Querido Zózimo Barrozo do Amaral, como vão as coisas aí nessa tua vida de estátua na ponta do Leblon? Muitas cocadinhas? Muitas panteras? Muitas bonecas e deslumbradas passando ao caminho do mar? Saudades do amigo. Eu soube da tua correspondência com o Tom Jobim, coitado, o grande compositor que agora serve de selfie para turistas lá no Arpoador, e resolvi te escrever, embora os inimigos digam que eu não seja bom nisso.
Não me importa. Os cães ladram e a caravana passa.
Com este email, eu quero manifestar minha solidariedade a você, a vida inteira um homem fino, e agora obrigado a sentir o mau cheiro dessa elevatória de esgoto aí atrás. Que dureza essa nossa vida de estátua, hein?
Não sei se você sabe, mas me botaram aqui em frente do Copacabana Palace, como se eu fosse um capitão de portaria e, pior, escondido embaixo de umas árvores. Quando eu vi as tuas mal traçadas com o Tom eu fiquei pensando qual a situação pior: passar a eternidade dos tempos aí embaixo do sol, como você, servindo de anteparo para corredor chumbrega se alongar, ou a minha, aqui nessa sibéria, onde ninguém me vê? O Tom reclama do assédio, mas eu responderia com aquela música dele: “Triste é viver na solidão”. É como estou aqui. Sozinho. Ninguém passa perto, ninguém chega junto para dar aquela de louco, tão comum no relato de outras estátuas, e conversar, desabafar os problemas.
Virei um parvenu, como a gente gostava de dizer na coluna, arrotando um francês de leve, como era moda na época. Um Zé Ninguém total. Eu andava nos palácios, peguei a Ava Gardner, e agora vivo essa maldição das estátuas, esses cracudos de bronze espetados no meio das calçadas do Rio. Virei um mirante para pombos. Eles fazem o diabo comigo, querido Zózimo, sem que apareça vivalma para abanar o cretino e dizer sai daí, pombo desgraçado, respeita o terno De Cicco do colunista.
Em 2010 roubaram o jornal que eu segurava, um detalhe que ajudava a compor de dignidade intelectual a minha imagem de estátua de jornalista. Ficou por isso mesmo. Ao contrário do Drummond, de quem roubavam os óculos e logo um prefeito colocava um novo, comigo ninguém se mexeu. Até hoje eu estou sem o jornal. As mãos ficaram soltas no ar, num gestual ridículo, coisa até meio pornográfica e que assusta ainda mais as moças que poderiam estar se aproximando para saber, afinal, o que a Ava Gardner viu aqui no turco.
É duro, Barrozinho, e por isso peço que você, sempre perto dos bacanas passeando aí pelo Leblon, dê um toque neles e fale do meu abandono. Qualquer dia um mendigo desses aqui do calçadão me leva as calças e completa o grotesco da cena. Vida de estátua é uma pedreira. Deviam deixar o pobre coitado do morto viver o seu sobrenatural em paz, sem essa falsa materialidade do bronze, do granizo, ou do granito, sei lá como se falam essas coisas, com que insistem em homenagear o infeliz já vitimado.
Soube que agora vão colocar a Clarice Lispector sentada num banco da praia do Leme. Ninguém merece. Era uma senhora discreta, às voltas lá com os seus tormentos, os seus incêndios, e a necessidade de ganhar a vida trancada dentro de casa escrevendo. Detestaria ficar embaixo do sol, abraçada por desconhecidos cheios de intimidades e ignorantes de sua obra.
Às vezes eu fico pensando se isso que aconteceu comigo, meu bom Zózimo, passar de jornalista famoso a um vulto desconhecido jogado entre as árvores, não é maldição da Dama de Preto. Lembra dela? Foi uma personagem que eu inventei para falar de dondoca antipática, de nariz em pé antes de o Pitanguy fazer isso por ela, que circulava nas altas rodas.
Com este email, eu quero manifestar minha solidariedade a você, a vida inteira um homem fino, e agora obrigado a sentir o mau cheiro dessa elevatória de esgoto aí atrás. Que dureza essa nossa vida de estátua, hein?
Não sei se você sabe, mas me botaram aqui em frente do Copacabana Palace, como se eu fosse um capitão de portaria e, pior, escondido embaixo de umas árvores. Quando eu vi as tuas mal traçadas com o Tom eu fiquei pensando qual a situação pior: passar a eternidade dos tempos aí embaixo do sol, como você, servindo de anteparo para corredor chumbrega se alongar, ou a minha, aqui nessa sibéria, onde ninguém me vê? O Tom reclama do assédio, mas eu responderia com aquela música dele: “Triste é viver na solidão”. É como estou aqui. Sozinho. Ninguém passa perto, ninguém chega junto para dar aquela de louco, tão comum no relato de outras estátuas, e conversar, desabafar os problemas.
