Na economia, a presidente Dilma admitiu "algum erro de dosagem", mas não disse de que medida falava.
O descuido com a inflação levou o país ao estouro do teto da meta; os estímulos ao crescimento produziram rombo fiscal e o país parou de crescer; o populismo na energia acabou em tarifaço.
Não foi "algum erro". Foram vários. Não foi apenas a dose, o remédio estava errado.
Havia uma política econômica até a reeleição, e há outra, que começou a ser anunciada após as eleições. A segunda tem alguma chance de corrigir os efeitos deletérios da primeira. Mas o governo começa a dar sinais de que vai reduzir a dose das políticas de ajuste, admitindo, por exemplo, rever as correções da pensão por morte.
O ministro Nelson Barbosa falou, quando propôs a revisão desse item na nova política, que era necessário acabar com exageros no sistema brasileiro, já abolidos em muitos países do mundo. Mesmo assim, a viúva ou viúvo jovem não será desamparado. Se tiver 21 anos ou menos, terá três anos de pensão; se tiver de 22 a 32, terá seis anos. E assim progressivamente. A partir de 44 anos, a pensão é vitalícia. Agora, o governo está alterando essa proposta.
O governo começa a reduzir a dose das medidas que podem fazer o ajuste, mas não admite que fez uma overdose de subsídios e estímulos sem benefício algum para a economia. O Tesouro se endividou em quase R$ 500 bilhões para repassar ao BNDES, sem resultado na manutenção do crescimento. Os subsídios dados à indústria automobilística não tiveram efeito permanente. Das medidas de estímulo, a única com vantagens mais bem distribuídas pela economia foi a desoneração da folha salarial.
A equipe econômica anterior declarou ter desenvolvido uma nova matriz macroeconômica. Foi um equívoco redondo. Não era uma matriz, era a volta do mais velho dos defeitos, o governo gastar além da conta. Isso nos trouxe o resultado de sempre: a dívida bruta disparou, o déficit público ficou em nível insustentável e perigoso, o déficit em transações correntes cresceu muito. A inflação, ao ser reprimida através de populismo tarifário na eletricidade e na gasolina, desequilibrou as finanças das distribuidoras de energia e da Petrobras. Os preços ficaram irreais e, mesmo assim, a inflação permaneceu alta. Hoje, a nova equipe da mesma presidente fala em "realismo tarifário".
O BNDES não vai mais receber aportes bilionários do Tesouro como antes, o Banco Central não tentará forçar uma taxa de câmbio com exposição excessiva no mercado futuro, não haverá mais reduções de IPI para carro, a gasolina não terá mais preço defasado. A nova equipe admite que a dívida aumentou, o déficit está alto e tudo isso precisa ser corrigido. Logo, não foi apenas um mudança de dose do remédio. Mudaram o diagnóstico e a receita.
A política econômica estava totalmente errada antes; a nova nega as premissas anteriores, ainda que não tenha proposto todas as medidas necessárias à correção. Mesmo assim, é a nova política que está sob ataque dos partidários da presidente, e ela é que está tendo sua dose reduzida nas negociações. A anterior não foi condenada. Pelo contrário, a presidente disse que os adversários da suas decisões econômicas queriam que as empresas quebrassem. Deveria ter revelado quem propôs a tal quebradeira.
E por falar em quebradeira, há muitas empresas hoje com sérios problemas financeiros, graves desequilíbrios entre passivos e ativos. Isso é, em parte, suspensão dos socorros do BNDES, dos quais haviam ficado dependentes e, em parte, derivado da avassaladora corrupção nos negócios entre empreiteiras, fornecedores e Petrobras. Sem os aditivos sequenciais nos contratos, para cobrir a incompetência gerencial de algumas e o custo das propinas, muitas empresas podem ter problemas.
A presidente Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com a estabilidade da moeda. É bom que o faça, ainda que entre a palavra e o gesto haja bastante distância. Gastos excessivos, escondidos através dos truques contábeis promovidos pela equipe anterior, minam a estabilidade. Tarifas reprimidas, também. Leniência com a inflação no teto da meta, também. A política econômica estava errada. Não foi apenas uma dose a mais.
18 de março de 2015
Miriam Leitão, O Globo
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