"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

DOMÍNIO DO TETO

Auxílio-moradia é chicana salarial que não se coaduna com atividades cujo fim é zelar pelo respeito à lei e à moralidade pública

Atinge cerca de R$ 1 bilhão por ano o impacto previsto das decisões em que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) concedem auxílio-moradia a quase todos os 16,4 mil juízes e 12,2 mil procuradores do país.

A espantosa cifra resulta, curiosamente, de iniciativa para limitar, em tese, excessos verificados na distribuição desse benefício. É que em Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso, o subsídio para magistrados chegava às raias da extravagância.

Trinta dias num hotel quatro estrelas em Cuiabá, segundo um conhecido site turístico, custam aproximadamente R$ 6.600. Um juiz mato-grossense recebia até R$ 9.837 mensais para garantir o próprio teto, caso se estabelecesse em alguma comarca distante.

Concurso aberto em janeiro estipula R$ 19,5 mil de vencimentos para um juiz substituto em Mato Grosso. Não seria o suficiente para que, como ocorre a qualquer profissional, seus gastos com moradia estivessem contemplados? E o que dizer dos R$ 25 mil que, na média, percebem os juízes federais?

Abuso, certamente. Era preciso dar fim à liberalidade. Tomou-se, então, a decisão bizarra. O auxílio-moradia foi restrito a uma quantia máxima de R$ 4.377. O critério foi a provisão oferecida pelo Supremo Tribunal Federal. Com um detalhe, no entanto --ou melhor, dois.

O primeiro é que se autorizam gratificações nos diversos Estados em que elas inexistiam. A projetada diminuição no "quantum" de privilégio para magistrados teve como efeito permitir que o despudor se generalize --mesmo quem possua imóvel na cidade fará jus à vantagem, nem sendo necessário apresentar recibo de aluguel.

O segundo detalhe é que, numa operação conjunta, os órgãos controladores do Ministério Público e da magistratura acertaram o mesmo limite de gastos, estendendo assim a oportunidade para um grande contingente de promotores.

Poderia ser pior? Sem dúvida. Afastou-se, mas sempre cabe temer recursos nesse sentido, a tese de que poderiam ser retroativos os pagamentos de auxílio-moradia a quem não os auferiu até esta data.

Saiu perdendo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que procurou restringir o instituto aos casos em que os beneficiários trabalhem em locais distantes de sua residência habitual.

Não estava em suas mãos o que se poderia chamar, jocosamente, de "domínio do teto". Conseguiu-se elevar de forma artificial, sem controle sequer sobre a real destinação dos recursos oferecidos, os salários de juízes e procuradores, para além do limite legal.

Nada contra que recebam remuneração condigna. Mas o sistema do auxílio-moradia, numa óbvia chicana salarial, não se coaduna com atividades cujo fim é precisamente o de zelar pelo respeito à lei e à moralidade pública.

 
15 de outubro de 2014
Folha de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário