Hoje as pessoas não acostumadas com a psicopatia política se horrorizaram com o anúncio de Lula como ministro da casa civil. Na verdade já vivemos sob uma ditadura sutil desde 17/9, quando o STF deu o golpe do controle bolivariano de campanhas.
Em dezembro, outro golpe do STF, interferindo no rito do impeachment. E agora nomeação de Lula como ministro com o fito principal de livrá-lo da prisão.
Nunca houve qualquer traço de ética no governo petista, mas sempre é possível afundar mais no esgoto.
Uma pergunta que ronda a nossa mente é: “como alguém tem cara de pau de justificar moralmente comportamentos tão aberrantes na política?”. Principalmente dois autores nos ajudam com isso: Albert Bandura e David Livingstone Smith. Podemos definir isto como desengajamento moral.
Há alguns dias um texto de Paulo Nogueira, da BLOSTA, justificava – acreditem se quiser – a indicação de Lula como ministro. Eis o desengajamento moral em ação:
“Ficaria decepcionada se o Lula aceitasse um convite para ser ministro”, ouço de minha mulher, Erika. Não tinha ainda refletido detidamente sobre o assunto, mas a frase de Erika me estimulou a fazer isso. Por que alguém progressista como ela se decepcionaria?
A resposta padrão é mais ou menos esta: Lula ganharia foro privilegiado e se livraria das garras de Moro, mas mostraria medo. Ficaria claro, para muita gente, que ele tem algo a esconder. Ora, ora, ora. Não poderia discordar mais.
Se Lula estivesse numa disputa com Mujica ou com o papa Francisco, eu concordaria. Mas ele está medindo forças – involuntariamente – com forças que lembram não Mujica, não Francisco, mas Al Capone. Você tem que jogar o jogo conforme seu adversário, e não de acordo com seus sonhos. Esta é a realidade. Pode não ser idílica, ou utópica, ou romântica. Mas esta é a única realidade que temos.
Avalie os escrúpulos e o caráter dos que estão do outro lado. A Globo e a família Marinho, Aécio, FHC, a Veja e os Civitas, a Folha e os Frias, Moro e a PF, e isso para não falar dos Eduardos Cunhas e dos Conserinos. Eles querem preservar seus formidáveis privilégios, e para isso buscam loucamente um golpe sob os pretextos mais esdrúxulos.
Desde a saída dos resultados, a vitória de Dilma é contestada da maneira mais infame possível. A desculpa A não colou? Vamos para a B. Também ela não vingou? Passemos para a desculpa C. E nisso foi um alfabeto inteiro de pretextos que escondiam uma única coisa: um golpe. Um crime de lesademocracia que jogaria, ou jogará, o país mais de meio século para trás.
Os índios americanos entraram na história por episódios de resistência épicos em que opunham pedrinhas às balas dos predadores brancos. É lindo, é comovente, mas é claro que eles usariam outras armas se as tivessem. Contra predadores, e é disso que se trata, você tem que ajustar sua estratégia à índole dos inimigos. Lula já errou demasiadamente nisso […]
Isso não é republicanismo. É ingenuidade, é tolice, é não enxergar do que são capazes os que detestam você. A direita prega para os rivais um republicanismo que ela jamais praticou.
Se recentemente muitas pessoas ficaram apavoradas com o que Olavo de Carvalho e seus alunos fizeram contra Caco Tirapani – que até se desculpou em público, ou por ser vítima de dominação sádica ou por estar querendo segurar a ação selvagem contra ele -, tudo tem uma fonte: o desengajamento moral.
Uma pequena parte da direita hoje é perigosíssima em termos sociais por usar os mesmos recursos de justificação da barbárie, os quais são moldados a partir de uma narrativa, geralmente por um ou mais formadores de opinião. Nisto, Nogueira é um formador de opinião no outro espectro político – a extrema-esquerda – também criando uma narrativa para justificar uma amoralidade extrema.
Para obter seu fim, ele precisa desumanizar seus oponentes, além de criar mitos dizendo que estes são perversos, possuem um poder extremo e estão prestes a tudo. A partir do momento em que alguém acredita – realmente acredita – nesta narrativa, ele estará pronto a fazer qualquer barbárie em retorno.
Quando você diz para algumas pessoas que usar o exército é imoral ou que sair cassando direitos políticos de todo um partido é um exagero, elas podem levantar o tom e afirmar “observe como é nosso inimigo: x, y, z”. No caso da direita true, eles chegam a definir até pessoas de direita como parte do exército inimigo. E daí partem para a selvageria.
A tese do desengajamento moral explica este padrão em funcionamento. E tudo começa com a análise da narrativa que gera esses comportamentos monstruosos. É só isso que vemos neste texto monstruoso de Paulo Nogueira. É com raciocínios perversos assim que ele justifica algo que nenhum ser humano decente justificaria: dar um cargo de ministro a Lula para obstruir a justiça.
Este é o padrão mapeado por Bandura:
Tudo começa com a propagação (e a prática) de uma conduta moralmente repreensível. Enquanto isso é feito, são lançadas justificações morais, além de comparações espúrias, bem como rotulagens com eufemismos. E aí que um ato de violência vira “mais amor por favor” ou uma ditadura é ressignificada para “ditabranda”.
A conduta repreensível vai gerar efeitos prejudiciais, geralmente na forma de danos a outras pessoas. A partir daí basta minimizar, ignorar ou desconstruir as consequências. É como os revolucionários franceses definiram a guilhotina como “um método mais humanitário” ou quando alguns neoconservadores disseram que “na Inquisição, havia certa humanidade, pois na fogueira as pessoas morriam asfixiadas, e não queimadas”. Parece gozação? Mas é assim que a coisa começa a funcionar.
Por fim, temos a vítima, que é desumanizada, bem como responsabilizada pelo que aconteceu a ela.
Todo o processo é alimentado pelo deslocamento de responsabilidade de seus agentes. Ora, se os soldados estão matando alguém em um campo de concentração, é por terem “recebido ordens”, não? Aqui apenas temos os achados de Stanley Milgram em 1963.
Aqui podemos observar como uma narrativa gera o barbarismo, o qual é encarado como normal pelos membros do grupo nos quais o discurso foi incutido.
O PT hoje é um perigo pois sua narrativa é sempre voltada ao que há de mais depravado na mente humana. Mas sempre devemos olhar para nós mesmos e avaliar a escala em que podemos estar aceitando narrativas deste tipo também.
15 de agosto de 2016
luciano henrique, ceticismo político
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