenin com a implacável impulsão de Stalin pela onipotência pessoal, e sua criminosa manipulação das rivalidades internas e da inércia do Partido, mais o caráter passivo dos russos, seu amor por líderes fortes, sua ignorância da democracia, e sua ausência de autonomia pessoal.
Como muitas das figuras mais radicais da vida pública soviética, Volgokonov admitiu em público não mãos acreditar nos dogmas e mitos que antes aceitara cegamente. Reconhece que não emergiu, como os dissidentes que admira, um advogado ostensivo da verdade e da justiça. A exemplo de muitos outros que estão na linha de frente do movimento de reforma, também aceita ter vivido duas vidas mentais, perseguindo uma carreira na educação militar, enquanto reunia subsídios nos desvãos do passado tão assiduamente como qualquer dissidente perseguido. Começou a escrever seu livro em 1978 e completou a primeira parte em 1985.
Tal grau de desamor não poderia continuar por muito tempo sem conseqüências. Em 1985, ele foi alertado de que sua pesquisa histórica era incompatível com o trabalho que fazia na administração política central, e que ele teria que optar por uma ou outra atividade. Escolheu tornar-se diretor do Instituo de História Militar do Exército, onde completou seu livro sobre Stalin. Lá compilou também detalhes completos sobre os expurgos no Corpo de Oficiais, e reuniu documentos até então inéditos paa um estudo em grande escala sobre Trotsky. Prepara-se para encetar uma reinterpretação de Lenin.
Uma das mais surpreendentes características da nova cena soviética tem sido o surgimento de jornalistas e historiadores. De economistas e físicos, de filósofos, músicos e poetas como políticos radicais, muitos deles membros do partido, que se tomaram de inspiração nos anos de 1950, mas mantiveram a cabeça baixa durante a era Brejnev. Como eles, mas singular entre os militares mais antigos, Volkonogov, deputado do povo no Parlamento russo, esposou abertamente a filosofia da democracia liberal, a economia de mercado e uma nova Carta livremente negociada de união das repúblicas, ou de sua independência, se assim preferirem. Em julho de ‘1990, pediu a condenação oficial dos crimes de Stalin, e, de fato, um mês depois, o governo soviético expediu um decreto condenando Stalin por “violar os direitos básicos sociais e econômicos do povo soviético e por privá-lo das liberdades que a sociedade democrática considera naturais e inalienáveis”.
Quanto ao Partido Comunista, Volkogonov considera que lhe falta capacidade para se adaptar ao regime democrático e que perdeu a iniciativa política para grupos democráticos mais em sintonia com as necessidades do povo, e chamou a atenção durante o XXVIII Congresso, em julho de 1990, para o fato de que, se o Partido não se harmonizasse com os princípios gêmeos do império da lei e do primado da democracia, e fracassasse ante o desafio de competir pelo Poder em igualdade de condições com os demais partidos, estaria fadado ao mesmo destino dos Partidos Comunistas da Europa Oriental em 1989.
O tema sobre o qual Volkogonov fundamenta tanto seu livro como sua atividade como político é o da sua consciência. O fracasso em exercitar a consciência levou os bolcheviques a privarem o povo de poder, ao se alinharem com a idéia ruidosamente falsa de Stalin de estar servindo à causa do socialismo e a tolerarem os mais horrendos crimes cometidos, na história da Rússia, contra a sociedade.
Hoje, o teste da consciência na União Soviética é ser capaz de admitir que as conquistas do país nos últimos 70 anos, tais como são, poder-se-iam conseguir e, na verdade, superar, por métodos diferentes, políticas distintas, líderes outros, e que qualquer dessas alternativas teria conseguido o regime comunista à marginalidade utópica.
30 de setembro de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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