O ex diretor Paulo Roberto Costa lista mais de trinta políticos envolvidos com a corrupção na Petrobras e põe o governo no centro de um escanda lo de proporções idênticas às do mensalão.
O engenheiro Paulo Roberto Costa já foi um dos homens mais poderosos da República. Indicado pelo mensaleiro José Janene (PP), ele ocupou a diretoria de Abastecimento e refino da Petrobras entre 2004 e 2012. Nesse período, passaram por seu gabinete decisões sobre aluguel de plataformas e navios, manutenção de gasodutos e construção de refinarias — e, junto com elas, interesses bilionários que despertavam a atenção de governos, parlamentares e empreiteiras. Paulinho, como era chamado pelo ex-presidente Lula, soube servir a tantos e tão variados senhores que, como de costume, logo passou a ser cortejado por eles. No Congresso, PT, PMDB e PP disputavam sua paternidade, tratavam-no como um afilhado dileto e elogiavam sua eficiência. Paulo Roberto era um exemplo a ser seguido, segundo seus padrinhos políticos. Foi assim até março deste ano, quando a Polícia Federal prendeu o ex-diretor sob a acusação de participar de um megaesquema de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Antes festejado, Paulo Roberto passou a assombrar os partidos, transformando-se num fantasma capaz de implodir candidaturas de relevo e jogar o governo no centro de um escândalo de corrupção de proporções semelhantes às do mensalão. E isso aconteceu.
As investigações já haviam revelado a existência de uma ampla rede de corrupção na Petrobras envolvendo funcionários da empresa, grandes empreiteiras, doleiros e políticos importantes. Funcionava assim: para terem acesso aos milionários contratos da estatal, as empreiteiras eram instadas a reverter parte de seus lucros aos cofres da organização. O dinheiro, depois de devidamente lavado por doleiros, era distribuído entre os políticos e os partidos da chamada base de sustentação do governo. Apesar das sólidas evidências que surgiram, faltava o elo mais importante da cadeia: a lista dos beneficiados, os corruptos, o nome de quem recebia ou se locupletava de alguma forma do esquema de arrecadação de propina. Não falta mais. Por medo de ser apontado como o único e principal responsável pelo esquema de corrupção que superfaturou e desviou recursos de projetos da Petrobras, Paulo Roberto topou negociar os termos de um acordo de delação premiada, instrumento legal pelo qual acusados têm direito à redução de pena ou até mesmo ao perdão judicial se colaborarem com as investigações, e identificou aqueles que seriam seus mais influentes parceiros.
Uma série de depoimentos do ex-diretor à Polícia Federal explica essa reviravolta e ajuda a esclarecer por que Paulo Roberto era tão admirado quando despachava na Petrobras e, agora, já atrás das grades, é tão temido na Praça dos Três Poderes. Colhidos desde o dia 29 de agosto, eles renderam mais de quarenta horas de conversas gravadas e, mais importante, deram aos delegados e procuradores um cardápio de políticos que, segundo o ex-diretor, se refestelaram nos poços bilionários da Petrobras. Aos investigadores, ele disse que três governadores, seis senadores, um ministro de Estado e pelo menos 25 deputados federais embolsaram ou tiraram proveito de parte do dinheiro roubado dos cofres da estatal. A alta octanagem das declarações provocou, de imediato, uma mudança na estratégia de investigação. Por envolver políticos detentores de foro privilegiado, que só podem ser processados nos tribunais superiores, o assunto passou a ser acompanhado pelo gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos dias, VEJA obteve detalhes de uma parte significativa das declarações prestadas pelo ex-diretor. Paulo Roberto acusa uma verdadeira constelação de participar do esquema de corrupção. E o caso dos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). Entre os senadores estão Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, e Romero Jucá (PMDB-RR), o eterno líder de qualquer governo. Já no grupo de deputados figuram o petista Cândido Vaccarezza (SP) e João Pizzolatti (SC), um dos mais ativos integrantes da bancada do PP na Casa. O ex-ministro das Cidades e ex-deputado Mário Negromonte, também do PP, é outro citado por Paulo Roberto como destinatário da propina. Da lista de três governadores citados pelo ex-diretor, todos são de estados onde a Petrobras tem grandes projetos em curso: Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio, Roseana Sarney (PMDB), atual governadora do Maranhão, e Eduardo Campos (PSB), ex-governador de Pernambuco e ex-candidato à Presidência da República, morto no mês passado em um acidente aéreo.
