Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações
Por que a didática e a pedagogia não se preocupam, mesmo antes da alfabetização das crianças, em ministrar-lhes princípios elementares de cosmologia, biologia e antropologia? Essa visão inicial, certamente, daria ao ser humano maior consciência de sua mínima e verdadeira condição diante da magnitude do Universo, além de situá-lo de maneira mais conveniente dentro da biosfera, do convívio mais harmônico com as demais espécies e com a nossa própria, traduzindo de modo mais claro a condição do indivíduo diante da coletividade. Como a política decorre da organização da sociedade humana, desde a horda, certamente essa abordagem holística haveria de contribuir para um melhor entendimento dos interesses econômicos e sociais que se movimentam em seu tabuleiro.
A aventura da espécie humana, depois do surgimento do homo sapiens, desde seus primórdios, examina o Cosmo a partir de uma visão individualista e pouco pragmática. Ou seja, do particular fragmentário e reducionista, para um hipotético todo. E não o inverso, como deveria, do geral para o particular. Isso dificulta enormemente o entendimento desse todo, pela recomposição cartesiana das partes. Transforma a educação num confuso puzzle, com suas peças embaralhadas. O físico nuclear Fritjof Capra, por exemplo, entende que essa fragmentação reducionista é a responsável por forte distorção da relação do homem com o restante da Natureza e do Cosmo.
A cosmologia, nesse sentido, é a abordagem ideal, porque transita sempre entre metafísica e dialética. Mas é inquestionável que o número de energias cósmicas e telúricas que desconhecemos é incomensurável e pouquíssimo estudado pela ciência cartesiana. O que tem feito essa ciência é fragmentar a realidade anterior e reapresentá-la sob suas fórmulas incompletas e precárias. A água da fonte é cristalina e potável, independentemente de se saber se o seu pH é neutro, alcalino ou ácido. Sai da floresta e faz bem às bocas e aos corpos sedentos. Igualmente a antropologia, no estudo da nossa espécie, faz a ponte entre criacionismo e evolucionismo, tal como a cosmologia faz entre metafísica e dialética.
Não é diferente com a ciência política. Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações, como esse papel do indivíduo na coletividade, citado anteriormente. Turva-se o olhar para a própria substância da política, que é o bem coletivo, perversamente, em favor do ator/personagem/indivíduo que aspira ao poder, gerando aberrações como o culto da personalidade, primeiro passo para a criação de sistemas autoritários, carismáticos, voluntaristas e despóticos. Vide o caso Trump! A própria mídia padece desse entendimento perverso e transita nessa falsa senda. As manchetes contemplam nomes de atores políticos e de personalidades públicas, para o bem ou para o mal. Raramente destacam princípios políticos a serem defendidos que realmente digam respeito à coisa pública. Isso implica em indução do leitor/eleitor ao falso dilema da escolha de seu candidato, não pelo que este possa representar em termos de projetos, mas pela projeção pessoal e pelo carisma eventuais.
Jogadores de futebol famosos, sem qualquer formação universitária ou rudimentares conhecimentos de direito público ou administrativo, lançam-se candidatos a legislar em questões de altíssima complexidade ou de importância transcendental para o interesse público sem o mínimo preparo ou experiência. Apenas porque são eventualmente notórios.
É uma visão estreita da política. Um apequenamento da importância do legislador. Não se leva em conta, por exemplo, ao sufragar um tal candidato com votações estupendas — ou um palhaço de circo contestador — que o maior prejudicado é o próprio eleitor que nessas figuras vota. Esquece-se, nessa prática leviana e reducionista, que quem faz as leis que os juízes aplicam são exatamente esses legisladores. Perde-se a visão do coletivo em favor de um único indivíduo ungido. Imagine-se um parlamento em que predominem essas bizarras figuras, ainda mais potencializado pela existência obscena do voto de legenda, que carrega, a reboque, outras nulidades como legisladores.
