"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

NÃO SEREMOS UMA VENEZUELA

A CRISE em que o PT nos meteu trouxe o temor de que possamos viver uma catástrofe econômica, social e política como a que ora infelicita o povo da Venezuela. Felizmente, estamos muito longe dessa trágica situação.

Diferimos da Venezuela em dois campos essenciais. Temos instituições sólidas que controlam o governo e permitem corrigir equívocos graves. Na Venezuela, uma das instituições fundamentais, o Judiciário, curva-se frequentemente a pressões do Executivo.

Em recente palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, Luis Vicente León, conceituado economista venezuelano, afirmou que os juízes da Suprema Corte tomavam posse do cargo evocando o nome de Chávez.

Há poucos dias, a corte levou menos de uma semana para, a pedido do presidente Nicolás Maduro, considerar inconstitucional lei aprovada pelo Congresso que concedia anistia aos desafetos políticos do governo condenados em processos sumários no Judiciário.

Como sabem os leitores desta coluna, tenho aqui defendido que o Brasil possui instituições sólidas. Elas incluem não apenas as organizações do setor público, mas também a imprensa, as crenças da sociedade e os mercados. Nossa democracia está consolidada.

O PT, é verdade, deteriorou algumas de nossas instituições. Agências reguladoras perderam autonomia e foram dirigidas por pessoas nem sempre dotadas da qualificação necessária. Há evidências de que o Banco Central recebeu uma ordem para reduzir a taxa de juros de forma voluntarista.

A outra diferença está na robustez e na diversificação da economia brasileira. A Venezuela, ao contrário, tem sua economia baseada essencialmente no petróleo, cujos preços caíram dois terços em relação à média de 2012, com efeitos devastadores na receita pública e no potencial de crescimento econômico. O país importa praticamente tudo, incluindo alimentos e bens de consumo sem sofisticação produtiva.

A indústria brasileira, malgrado a perda de competitividade na era petista, ainda é uma das mais complexas entre os países emergentes. O Brasil é uma potência agrícola, graças à qualidade de seus agricultores e aos impressionantes ganhos de produtividade dos últimos quarenta anos. Somos os maiores exportadores de soja, carne, aves, suco de laranja, café e açúcar. Nosso sistema financeiro é sólido e bem supervisionado.

A Venezuela sofre a maldição do petróleo, isto é, os efeitos do desperdício, da corrupção e da inépcia de países ricos no produto mas pobres em instituições. A era bolivariana caracterizou-se por hostilidade ao setor privado, excessiva intervenção na economia, desapropriações e outros desmandos que legaram uma inflação sem controle, mercado negro de moeda e mercadorias, e assim por diante.

A política econômica multiplicou distorções. A embalagem de uma garrafa de água mineral custa mais do que a própria água. Este é o terceiro ano de recessão. As reservas internacionais caíram de 31,6 bilhões para apenas 14,6 bilhões de dólares entre 2011 e 2015. Mais de 80% dos produtos essenciais - alimentos, material de limpeza, papel higiênico e outros - estão fora do mercado. Há crises de abastecimento, inclusive de remédios.

No Brasil, tudo indica que Dilma será afastada do poder. Isso não garante a recuperação da economia, mas contribuirá para melhorar as expectativas, evitar o colapso fiscal, reduzir a inflação e fazer renascer a esperança.

Na Venezuela, o impeachment é uma hipótese remota, dado o controle do Judiciário pelo governo. A Constituição prevê o referendo a partir da metade do mandato do presidente, quando o eleitorado pode ser consultado sobre sua continuidade no poder. Acontece que a medida depende de iniciativa do presidente ou de decisão do Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo chavismo. Um golpe de Estado parece pouco provável, pois os mais cobiçados postos do governo foram entregues aos militares. Maduro pode, pois, continuar no cargo até 2019. Há outras diferenças entre os dois países, mas as aqui mencionadas bastam para assinalar o baixíssimo risco de virarmos uma nova Venezuela.



04 de maio de 2016
Maílson da Nóbrega, Revista Veja

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