Pelo acordo, Paulo Roberto se comprometeu a detalhar o envolvimento de cada um dos políticos no esquema. Até por isso, estima-se que, para esgotar o que ele tem a dizer, pelo menos mais três semanas de depoimentos serão necessárias. Sobre o PT, ele afirmou que o operador encarregado de fazer a ponte com o esquema era o tesoureiro nacional do partido, João Vaccari Neto, cujo nome já havia aparecido nas investigações como personagem de negócios suspeitos do doleiro Alberto Youssef. Ao elaborar a lista de políticos e partidos envolvidos e empreiteiras que participavam do esquema (veja reportagem na pág. 70) e descrever a maneira como a propina era transposta de um lado para outro por vias clandestinas, Paulo Roberto Costa vem ajudando os investigadores a montar um quebra-cabeça cuja imagem, ao final, lembrará em muito outro grande escândalo recente da política: o esquema funcionou a pleno vapor nos últimos três governos do PT e tinha como objetivo manter intacta e fiel a base de sustentação no Congresso Nacional. Ao irrigar o caixa das siglas aliadas e o bolso de seus integrantes, a engrenagem ajudava a manter firme as alianças. Qualquer semelhança com o mensalão, portanto, não é mera coincidência — com a diferença de que, agora, as cifras giram na casa dos bilhões. Nas declarações que forneceu à polícia, Paulo Roberto não mede esforços para mostrar quanto era poderoso na estrutura criminosa. Já nas primeiras oitivas, ele fez questão de dizer que, na época em que era diretor da Petrobras, conversava frequentemente com o então presidente Lula — e costumava tratar com ele de assuntos da companhia. "Por várias vezes, tratei diretamente com o presidente Lula", declarou, numa das primeiras conversas com os investigadores. Da caixa de segredos de Paulo Roberto ainda há muito mais a sair. Ele se comprometeu a detalhar o conteúdo das conversas com o ex-presidente.
Os depoimentos têm sido colhidos por temas — e um deles, já programado, servirá para esclarecer um assunto que virou emblema da barafunda em que a Petrobras foi metida: a controversa compra da refinaria de Pasadena, no Estado americano do Texas. A estatal brasileira, como se sabe, gastou 1,2 bilhão de dólares num complexo que, pouco antes, havia sido arrematado por 42,5 milhões. Junto com Nestor Cerveró, seu colega de diretoria, Paulo Roberto foi um dos responsáveis por costurar o negócio. Em conversas preliminares, o agora delator admitiu aquilo de que já se desconfiava: segundo ele, a operação de aquisição de Pasadena também serviu para abastecer o caixa de partidos e para pagar propina a alguns dos envolvidos na transação. Nos próximos dias, Paulo Roberto prestará um depoimento específico sobre o assunto, em que deverá contar como o negócio foi engendrado e como o dinheiro pago a mais pela Petrobras foi parar em mãos erradas. O delegado encarregado do inquérito sobre Pasadena, que corre em Brasília, irá a Curitiba especialmente para ouvir o ex-diretor. Até meados da semana passada, ele não havia feito nenhuma acusação formal contra a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, mas, sempre que havia alguma menção a ela, demonstrava mágoa profunda, e lembrava que na base das operações estão os políticos que apoiam o governo.