09 de agosto de 2016
Nelson Paes Leme, O Globo
Por que a didática e a pedagogia não se preocupam, mesmo antes da alfabetização das crianças, em ministrar-lhes princípios elementares de cosmologia, biologia e antropologia? Essa visão inicial, certamente, daria ao ser humano maior consciência de sua mínima e verdadeira condição diante da magnitude do Universo, além de situá-lo de maneira mais conveniente dentro da biosfera, do convívio mais harmônico com as demais espécies e com a nossa própria, traduzindo de modo mais claro a condição do indivíduo diante da coletividade. Como a política decorre da organização da sociedade humana, desde a horda, certamente essa abordagem holística haveria de contribuir para um melhor entendimento dos interesses econômicos e sociais que se movimentam em seu tabuleiro.
A aventura da espécie humana, depois do surgimento do homo sapiens, desde seus primórdios, examina o Cosmo a partir de uma visão individualista e pouco pragmática. Ou seja, do particular fragmentário e reducionista, para um hipotético todo. E não o inverso, como deveria, do geral para o particular. Isso dificulta enormemente o entendimento desse todo, pela recomposição cartesiana das partes. Transforma a educação num confuso puzzle, com suas peças embaralhadas. O físico nuclear Fritjof Capra, por exemplo, entende que essa fragmentação reducionista é a responsável por forte distorção da relação do homem com o restante da Natureza e do Cosmo.
A cosmologia, nesse sentido, é a abordagem ideal, porque transita sempre entre metafísica e dialética. Mas é inquestionável que o número de energias cósmicas e telúricas que desconhecemos é incomensurável e pouquíssimo estudado pela ciência cartesiana. O que tem feito essa ciência é fragmentar a realidade anterior e reapresentá-la sob suas fórmulas incompletas e precárias. A água da fonte é cristalina e potável, independentemente de se saber se o seu pH é neutro, alcalino ou ácido. Sai da floresta e faz bem às bocas e aos corpos sedentos. Igualmente a antropologia, no estudo da nossa espécie, faz a ponte entre criacionismo e evolucionismo, tal como a cosmologia faz entre metafísica e dialética.
Não é diferente com a ciência política. Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações, como esse papel do indivíduo na coletividade, citado anteriormente. Turva-se o olhar para a própria substância da política, que é o bem coletivo, perversamente, em favor do ator/personagem/indivíduo que aspira ao poder, gerando aberrações como o culto da personalidade, primeiro passo para a criação de sistemas autoritários, carismáticos, voluntaristas e despóticos. Vide o caso Trump! A própria mídia padece desse entendimento perverso e transita nessa falsa senda. As manchetes contemplam nomes de atores políticos e de personalidades públicas, para o bem ou para o mal. Raramente destacam princípios políticos a serem defendidos que realmente digam respeito à coisa pública. Isso implica em indução do leitor/eleitor ao falso dilema da escolha de seu candidato, não pelo que este possa representar em termos de projetos, mas pela projeção pessoal e pelo carisma eventuais.
Jogadores de futebol famosos, sem qualquer formação universitária ou rudimentares conhecimentos de direito público ou administrativo, lançam-se candidatos a legislar em questões de altíssima complexidade ou de importância transcendental para o interesse público sem o mínimo preparo ou experiência. Apenas porque são eventualmente notórios.
É uma visão estreita da política. Um apequenamento da importância do legislador. Não se leva em conta, por exemplo, ao sufragar um tal candidato com votações estupendas — ou um palhaço de circo contestador — que o maior prejudicado é o próprio eleitor que nessas figuras vota. Esquece-se, nessa prática leviana e reducionista, que quem faz as leis que os juízes aplicam são exatamente esses legisladores. Perde-se a visão do coletivo em favor de um único indivíduo ungido. Imagine-se um parlamento em que predominem essas bizarras figuras, ainda mais potencializado pela existência obscena do voto de legenda, que carrega, a reboque, outras nulidades como legisladores.
09 de agosto de 2016
Nelson Paes Leme, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário