Se de um cidadão dizemos que ele tem quase toda honra, estaremos dizendo ser um desonrado. Se de um país falamos dispor de quase toda liberdade, desnecessário concluir tratar-se de uma ditadura. Assim, se de um governo referimos estar perto de cumprir suas promessas, na verdade aceitamos que fracassou.
O governo da presidente Dilma fica devendo tirar o Brasil da miséria, pois é a miséria que gradativamente o envolve. Importa menos se a propaganda oficial divulga que milhões ingressaram na classe média. Na verdade, a classe média é que recuou até eles. Da mesma forma, não dá para aceitar a fantasia de multidões disporem de carteira de trabalho, quando se constata estarem recebendo o salário mínimo. Outra ilusão é verificar que essa merreca, ao contrário do que estabelece a Constituição, não basta para o trabalhador e sua família enfrentarem despesas de habitação, alimentação, vestuário, transporte, educação, saúde e até lazer.
O POVO VAI MAL
Em suma, se as elites vão bem, o povo continua muito mal. Basta atentar para a multiplicação de favelas nas grandes e nas pequenas cidades. Nelas, não se aplicam as regras e as leis pretensamente válidas para a nação. Como o número dos que habitam esses conglomerados logo irá ultrapassar o das comunidades à sua volta, invertendo a equação, a conclusão será de que eles, e não os outros, constituem a próxima e verdadeira estrutura social objeto de todo e qualquer governo. Numa palavra, não se trata de ampliar programas como “bolsa família” e “minha casa, minha vida”, a título de esmola, mas de ter presente serem seus integrantes os próximos determinantes da ação do governo. Em pouco tempo serão o próprio, isto é, o governo. Hoje, estão no poder. Amanhã, serão o poder.
TRANSIÇÃO CRUEL
Essa transição é traumática. E cruel. Numa primeira etapa leva os lideres da maioria reprimida à tentação de alçar-se à minoria. O Lula surge como o melhor exemplo dessa metamorfose. Basta ver como vive, como mora e como mudou. Um milhão de Lulas, no entanto, mudarão a perspectiva, bem como as regras do jogo ainda vigente.
Não adianta, pelo advento desse processo inexorável, jogar a culpa das contradições no governo Dilma. Nem nela, pessoalmente, por maior incompetência que revele na compreensão do fenômeno social.
OS EXCLUÍDOS
Dirão os ingênuos que sempre foi assim e nunca o processo se inverteu: as massas jamais conquistaram o controle da situação, ainda que aqui e ali se tivessem rebelado, balançando as estruturas dispostas acima delas. Só que agora é diferente.
Os excluídos, cada vez mais e melhor informados, tomam pacífica consciência da exclusão. Essa a grande consequência da revolução tecnológica. Não mais através da mídia comprometida e amestrada, mas diretamente, primeiro agrupadas em guetos, logo ocupando maiores espaços, as massas assumirão o controle do processo. Quanto mais demissões, fome, miséria e doença, mais se aproximará a curva do caminho.
03 de agosto de 2015
Carlos Chagas
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