Aos mais próximos, por mais de uma vez ele se queixou da postura da petista. O argumento sempre foi o mesmo: ela ataca publicamente ex-diretores da Petrobras sem considerar que, politicamente, era beneficiária das engrenagens clandestinas que funcionavam na companhia, uma vez que o dinheiro sujo proveniente de lá ajudava a bancar a base de sustentação do governo no Congresso. Por que o ex-diretor resolveu contar o que sabe? A pessoas próximas ele confidenciou que não gostaria de repetir a história de Marcos Valério, o operador do mensalão, condenado a quarenta anos de cadeia enquanto os cabeças do esquema já estão à beira de deixar a prisão. A saída, então, foi partir para a delação premiada. O primeiro depoimento foi prestado na sexta-feira 29 de agosto. Desde então, as sessões para ouvi-lo têm sido diárias.
No prédio da Polícia Federal em Curitiba, Paulo Roberto Costa vem sendo interrogado por delegados e procuradores. Os depoimentos são registrados em vídeo — na metade da semana passada, já havia pelo menos 42 horas de gravação. Ao final de cada sessão, todo o material é lacrado. Os arquivos são criptografados para evitar vazamentos. Tamanho cuidado não é por acaso: as revelações que emergem dos depoimentos de Paulo Roberto são explosivas e têm potencial para causar um terremoto político em Brasília. Já nos primeiros depoimentos, ele esmiuçou a lógica que predominava na assinatura dos contratos bilionários da Petrobras. Admitiu, pela primeira vez, que as empreiteiras contratadas pela companhia tinham, obrigatoriamente, de contribuir para um caixa paralelo cujo destino final eram partidos e políticos de diferentes legendas da base aliada do governo. Em outras palavras, Paulo Roberto confirmou a existência de um mega-esquema de cobrança de propina que funcionava no coração da maior companhia da América Latina — e confessou que a sua poderosa diretoria estava a serviço da engrenagem criminosa.
O esquema se estendia, segundo ele, a outras diretorias da Petrobras, e cada partido tinha seus encarregados de fazer a interligação entre os negócios e a política. O ex-diretor citou o PP, o PMDB e o PT como os principais beneficiários do propinoduto. Pouco antes de topar a delação premiada, Paulo Roberto fez chegar a seus velhos conhecidos uma declaração assustadora, especialmente para aqueles cujos nomes estarão nas urnas nas eleições de outubro. "Se eu falar, não vai ter eleição", disse. Perguntado pelos investigadores sobre o que queria dizer com a declaração, fez um pequeno reparo: "Pode até ter eleição, mas o estrago será grande". E começou a contar o que sabia.
Em busca dos inalcançáveis
O instrumento da delação premiada, se bem aplicado, pode demolir organizações e punir criminosos que se mantêm inalcançáveis pelos métodos convencionais de investigação. Mal usado, pode servir aos bandidos como arma para atingir inimigos ou destruir reputações. Na década de 80, a Itália era refém do crime organizado. As máfias controlavam empresas e tinham representantes infiltrados nos mais altos escalões da política. A oferta de perdão judicial aos delatores ajudou a desmontar a gigantesca estrutura que subjugava o Estado. Uma experiência semelhante será testada com Paulo Roberto Costa. 0 ex-diretor se ofereceu para fazer o acordo de delação premiada. Os termos precisam ser chancelados por um juiz. Os responsáveis pelo caso entenderam que o melhor caminho era levá-lo diretamente ao Supremo Tribunal Federal, dado o grande número de acusados com foro privilegiado.
A tarefa caberá ao ministro Teori Zavascki, que também deverá relatar eventuais processos decorrentes da investigação. Pelo acordo, Paulo Roberto se obriga a contar o que sabe, identificar seus parceiros de crime. Se as informações prestadas forem consideradas úteis, no fim do processo ele poderá ser beneficiado com uma redução de pena ou até mesmo o perdão judicial. Ao longo da delação, além de ouvirem o que o réu tem a dizer, os investigadores se encarregam de cruzar as informações com outras provas do processo. A ideia é que, no final, eles tenham elementos suficientes para levar todos os envolvidos a julgamento. Paulo Roberto também se comprometeu a abrir mão dos bens que acumulou com dinheiro desviado e a pagar uma multa. Enquanto durar a delação, ele ficará preso em uma cela isolada, mas pode ser libertado tão logo seja encerrada a fase de depoimentos.
