Às vésperas do último acordo entre os governos europeus e a Grécia, um grupo de personalidades fez um apelo aos negociadores. Dos primeiros, solicitava-se “paciência e meios financeiros”, capazes de viabilizar “as reformas estruturais e a recuperação econômica” do pequeno país; dos gregos, respeitada a rejeição das políticas de austeridade, requeria-se firme compromisso com as referidas reformas, em particular as destinadas a controlar a “evasão fiscal e a corrupção”. Assinavam a petição, entre muitos outros, intelectuais renomados como Joseph Stiglitz, Thomas Piketty, Massimo d’Alema e Stephany Griffith-Jones.
O apelo não foi ouvido.
Dos governantes gregos pode-se dizer tudo, menos que não foram flexíveis. De nada lhes valeu a vitória obtida no referendo democrático, quando mais de 60% dos votantes reafirmaram a recusa às medidas impostas, desde 2009, pela chamada troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), sempre com resultados desastrosos.
Ao contrário, a consulta foi considerada uma “impertinência” a ser punida. De pouco lhes valeu, também, uma atitude conciliadora, condicionada pela frágil situação econômica em que se encontrava o país. Endividados até o pescoço, os bancos fechados, dependendo de créditos emergenciais, sem planos alternativos que previssem o abandono do euro e a saída da Eurozona, os representantes gregos foram obrigados a ceder em tudo, ou quase tudo.
Do lado dos dirigentes europeus prevaleceram a intolerância e a perspectiva de uma vitória irrefutável, humilhante para os gregos. Em vez de uma promessa de esperança, um futuro sinistro. Pois o desbloqueio de linhas de financiamento não passa de mera cortina de fumaça, os dinheiros novos servindo apenas para pagar velhas dívidas. Empréstimos para pagar empréstimos. Dívidas roladas. Enrolando os endividados em mais dívidas, impagáveis. Dinheiro líquido para gerar investimentos e empregos? Nem pensar.
A joia da coroa do acordo imposto foi o chamado “fundo das privatizações”. Um tabloide alemão já estampara em manchete: "Vendam suas ilhas, seus gregos falidos! E vendam também a Acrópolis!”. Em sua falta de respeito, as mentes dominadas por ganhos financeiros são incapazes de imaginar bens materialmente inestimáveis.
A ordem é privatizar tudo: aeroportos, ferrovias, portos, sistema elétrico, prédios. Nos moldes dos processos que ocorreram na Europa Central e na Rússia, depois da desagregação dos regimes socialistas, quando bens públicos foram “queimados” em liquidações rápidas e rasteiras, fazendo emergir, da noite para o dia, a golpes de baixa audácia e alta malandragem, novas elites, oligárquicas, corrompidas e corruptoras, beneficiárias de negociações apressadas, mal planejadas, irresponsáveis, frequentemente escusas.
A privatização radical sequer é uma ideia nova — já foi imposta em 2011. Com ambições de render a montanha de € 50 bilhões, pariu, quatro anos depois, um rato, estimado em 3,2 bilhões. Além disso, é inviável: estudo recente do FMI demonstrou que relançar agora um processo de venda dos bens estatais, considerada sua desvalorização, poderia render, na melhor das hipóteses, € 500 milhões por ano, ou seja, levaria cem anos para alcançar os € 50 bilhões almejados.
Pois a isto se resumiu o acordo para “salvar” a Grécia.
Salvou-se realmente a Grécia?
Não é o que pensa Daniel Cohen, da Escola Normal Superior, centro de formação de quadros para o Estado francês. Para ele, o acordo foi “um fracasso coletivo” e vai deixar “cicatrizes profundas” pois, desde o tempo dos impérios coloniais, não se via um Estado tão “sob tutela”, como se tornou agora a Grécia. Segundo um ex-presidente do próprio FMI, houve um diktat.
Observadores imparciais anotaram: conversações destrutivas levaram a um destrutivo acordo. Yanis Varoufakis, ex-ministro grego de Finanças o classificou como “um novo Versalhes”, referindo-se ao tratado humilhante imposto à Alemanha no fim da I Grande Guerra. O próprio Wolfgang Schäuble, ministro de Finanças de Angela Merkel, admitiu que a viabilidade do acordo seria “muito complicada”. Já Alexis Tsipras, chefe do governo grego e do Syriza, confessou que foi um mau acordo e que não acreditava nele. Assinando-o, suscitou críticas e divisões, passando sua sorte a depender dos partidos de oposição.
Romano Prodi, político italiano, resumiu o sentido dos acontecimentos: “Evitamos o pior, mas criamos o mal”. O mal da desconfiança e do ressentimento. Vai ser nesta atmosfera que a Europa escolherá nos próximos anos entre três caminhos: o atual, marcado pela hegemonia das finanças internacionais; o dos nacionalismos de extrema-direita que espreitam e crescem nas sombras; e o da Europa da solidariedade e dos que vivem do seu trabalho, alternativa capaz de manter e aperfeiçoar o Estado de Bem-Estar Social e a cultura dos valores democráticos.
02 de agosto de 2015
Daniel Aarão Reis é professor de História Contemporânea da UFF. Originalmente publicado em O Globo em 28 de julho de 2015.
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