Virei um parvenu, como a gente gostava de dizer na coluna, arrotando um francês de leve, como era moda na época. Um Zé Ninguém total. Eu andava nos palácios, peguei a Ava Gardner, e agora vivo essa maldição das estátuas, esses cracudos de bronze espetados no meio das calçadas do Rio. Virei um mirante para pombos. Eles fazem o diabo comigo, querido Zózimo, sem que apareça vivalma para abanar o cretino e dizer sai daí, pombo desgraçado, respeita o terno De Cicco do colunista.
Em 2010 roubaram o jornal que eu segurava, um detalhe que ajudava a compor de dignidade intelectual a minha imagem de estátua de jornalista. Ficou por isso mesmo. Ao contrário do Drummond, de quem roubavam os óculos e logo um prefeito colocava um novo, comigo ninguém se mexeu. Até hoje eu estou sem o jornal. As mãos ficaram soltas no ar, num gestual ridículo, coisa até meio pornográfica e que assusta ainda mais as moças que poderiam estar se aproximando para saber, afinal, o que a Ava Gardner viu aqui no turco.
É duro, Barrozinho, e por isso peço que você, sempre perto dos bacanas passeando aí pelo Leblon, dê um toque neles e fale do meu abandono. Qualquer dia um mendigo desses aqui do calçadão me leva as calças e completa o grotesco da cena. Vida de estátua é uma pedreira. Deviam deixar o pobre coitado do morto viver o seu sobrenatural em paz, sem essa falsa materialidade do bronze, do granizo, ou do granito, sei lá como se falam essas coisas, com que insistem em homenagear o infeliz já vitimado.
Soube que agora vão colocar a Clarice Lispector sentada num banco da praia do Leme. Ninguém merece. Era uma senhora discreta, às voltas lá com os seus tormentos, os seus incêndios, e a necessidade de ganhar a vida trancada dentro de casa escrevendo. Detestaria ficar embaixo do sol, abraçada por desconhecidos cheios de intimidades e ignorantes de sua obra.
Às vezes eu fico pensando se isso que aconteceu comigo, meu bom Zózimo, passar de jornalista famoso a um vulto desconhecido jogado entre as árvores, não é maldição da Dama de Preto. Lembra dela? Foi uma personagem que eu inventei para falar de dondoca antipática, de nariz em pé antes de o Pitanguy fazer isso por ela, que circulava nas altas rodas.
Diziam que me inspirei na Beki Klabin, mas eu não confirmo nem morto. Eu não dava o nome da indigitada porque senão me desconvidavam dos jantares onde eu pegava as notas da coluna. A Dama de Preto era uma senhora assim, muito rempli de soi meme. Pedante.
Só pode ser ela por trás desse meu infortúnio. A mulher deve estar enciumada porque, deslumbrada que é, gostaria de ter uma estátua do meu lado para ver o entra-e-sai do Copa.
Pois é isso, meu caro Zózimo. Apenas um email para me solidarizar com o seu drama de estátua, essa vida paradona com que fomos homenageados em lugares que não têm nada a ver com a gente. Você é mais Lagoa do que Leblon, e o Tom, mais Jardim Botânico. No meu lugar deviam ter posto o Jacinto de Thormes – e ele ia ver só em quantos minutos aqui na Atlântica desapareceriam, pivete por todo lado, com aquele cachimbo dele.
O pior de tudo é que estamos obrigados a testemunhar para sempre uma cidade que já não é a nossa, com a qual já não concordamos, desprovida de qualquer sinal do glamour com que costumávamos apresentá-la nas colunas. Eu frequentei o Vogue, você, o Hippopotamus, noites de nome e sobrenome, não essa multidão anônima e deselegante berrando desimportâncias no celular.
Pois é isso, meu caro Zózimo. Apenas um email para me solidarizar com o seu drama de estátua, essa vida paradona com que fomos homenageados em lugares que não têm nada a ver com a gente. Você é mais Lagoa do que Leblon, e o Tom, mais Jardim Botânico. No meu lugar deviam ter posto o Jacinto de Thormes – e ele ia ver só em quantos minutos aqui na Atlântica desapareceriam, pivete por todo lado, com aquele cachimbo dele.
O pior de tudo é que estamos obrigados a testemunhar para sempre uma cidade que já não é a nossa, com a qual já não concordamos, desprovida de qualquer sinal do glamour com que costumávamos apresentá-la nas colunas. Eu frequentei o Vogue, você, o Hippopotamus, noites de nome e sobrenome, não essa multidão anônima e deselegante berrando desimportâncias no celular.
Havia mais grana e bons modos. A gente botava no jornal um jantar black-tie dos Mayrink Veiga, dos Colagrossi, dos Garavaglia, e sentia que de alguma maneira aquilo educava as pessoas. Pois saiba você, meu caro, que no último réveillon tinha um sujeito dançando de bermudas no Golden Room aqui do Copa. Pode? Os chumbregas venceram, Barrozinho. Te cuida, e passa bloqueador 90. Ademã, que eu vou em frente.
15 de junho de 2015
Joaquim Ferreira dos Santos
15 de junho de 2015
Joaquim Ferreira dos Santos
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