13 de setembro de 2014
Rodrigo Rangel, Revista Veja
O engenheiro Paulo Roberto Costa já foi um dos homens mais poderosos da República. Indicado pelo mensaleiro José Janene (PP), ele ocupou a diretoria de Abastecimento e refino da Petrobras entre 2004 e 2012. Nesse período, passaram por seu gabinete decisões sobre aluguel de plataformas e navios, manutenção de gasodutos e construção de refinarias — e, junto com elas, interesses bilionários que despertavam a atenção de governos, parlamentares e empreiteiras. Paulinho, como era chamado pelo ex-presidente Lula, soube servir a tantos e tão variados senhores que, como de costume, logo passou a ser cortejado por eles. No Congresso, PT, PMDB e PP disputavam sua paternidade, tratavam-no como um afilhado dileto e elogiavam sua eficiência. Paulo Roberto era um exemplo a ser seguido, segundo seus padrinhos políticos. Foi assim até março deste ano, quando a Polícia Federal prendeu o ex-diretor sob a acusação de participar de um megaesquema de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Antes festejado, Paulo Roberto passou a assombrar os partidos, transformando-se num fantasma capaz de implodir candidaturas de relevo e jogar o governo no centro de um escândalo de corrupção de proporções semelhantes às do mensalão. E isso aconteceu.
As investigações já haviam revelado a existência de uma ampla rede de corrupção na Petrobras envolvendo funcionários da empresa, grandes empreiteiras, doleiros e políticos importantes. Funcionava assim: para terem acesso aos milionários contratos da estatal, as empreiteiras eram instadas a reverter parte de seus lucros aos cofres da organização. O dinheiro, depois de devidamente lavado por doleiros, era distribuído entre os políticos e os partidos da chamada base de sustentação do governo. Apesar das sólidas evidências que surgiram, faltava o elo mais importante da cadeia: a lista dos beneficiados, os corruptos, o nome de quem recebia ou se locupletava de alguma forma do esquema de arrecadação de propina. Não falta mais. Por medo de ser apontado como o único e principal responsável pelo esquema de corrupção que superfaturou e desviou recursos de projetos da Petrobras, Paulo Roberto topou negociar os termos de um acordo de delação premiada, instrumento legal pelo qual acusados têm direito à redução de pena ou até mesmo ao perdão judicial se colaborarem com as investigações, e identificou aqueles que seriam seus mais influentes parceiros.
Uma série de depoimentos do ex-diretor à Polícia Federal explica essa reviravolta e ajuda a esclarecer por que Paulo Roberto era tão admirado quando despachava na Petrobras e, agora, já atrás das grades, é tão temido na Praça dos Três Poderes. Colhidos desde o dia 29 de agosto, eles renderam mais de quarenta horas de conversas gravadas e, mais importante, deram aos delegados e procuradores um cardápio de políticos que, segundo o ex-diretor, se refestelaram nos poços bilionários da Petrobras. Aos investigadores, ele disse que três governadores, seis senadores, um ministro de Estado e pelo menos 25 deputados federais embolsaram ou tiraram proveito de parte do dinheiro roubado dos cofres da estatal. A alta octanagem das declarações provocou, de imediato, uma mudança na estratégia de investigação. Por envolver políticos detentores de foro privilegiado, que só podem ser processados nos tribunais superiores, o assunto passou a ser acompanhado pelo gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos dias, VEJA obteve detalhes de uma parte significativa das declarações prestadas pelo ex-diretor. Paulo Roberto acusa uma verdadeira constelação de participar do esquema de corrupção. E o caso dos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). Entre os senadores estão Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, e Romero Jucá (PMDB-RR), o eterno líder de qualquer governo. Já no grupo de deputados figuram o petista Cândido Vaccarezza (SP) e João Pizzolatti (SC), um dos mais ativos integrantes da bancada do PP na Casa. O ex-ministro das Cidades e ex-deputado Mário Negromonte, também do PP, é outro citado por Paulo Roberto como destinatário da propina. Da lista de três governadores citados pelo ex-diretor, todos são de estados onde a Petrobras tem grandes projetos em curso: Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio, Roseana Sarney (PMDB), atual governadora do Maranhão, e Eduardo Campos (PSB), ex-governador de Pernambuco e ex-candidato à Presidência da República, morto no mês passado em um acidente aéreo.
