Diminuir a carga tributária é meritório, mas fazê-lo na base do casuísmo, como no caso do IPI dos automóveis, é insistir no crescimento da economia pela via do consumo em detrimento da poupança e do investimento
Em 2008, no auge da crise econômica mundial provocada pela bolha imobiliária norte-americana, o Brasil adotou uma política econômica que o salvou do efeito dominó que varreu o planeta. Aquele tsunami, nas palavras do então presidente Lula, não passaria de uma “marolinha” entre nós, pois reduções de impostos para setores importantes da economia, como o automotivo e o dos eletrodomésticos da linha branca, manteriam o consumo em alta, preservariam os empregos e a arrecadação tributária pouco sofreria em razão do aumento da produção industrial.
De fato, na aparência, passamos praticamente incólumes pelos efeitos do crash americano que abalou as mais fortes economias do mundo. A indústria automobilística se recuperou e nunca se venderam tantas geladeiras e fogões. Esses setores, além de ter impostos reduzidos, foram também estimulados pela expansão do crédito. Não faltaram elogios e palavras de admiração sobre o modo como o Brasil se saiu do flagelo – mas já naquela época os mais atentos e experientes nomes da economia apontavam para o perigo de que o benéfico casuísmo se transformasse em regra, com resultados ruins para a economia brasileira no médio e longo prazos.
Os males previstos pelos economistas ortodoxos seriam provocados pela discricionaridade na concessão de benefícios em favor de alguns setores em detrimento de outros e, consequentemente, pela desorganização geral da economia. Além do que, com certeza, chegaria um momento de esgotamento da escalada de consumo. E, no rastro desses desacertos, certamente veríamos a volta da inflação e dos altos juros, do desemprego e da queda da arrecadação, aprofundando o desequilíbrio das contas públicas.
Este é o quadro que vivemos hoje no país, fruto da transformação em regra daquilo que deveria ser passageiro. Mas, ainda assim, o governo não dá demonstrações de ter aprendido a lição. A política econômica inaugurada em 2009 quebrou fundamentos daquela instituída no governo Fernando Henrique Cardoso, calcada na estabilidade da moeda e na clareza das regras estabelecidas – fatores essenciais para a segurança dos investimentos e para a atração de empreendedores. Ao contrário, já com Dilma Rousseff no poder e Guido Mantega mantido na Fazenda, o país não consegue enxergar o ponto de retorno.
Esta visão acaba de se firmar agora com a decisão do governo de manter alíquotas reduzidas do IPI para a indústria automobilística. Não que impostos menores não sejam um ardente desejo dos brasileiros, vítimas de uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Mas a questão de fundo, neste momento, é outra: é a insistência do governo em manter o modelo de crescimento via consumo, modelo esse que dá visíveis e graves sinais de esgotamento e que tende a aprofundar as dificuldades de crescimento da economia, somadas à pressão inflacionária (contida com outras medidas heterodoxas, como o represamento dos preços dos combustíveis) e à diminuição do ritmo da criação de empregos. Enquanto isso, o estímulo à poupança e ao investimento, que trariam melhores resultados de médio e longo prazo, segue desprezado.
Talvez – outra vez casuisticamente – a manutenção do IPI reduzido tenha motivação eleitoral, o que leva a supor que, tão logo sejam fechadas as urnas, o país venha a sofrer solavancos de efeitos ignorados, mas certamente desagradáveis. Tudo porque continuamos a insistir na política da “marolinha” enquanto os países que melhor compreenderam o tsunami se recuperam com solidez.
03 de julho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
Em 2008, no auge da crise econômica mundial provocada pela bolha imobiliária norte-americana, o Brasil adotou uma política econômica que o salvou do efeito dominó que varreu o planeta. Aquele tsunami, nas palavras do então presidente Lula, não passaria de uma “marolinha” entre nós, pois reduções de impostos para setores importantes da economia, como o automotivo e o dos eletrodomésticos da linha branca, manteriam o consumo em alta, preservariam os empregos e a arrecadação tributária pouco sofreria em razão do aumento da produção industrial.
De fato, na aparência, passamos praticamente incólumes pelos efeitos do crash americano que abalou as mais fortes economias do mundo. A indústria automobilística se recuperou e nunca se venderam tantas geladeiras e fogões. Esses setores, além de ter impostos reduzidos, foram também estimulados pela expansão do crédito. Não faltaram elogios e palavras de admiração sobre o modo como o Brasil se saiu do flagelo – mas já naquela época os mais atentos e experientes nomes da economia apontavam para o perigo de que o benéfico casuísmo se transformasse em regra, com resultados ruins para a economia brasileira no médio e longo prazos.
Os males previstos pelos economistas ortodoxos seriam provocados pela discricionaridade na concessão de benefícios em favor de alguns setores em detrimento de outros e, consequentemente, pela desorganização geral da economia. Além do que, com certeza, chegaria um momento de esgotamento da escalada de consumo. E, no rastro desses desacertos, certamente veríamos a volta da inflação e dos altos juros, do desemprego e da queda da arrecadação, aprofundando o desequilíbrio das contas públicas.
Este é o quadro que vivemos hoje no país, fruto da transformação em regra daquilo que deveria ser passageiro. Mas, ainda assim, o governo não dá demonstrações de ter aprendido a lição. A política econômica inaugurada em 2009 quebrou fundamentos daquela instituída no governo Fernando Henrique Cardoso, calcada na estabilidade da moeda e na clareza das regras estabelecidas – fatores essenciais para a segurança dos investimentos e para a atração de empreendedores. Ao contrário, já com Dilma Rousseff no poder e Guido Mantega mantido na Fazenda, o país não consegue enxergar o ponto de retorno.
Esta visão acaba de se firmar agora com a decisão do governo de manter alíquotas reduzidas do IPI para a indústria automobilística. Não que impostos menores não sejam um ardente desejo dos brasileiros, vítimas de uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Mas a questão de fundo, neste momento, é outra: é a insistência do governo em manter o modelo de crescimento via consumo, modelo esse que dá visíveis e graves sinais de esgotamento e que tende a aprofundar as dificuldades de crescimento da economia, somadas à pressão inflacionária (contida com outras medidas heterodoxas, como o represamento dos preços dos combustíveis) e à diminuição do ritmo da criação de empregos. Enquanto isso, o estímulo à poupança e ao investimento, que trariam melhores resultados de médio e longo prazo, segue desprezado.
Talvez – outra vez casuisticamente – a manutenção do IPI reduzido tenha motivação eleitoral, o que leva a supor que, tão logo sejam fechadas as urnas, o país venha a sofrer solavancos de efeitos ignorados, mas certamente desagradáveis. Tudo porque continuamos a insistir na política da “marolinha” enquanto os países que melhor compreenderam o tsunami se recuperam com solidez.
03 de julho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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