"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

UTOPIAS E ABISMOS


A utopia nos levou à euforia, a euforia à prodigalidade e a prodigalidade à miséria.


Procure na história um completo desastre social, político e econômico e encontrará uma utopia a inspirá-lo. Utopia, por definição, é algo que não se realiza. Fantasia e quimera são seus sinônimos. Por isso, as ações humanas movidas por utopias conduzem a abismos. O escritor uruguaio Eduardo Galeano assemelhava-a ao horizonte, que se afasta a cada passo que damos em sua direção, mas serve para fazer andar. Esquecia-se ele e esquecem seus repetidores que a sensatez impõe a todo líder a obrigação moral de verificar aonde levam os passos que dá. E os passos da utopia que Galeano ajudou a difundir, inclusive no Brasil, deixaram trilhas sinistras na história.

Nos principais experimentos, produziu cem milhões de mortos. E em todos, inclusive na atualização bolivariana articulada no Foro de São Paulo, não exibe um estadista, uma economia que se sustente, uma democracia de respeito. Em contrapartida, mundo afora, todos os êxitos sociais e econômicos foram colhidos em ambiente de realismo político. Muitas vezes tenho ouvido, em defesa dos delírios característicos do ideário comunista, a afirmação de que a palavra utopia serve de título a um livro de Thomas Morus, santo da Igreja Católica, nascido no século XV. Pretende-se, com isso, como que canonizar a utopia. Coisa de quem não conhece o santo ou, se leu o livro, entendeu bulhufas. E quem não sabe isso, a experiência me mostrou, não quer saber.

Meu objetivo, aqui, é evidenciar que a crença em uma utopia vem, necessariamente, associada àquela mesma ingenuidade tão nítida nas descrições feitas pelo interlocutor de S. Thomas Morus em Utopia. Tal ingenuidade, aliás, estabelece intuitivo vínculo entre utopia e magia. Creio que o melhor exemplo atual pode ser observado no uso abusivo da expressão “vontade política”. Essa vontade seria o instrumento mágico, capaz de moldar a realidade – qualquer realidade – aos desígnios do governante ou de quem ao governo apela. Em outras palavras: como a utopia não se realiza na prática, somente a magia pode produzir seus milagres. E a varinha de condão da qual se cobram sortilégios é a tal “vontade política”. Supõe-se, num querer infantil, que a ela se curvem os fatos, a razão, os recursos públicos, os índices econômicos, as ciências, todas as divergências, os direitos individuais e tudo mais que lhe venha pela frente.

Foi essa crença pueril de eleitos e eleitores que trouxe o Brasil à atual crise. A utopia nos levou à euforia, a euforia à prodigalidade e a prodigalidade à miséria. "Se você está num buraco, pare de cavar", aconselhava certo personagem, em um filme a que assisti recentemente. Nosso governo, porém, teima em seguir cavando.



06 de fevereiro de 2016
Percival Puggina

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