Pelo acordo, Paulo Roberto se comprometeu a detalhar o envolvimento de cada um dos políticos no esquema. Até por isso, estima-se que, para esgotar o que ele tem a dizer, pelo menos mais três semanas de depoimentos serão necessárias. Sobre o PT, ele afirmou que o operador encarregado de fazer a ponte com o esquema era o tesoureiro nacional do partido, João Vaccari Neto, cujo nome já havia aparecido nas investigações como personagem de negócios suspeitos do doleiro Alberto Youssef. Ao elaborar a lista de políticos e partidos envolvidos e empreiteiras que participavam do esquema (veja reportagem na pág. 70) e descrever a maneira como a propina era transposta de um lado para outro por vias clandestinas, Paulo Roberto Costa vem ajudando os investigadores a montar um quebra-cabeça cuja imagem, ao final, lembrará em muito outro grande escândalo recente da política: o esquema funcionou a pleno vapor nos últimos três governos do PT e tinha como objetivo manter intacta e fiel a base de sustentação no Congresso Nacional. Ao irrigar o caixa das siglas aliadas e o bolso de seus integrantes, a engrenagem ajudava a manter firme as alianças. Qualquer semelhança com o mensalão, portanto, não é mera coincidência — com a diferença de que, agora, as cifras giram na casa dos bilhões. Nas declarações que forneceu à polícia, Paulo Roberto não mede esforços para mostrar quanto era poderoso na estrutura criminosa. Já nas primeiras oitivas, ele fez questão de dizer que, na época em que era diretor da Petrobras, conversava frequentemente com o então presidente Lula — e costumava tratar com ele de assuntos da companhia. "Por várias vezes, tratei diretamente com o presidente Lula", declarou, numa das primeiras conversas com os investigadores. Da caixa de segredos de Paulo Roberto ainda há muito mais a sair. Ele se comprometeu a detalhar o conteúdo das conversas com o ex-presidente.
Os depoimentos têm sido colhidos por temas — e um deles, já programado, servirá para esclarecer um assunto que virou emblema da barafunda em que a Petrobras foi metida: a controversa compra da refinaria de Pasadena, no Estado americano do Texas. A estatal brasileira, como se sabe, gastou 1,2 bilhão de dólares num complexo que, pouco antes, havia sido arrematado por 42,5 milhões. Junto com Nestor Cerveró, seu colega de diretoria, Paulo Roberto foi um dos responsáveis por costurar o negócio. Em conversas preliminares, o agora delator admitiu aquilo de que já se desconfiava: segundo ele, a operação de aquisição de Pasadena também serviu para abastecer o caixa de partidos e para pagar propina a alguns dos envolvidos na transação. Nos próximos dias, Paulo Roberto prestará um depoimento específico sobre o assunto, em que deverá contar como o negócio foi engendrado e como o dinheiro pago a mais pela Petrobras foi parar em mãos erradas. O delegado encarregado do inquérito sobre Pasadena, que corre em Brasília, irá a Curitiba especialmente para ouvir o ex-diretor. Até meados da semana passada, ele não havia feito nenhuma acusação formal contra a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, mas, sempre que havia alguma menção a ela, demonstrava mágoa profunda, e lembrava que na base das operações estão os políticos que apoiam o governo.
Aos mais próximos, por mais de uma vez ele se queixou da postura da petista. O argumento sempre foi o mesmo: ela ataca publicamente ex-diretores da Petrobras sem considerar que, politicamente, era beneficiária das engrenagens clandestinas que funcionavam na companhia, uma vez que o dinheiro sujo proveniente de lá ajudava a bancar a base de sustentação do governo no Congresso. Por que o ex-diretor resolveu contar o que sabe? A pessoas próximas ele confidenciou que não gostaria de repetir a história de Marcos Valério, o operador do mensalão, condenado a quarenta anos de cadeia enquanto os cabeças do esquema já estão à beira de deixar a prisão. A saída, então, foi partir para a delação premiada. O primeiro depoimento foi prestado na sexta-feira 29 de agosto. Desde então, as sessões para ouvi-lo têm sido diárias.
