"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

OS EUFEMISMOS

O ex-ministro Nelson Barbosa admitiu que houve operação de crédito entre a Caixa e o governo, mas em 2014. Já a dívida de R$ 55 bilhões nos outros bancos ele negou que fosse operação de crédito. Prefere chamar de “inadimplemento”. 
E acrescentou: “Sempre falo a verdade e pago o preço por isso. Sempre defendi que se pagassem esses passivos”, disse ele.

Ou seja, os passivos existiam, só não eram “operação de crédito”. A expressão é rejeitada com argumentos pedestres. Seria crédito, diz ele, se houvesse contrato entre o governo e a instituição financeira, ou se os bancos tivessem pegado recursos e depositado na conta única do Tesouro.

Ora, ora. A Lei de Responsabilidade Fiscal proibiu empréstimo para que os bancos públicos não fossem usados para financiar o governo, como ocorria no passado hiperinflacionário. 
Quando se atrasa o pagamento de um total de R$ 55 bilhões aos bancos, só com muito eufemismo se pode evitar a expressão usada pela lei, porque evidentemente o governo está sendo financiado. 
O Tesouro está deixando no caixa único dinheiro devido aos bancos. É por isso que a lei fala de “outras operações assemelhadas”.

Com a Caixa, o ex-ministro disse que foi diferente e admite o empréstimo:

— Poderia se falar de operação de crédito naqueles atrasos referentes ao Bolsa Família, ao seguro desemprego, mas isso é questão de 2014, não é objeto desse procedimento.

A verdade é que o governo pagou primeiro a Caixa e só no fim do ano os outros bancos. Mas durante meses de 2015 se arrastou essa dívida que vinha do ano anterior e chegou a R$ 6 bilhões. Mesmo assim, em setembro de 2015, a Caixa ainda brigava com o governo na Justiça para receber o que não havia recebido na execução do PAC.

A defesa da presidente Dilma tem sido mais diligente do que seus adversários em firmar alguns pontos. São sofismas, mas são apresentados com determinação, para se preparar o discurso a ser usado eleitoralmente. 
Um dos argumentos foi repetido ontem: Dilma está sendo derrubada para se acabar com programas sociais como o Pronatec. 
A verdade: o programa de bolsas de cursos técnicos foi quase todo desmontado em 2015, pela própria Dilma. Depois de usar o Pronatec eleitoralmente, o programa teve 60% de corte em 2015.

O desempenho dos defensores do impeachment é sofrível. Eles ou abrem mão de falar para que tudo ande mais rápido —e o presidente interino vá como efetivo à China — ou quando falam são capazes de elogiar o que deveriam criticar. 

O senador Aécio Neves foi um dos poucos a usar a contundência que o momento pede de quem acusa num processo sério como esse. 
Lembrou que o TCU em 2013 e 2014 alertou sobre o uso da contabilidade criativa nas contas públicas, das críticas de técnicos do Tesouro e perguntou se ele não se sente responsável pela tragédia econômica. 
Barbosa disse que saiu do governo em maio de 2013 e que, no governo, sempre defendeu correções e pagamento desses passivos: 
— Me sinto honrado de ter resolvido esse problema. O ex-ministro admite que Dilma pegou empréstimos junto a bancos públicos em 2014, mas afirmando que em 2015, ano pelo qual ela está sendo julgada, foi o da correção. 
Só que a lei também proíbe empréstimo em último ano de mandato. 
O que permite o ex-ministro admitir o erro de 2014 é a ajuda dada à defesa de Dilma pelo deputado Eduardo Cunha, que limitou a discussão apenas ao que ocorreu em 2015. No ano passado, de fato, o governo corrigiu as pedaladas de 2014, mas elas eram tantas que houve acumulação de passivo até de 2015. A grande irresponsabilidade fiscal foi cometida em 2014, no ano eleitoral. E aí está o pior da má-fé.

A discussão é árida, mas por ela passam conceitos valiosos ao país, estacas montadas na época da luta contra a hiperinflação. A defesa de Dilma defende que a única meta válida é a do fim do ano de 2015, mas, se for assim,a meta passa a ser a constatação a posteriori do resultado. Ela perde o valor.

Um dos fatos que derrubou a economia em 2015, admitiu Barbosa, foi o tarifaço de energia. Mas ele também foi produzido quando o governo Dilma segurou os preços para ajudar na campanha eleitoral. O grande debate é até que ponto um governo pode manipular a economia e distorcer a lei fiscal para ganhar eleição?



30 de agosto de 2016
Miriam Leitão, O Globo

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