"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

LULA, A MISSÃO

Em recente conversa, o ex-presidente Lula disse a um interlocutor o seguinte: 

"Vamos ter que passar dois anos comendo merda, para depois tentar sair da crise. Mas nesse período tem que fazer política, e a Dilma não faz".

Confirmado o diagnóstico com a recente pesquisa Datafolha mostrando a popularidade da presidente Dilma no chão, Lula resolveu trazer para si a tarefa de "fazer política", e a primeira providência foi liberar a informação de que, sim, será candidato a presidente da República em 2018.

Menos de dois meses do segundo mandato de Dilma, e a candidatura de Lula já está na rua para alimentar os militantes com uma expectativa de poder que a cada dia fica mais escassa diante das diversas crises que envolvem o governo, da economia à política.

Lula em campanha, viajando pelo país revivendo a Caravana da Cidadania dos velhos tempos, é uma barreira política formidável a movimentos de descontentamento na sociedade e a manobras políticas que possam levar ao impeachment da presidente Dilma.

Com o decorrer do processo, veremos se a insatisfação popular crescerá a ponto de inviabilizar a campanha de rua de Lula ou se ele terá força suficiente para neutralizar as previsíveis manifestações contrárias ao governo, nesses dois anos em que os governistas terão que "comer merda".

Assim como fez no mensalão, Lula começa sua campanha sobre o petrolão pregando "humildade e coragem" no discurso em Belo Horizonte no aniversário de 35 anos do PT. E, assim como em 2005, ele fala em reconstruir o partido, voltar às suas origens. Na célebre reunião na Granja do Torto em que ele se disse "traído", Lula lembrou a fundação do PT em 1980: "(...) no início da redemocratização decidi criar um partido novo que viesse para mudar as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país. (...) Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. (...) eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas".

Pois bem. Em 2015, Lula assume a mesma postura diante do petrolão: "Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos".

Ele propôs "o desafio" de resgatar os ideais dos anos de fundação do partido, em 1980. "O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformála. (...) O PT nasceu para mudar".

Mais uma vez Lula falou em traição: "Se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos adversários, não compactua com a impunidade".

Para Lula, o problema do PT é que ele "se tornou um partido igual aos outros. Deixou de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes. Há muito mais preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido".

Lula citou a "militância paga", sempre criticado pelo PT na "política tradicional". "(...) É nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da sociedade e perante a história do PT. (...) Penso que esse processo chegou ao limite no PT", decretou Lula.

Estaria tudo certo se, a partir do mensalão, Lula tivesse comandado uma refundação do PT, e o partido mudasse de atitudes. Como se vê agora no petrolão, enquanto Lula discursava quase chorando no mensalão, estava em curso um escândalo muito maior dentro da Petrobras, e sabe-se lá onde mais.

No intervalo entre o julgamento do mensalão, com a condenação das principais lideranças petistas, e o surgimento do petrolão, Lula mudou o discurso e chegou a afirmar que o mensalão nunca existira. Prometeu até mesmo se dedicar a demonstrar ao povo brasileiro que tudo não passou de uma farsa, coisa que nunca fez.

Agora, ele encurtou o caminho: ao mesmo tempo em que fala em reencontrar as raízes fundadoras do PT, Lula sugere que o caso do petrolão está sendo utilizado politicamente para criminalizar seu partido. Essa atitude dúbia faz parte do seu show, com o qual pretende neutralizar os efeitos das crises política e econômica que envolvem o segundo mandato de Dilma.


12 de fevereiro de 2015
Merval Pereira, O Globo

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