Sabemos que existem outras condicionantes: as sociais, expressas na igualdade de oportunidades, no desenvolvimento humano e na redução das desigualdades; bem como as econômicas, traduzidas no direito de qualquer pessoa trabalhar e produzir para viver dignamente e prosperar.
Tudo isso e muito mais converge numa prática comum continuamente exercitada que parte do pressuposto da falibilidade do sistema e da necessidade de sua constante reforma.
Assim, uma democracia são muitas coisas e se fosse possível sintetiza-la numa única palavra, esta seria participação, materializada no concurso de todos os cidadãos nos negócios públicos, na promoção do bem comum e na geração de riqueza.
No caso do Brasil, para que a cidadania se confirme por meio da participação na coisa pública, é preciso que a sociedade seja adequadamente informada dos grandes temas do interesse nacional, e não desinformada pelas conveniências do poder, do corporativismo ou do simplismo.
E para tanto, há que se trazer a público o essencial de questões aparentemente restritas a setores do Estado ou do governo, mas que na verdade dizem respeito à sociedade como um todo.
É o que está faltando na mirabolante proposta anunciada pelo governo de manter os militares na ativa até os 65 anos de idade, com “adaptações na carreira”, no contexto da reforma da previdência.
Uma solução que vai na contramão de qualquer noção de produtividade pela qual o País clama, na medida em que encherá a caserna de idosos e idosas sem condições de acompanhar a atividade-fim das forças singulares e irá gerar mais despesas com instalações, alimentação, saúde e material de consumo, transformando os combatentes que envelhecem no que jamais foram: burocratas, dos quais o País tem uma quantidade mais do que razoável.
Respondendo à clássica pergunta dos anos 50: “Forças Armadas para quê?“, elas servem para fazer a guerra, a atividade humana mais perigosa, tanto do ponto de vista individual como coletivo.
Nesse aspecto, a sociedade brasileira precisa de um choque de informação sobre a sua segurança nacional, que é o produto, bem e serviço que as Forças Armadas oferecem, pelo qual ela paga e vai muito além de eventuais participações em missões de paz, ocupações de favelas, campanhas assistenciais ou contribuições ao desenvolvimento do País.
É preciso desmontar o mito maravilhoso de que o Brasil desfruta de quase 150 anos de paz regional por que é uma nação pacífica.
Este é o efeito. A causa é outra: a incontestável superioridade militar regional do Brasil e o seu ponderável poder para dissuadir eventuais agressões. A paz se assegura com o preparo para a guerra, e ninguém descobriu até hoje outra forma de fazê-lo.
De todo esse dispositivo armado do Brasil, a principal arma é o seu componente humano, sendo desnecessário repetir aqui as especificidades da profissão militar que limitam, em qualquer força armada do mundo, o tempo efetivo de serviço. A guerra é antes de tudo uma questão de fôlego, do general ao soldado.
Porém, o maior mal que se causa a um exército do qual todos saem tarde é que cada vez menos bons entrarão nele cedo. Se a perspectiva de um exército envelhecido, traz, de imediato, a perda de credibilidade da força como elemento de combate, o mal mais duradouro é o afastamento dos melhores candidatos à carreira de oficial combatente.
Da visita do General Dwigh David Eisenhower, Supremo Comandante Aliado na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, que veio ao Brasil em 1946 e conheceu a nova Academia Militar das Agulhas Negras, à época denominada Escola Militar de Resende, o General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, destacado chefe militar brasileiro durante o conflito, colheu a observação de que ela formava melhores tenentes que a sua congênere norte-americana, West Point, mas que esta preparava melhores generais.
O comentário do general norte-americano, independentemente do acerto quanto à formação de oficiais e generais, serve de base à reflexão sobre a carreira profissional das pessoas sobre cujos ombros recairão graves responsabilidades na maior de todas as crises para um país: a guerra. É uma questão cujas decisões não se aplicam ao presente, mas a gerações e ao futuro do País no médio prazo.
O que se quer do oficial combatente, não só do Exército Brasileiro, como da Marinha do Brasil e da Força Aérea Brasileira, é a máxima proficiência em cada etapa da carreira.
E isso não se assegura impondo-lhe a permanência cada vez maior nas fileiras, mas exatamente o contrário, admitindo-se a evasão com proventos de inatividade proporcionais ao tempo de serviço, e com programas de inserção profissional no mercado de trabalho, como acontece nas forças armadas dos países mais avançados que dependem de dispositivos militares críveis com elevado grau de prontidão e resposta.
Se estamos discutindo o presente do País, o Brasil precisa de menos funcionários e de mais trabalhadores.
E se estamos discutindo o seu futuro, é preciso alertar que o Brasil na medida em que se desenvolver e atingir seus objetivos de crescimento econômico e influência internacional, terá, inevitavelmente, maiores desafios na área de defesa que precisam ser visualizados desde já.
O Brasil precisa voltar ao tempo, não tão distante, em que encarava os seus problemas de frente, em busca de soluções e não de projetos de poder.
Com problemas proporcionais ao seu tamanho, o Brasil não tem problema pequeno, que no caso da Defesa Nacional, além de enorme, é permanente, simplesmente como acontece a qualquer unidade política soberana.
É um erro grosseiro querer resolver problemas antigos com velhas ideias. O que se vai conseguir com isso é trazer problemas maiores, desenterrando velhos e criando novos. Por sinal, como aconteceu nos anos 90 do século passado.
No início daquela década, com propostas ingênuas de drástica redução de efetivos e criação de forças profissionais dotadas de meios de deslocamento que as fariam mais caras e menos eficientes do que o dispositivo existente para as estratégias de presença e dissuasão que o Brasil prioriza.
E no final da década, quando a insensibilidade e o descaso da elite política para com a Defesa Nacional funcionaram, tanto no meio civil como no militar, como eficientíssimos cabos eleitorais de Lula, que já ouvira de Fidel Castro a recomendação de agradar os militares, peça-chave de seu projeto de poder.
Os militares não precisam ser agradados. Eles necessitam dos meios e condições para cumprirem suas missões constitucionais, a via pela qual verdadeiramente se exerce e se confirma a subordinação do poder militar ao poder civil.
No grande sistema de equações que é o Brasil, a militar, a exemplo das demais, emprega as mesmas variáveis – pessoas, recursos e políticas – com as mesmas constantes – nação, estado e soberania - e quem governa o País haverá de lidar com umas e com outras, variáveis e constantes, sem embaralha-las.
Mas para isso, será preciso antes de tudo saber que a equação militar é diferente.
15 de agosto de 2016
Sérgio Paulo Muniz Costa é Doutor em Ciências Militares e Historiador. Originalmente publicado no Diário do Comércio de São Paulo, em 1 de agosto de 2016.
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