Andando por ai, tentando me livrar de uma tristeza que rondava e queria pegar meu calcanhar, encontrei uma passeata. No meio do caminho tinha uma passeata, tinha uma passeata no meio do caminho.
Isso agora é comum por aqui, e com as mais variadas reivindicações. A que vi era de jovens felizes pedindo de um tudo, cantando e dançando, sem tanta polícia, na santa paz. Me lembraram Cazuza.
Isso agora é comum por aqui, e com as mais variadas reivindicações. A que vi era de jovens felizes pedindo de um tudo, cantando e dançando, sem tanta polícia, na santa paz. Me lembraram Cazuza.
De repente eles apareceram à minha frente – um bloquinho de umas 400 pessoas meio que organizadas e divididas em quatro ou cinco colunas, alas, duas à frente do carro de som, outras seguindo atrás, onde ao fim traziam uma imensa bandeira, daquelas que precisa de um monte de gente pra carregar. Me lembraram o Brasil.
COLORIRAM O ASFALTO
Parei para ver a banda passar já que estava à toa na vida. Todos muito jovens, muito cabeludos, as meninas e os meninos; de todos os jeitos, lembro de muito xadrez, muita tatuagem, muito jeans, muito vermelho, algum amarfanhado, inclusive nas bandeiras.
Alguns cobriam o rosto, mas mais por charme do amarrado de um lenço de marca: “Levante Popular”.
Havia bandeiras de todas as cores, verde e amarelas, lilázes, faixas pintadas. Coloriram rapidamente o asfalto, fechando a avenida. Me lembraram os Doces Bárbaros.
Todos me pareceram do bem. Podiam até estar equivocados, mas eram do bem. Pediam liberdade, mas usavam camisetas do Che, carregavam fotos do Chávez e do Maduro da Venezuela. Falavam em Constituinte, em socialismo, em libertar a América do Sul, e me fizeram lembrar de Belchior.
Entendi que para eles importava o mover, o Levante, levante popular, o nome do grupo, como me pareceu, sob o comando de um líder ao megafone. Importava o pedir, e eles usavam novas rimas. Paravam, dançavam, pulavam.
Me lembraram as marchas evangélicas. Inclusive, chamou minha atenção o número de bandeiras do Movimento dos Sem Terra e sem Teto, sem alguma coisa. Haverá uma lojinha onde se compram adereços de protesto? Porque os que as carregavam não o eram, não me pareceram nem sem teto, nem sem terra. Me lembraram da amargura de Gonzaguinha.
DEU NO QUE DEU…
Sei que pediam de um tudo, porque os vi passar, cada qual também com sua palavra de ordem particular. Sob o som da bateria, me lembraram de uma escola, de samba, mas também da Educação, um dos seus temas. Me emocionaram e, de verdade, umas teimosas correram pelo rosto.
Também quero.
Queria achar, mais do que uma turma para fechar a Avenida Paulista, uma ideologia para chamar de minha, porque as que eu tinha minguaram. Senti essa falta. Fui pra política, estive na fundação do PT, deu no que deu, pensei na guerrilha, deu no que deu, larguei, voltei-me para o rock, para o feminismo, para a libertação sexual.
Deu no que deu. Depois, para a ecologia. Deu no que deu.
Hoje milito num campo perigosamente minado, de jornalismo, mas minado porque preciso andar em ziguezague – ora rezo com a esquerda, outras, me alinho ao centro; e os opositores, pobres de espírito, acusam como direita.
Nada está completo para uma devoção, para uma entrega, para uma torcida. Nem de lá nem de cá. É solitário e desolador ver o nível de desentendimento das coisas, mesmo as mínimas, aquelas que deveriam juntar todos nós.
Quero uma ideologia particular, e acabarei qualquer hora criando uma, se já não estou há muito tempo tentando. Porque ideologia só cresce na argumentação, que arregimenta e fortalece até virar mais comum e aceita. Escrevo e te conto o que penso – quem sabe você também está por perto esperando uma passeata.
Mas ela, a ideologia, precisa, antes, nascer. Para que a gente possa por ela se apaixonar e criá-la para que fique forte. Já comprei binóculo, procuro lunetas e até agora ainda não as vi no horizonte. Com lupa, nas letras que leio, também não. E eu quero uma para viver. Adoraria poder cantar e dançar por ela.
(texto enviado por Sergio Caldieri)
03 de julho de 2014
Marli Gonçalves
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