Quase sempre, as opiniões expostas nas matérias sobre atividade física, academias de ginástica, acerca da música invariavelmente presente e a todo volume, nesses espaços, são uma reunião de frivolidades, ditas por gente que nada sabe, se nega a estudar o assunto ou se encontra, patológica e comercialmente, engajada numa moda generalizada. Moda essa, burra, tola e nociva. O barulho de um motor de moer cana para se obter o caldo ou de um bate-estaca urbano, ensurdecedor, denominado “música”, nas academias, é uma prática insana, maciça, predominante em todo País. Uma droga perturbadora, adotada sem prescrição médica, sem nenhum fundamento técnico ou base científica.
Cada indivíduo tem o seu próprio ritmo orgânico e mental. Cada exercício tem, também, o seu próprio ritmo. E determinado exercício praticado por determinada pessoa tem um terceiro ritmo. Não existe uma música ritmada que marque todos os exercícios aeróbicos e de musculação de todas as pessoas, dentro ou fora piscina. Não existe uma música comum, que sirva a todos.
Ginástica exige atenção, disposição, concentração e realização responsável, sintonia, ritmo, harmonia entre mente e corpo, orientação, obediência às regras da sua execução. Esse som que transforma academia em boate de meretrício e botequim de última categoria, com cerveja quente e música alta, apenas aliena o indivíduo de si mesmo, afasta o praticante da ginástica do seu exercício, dispersa os sentidos, o desconcentra, “distrai” como admitem os aficionados do barulho, quando a sua mente, o seu corpo, postura, respiração, todos os sentidos deveriam estar dirigidos e empenhados no próprio exercício. O barulho na academia, que os seus adeptos chamam de “música”, e geralmente da pior qualidade, só faz entorpecer e imbecilizar ainda mais os alunos de academia.
INADEQUAÇÃO – Música é uma arte para ser ouvida, tocada ou dançada em lugar e momento apropriado. E música-ambiente ritmada não se adéqua a um lugar multidisciplinar, onde diversas pessoas devem estar concentradas, executando as lições de diversos exercícios de vários tipos, com diversas durações e de diversos ritmos, com distintas finalidades. Alguns alongam músculos e tendões, outros se dedicam a práticas aeróbicas (esteira, bicicleta etc.), e terceiros fazem musculação. A rigor, a princípio, em tese, nenhuma música – de excelência, mediana ou ruim, popular, folclórica ou erudita – deveria estar em espaço multidisciplinar, plural, de academia alguma.
A música era, outrora, seletiva e específica, marcando os pontos dos exercícios da milenar calistenia, da ginástica de solo clássica, com ou sem halteres, barras e bastões, e hoje, também seletivamente, pode fazer parte dessa ginástica marcada. E, ainda, da ginástica artística e de certos exercícios da ginástica olímpica. Os compêndios e manuais clássicos da matéria, os livros de Educação Física e de Ginástica de autores de prestígio internacional, editados nos EUA, na Europa e Oriente, recomendam a prática da ginástica sem música. Entre nós, o consagrado Nuno Cobra orienta no mesmo sentido.
A música ouvida por um atleta individualmente no seu treinamento, e na ginástica, também individualizada, por uma pessoa, é válida, estimulante, até útil, necessária. Da mesma forma, um grupo praticando exercício único, coletivo, ritmado, com um guia, professor ou orientador, dentro ou fora da piscina, tem na música um auxiliar didático-pedagógico válido, importante.
E SE JUSTIFICAM… – “Eliminar o baticum irracional e torpe das academias parece impossível, a reação contrária é quase absoluta” – justificam-se os professores. Quando, milagrosamente, a aparelhagem de som pifa e os sons e ruídos são apenas do ambiente, das pessoas, professores e alunos, já ouvi algumas pessoas, uma minoria, é claro, exclamarem: “Que bom sem música, parece que tudo sai melhor, com mais acerto e rendimento…” Mas estamos numa democracia, o regime das maiorias que crucificaram Cristo, glorificaram Hitler e elegeram, duas vezes, Bush. E, infelizmente, enquanto não houver direção técnica competente, enquanto não prevalece a razão, reinam os clientes, os alunos, “o melhor critério”: o das maiorias, mesmo que insanas.
O escapismo irracional do falso bordão “gosto não se discute”, e se discute sim, em todos os campos do pensamento, de atividades, da arte e do comportamento humano; e a resposta vazia e irresponsável dos donos de academia e seus professores “Não se pode agradar a todos, cada um tem um gosto…” – apenas confirma a asneira, segundo a qual o aluno de academia é quem determina o que deve ser feito e como deve ser feito. Seria como um paciente dizer ao médico que quer tomar tal remédio, fazer tal terapia, durante o período “x” e na forma “y”.
ALIENAÇÃO – O barulho nas academias é um instrumento a transtornar e a transformar alunos de educação física em consumidores tontos, alienados e dóceis, que cumprem séries de exercícios sob intenso e desconcertante barulho, suam, falam alto para serem ouvidos, suam mais um pouco e vão para casa exaustos, meio surdos, certos de que fizeram bem ao corpo, à mente, melhoraram a saúde.
Realmente, apenas e literalmente, “malharam”, agrediram bastante o corpo, a mente, o espírito, se esgotaram, como estivessem num trânsito engarrafado, sob um buzinaço. Mas não praticaram ginástica de forma inteligente, segura, responsável e saudável.
15 de agosto de 2016
Marcelo Câmara
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