No prédio da Polícia Federal em Curitiba, Paulo Roberto Costa vem sendo interrogado por delegados e procuradores. Os depoimentos são registrados em vídeo — na metade da semana passada, já havia pelo menos 42 horas de gravação. Ao final de cada sessão, todo o material é lacrado. Os arquivos são criptografados para evitar vazamentos. Tamanho cuidado não é por acaso: as revelações que emergem dos depoimentos de Paulo Roberto são explosivas e têm potencial para causar um terremoto político em Brasília. Já nos primeiros depoimentos, ele esmiuçou a lógica que predominava na assinatura dos contratos bilionários da Petrobras. Admitiu, pela primeira vez, que as empreiteiras contratadas pela companhia tinham, obrigatoriamente, de contribuir para um caixa paralelo cujo destino final eram partidos e políticos de diferentes legendas da base aliada do governo. Em outras palavras, Paulo Roberto confirmou a existência de um mega-esquema de cobrança de propina que funcionava no coração da maior companhia da América Latina — e confessou que a sua poderosa diretoria estava a serviço da engrenagem criminosa.
O esquema se estendia, segundo ele, a outras diretorias da Petrobras, e cada partido tinha seus encarregados de fazer a interligação entre os negócios e a política. O ex-diretor citou o PP, o PMDB e o PT como os principais beneficiários do propinoduto. Pouco antes de topar a delação premiada, Paulo Roberto fez chegar a seus velhos conhecidos uma declaração assustadora, especialmente para aqueles cujos nomes estarão nas urnas nas eleições de outubro. "Se eu falar, não vai ter eleição", disse. Perguntado pelos investigadores sobre o que queria dizer com a declaração, fez um pequeno reparo: "Pode até ter eleição, mas o estrago será grande". E começou a contar o que sabia.
Em busca dos inalcançáveis
O instrumento da delação premiada, se bem aplicado, pode demolir organizações e punir criminosos que se mantêm inalcançáveis pelos métodos convencionais de investigação. Mal usado, pode servir aos bandidos como arma para atingir inimigos ou destruir reputações. Na década de 80, a Itália era refém do crime organizado. As máfias controlavam empresas e tinham representantes infiltrados nos mais altos escalões da política. A oferta de perdão judicial aos delatores ajudou a desmontar a gigantesca estrutura que subjugava o Estado. Uma experiência semelhante será testada com Paulo Roberto Costa. 0 ex-diretor se ofereceu para fazer o acordo de delação premiada. Os termos precisam ser chancelados por um juiz. Os responsáveis pelo caso entenderam que o melhor caminho era levá-lo diretamente ao Supremo Tribunal Federal, dado o grande número de acusados com foro privilegiado.
A tarefa caberá ao ministro Teori Zavascki, que também deverá relatar eventuais processos decorrentes da investigação. Pelo acordo, Paulo Roberto se obriga a contar o que sabe, identificar seus parceiros de crime. Se as informações prestadas forem consideradas úteis, no fim do processo ele poderá ser beneficiado com uma redução de pena ou até mesmo o perdão judicial. Ao longo da delação, além de ouvirem o que o réu tem a dizer, os investigadores se encarregam de cruzar as informações com outras provas do processo. A ideia é que, no final, eles tenham elementos suficientes para levar todos os envolvidos a julgamento. Paulo Roberto também se comprometeu a abrir mão dos bens que acumulou com dinheiro desviado e a pagar uma multa. Enquanto durar a delação, ele ficará preso em uma cela isolada, mas pode ser libertado tão logo seja encerrada a fase de depoimentos.
13 de setembro de 2014
Rodrigo Rangel, Revista Veja
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