"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

EDUCAÇÃO DOS LIBERTOS


Em 19 de abril de 1889, uma Comissão dos Libertos escreve a Rui Barbosa. Comissionados pelos nossos companheiros libertos de várias fazendas próximas a estação de Paty, município de Vassouras, para obtermos do governo Imperial educação e instrução para os nossos filhos, dirigimo-nos à Vossa Excelência... E pediam ajuda para conseguir o cumprimento da lei de 1871.

A Lei do Ventre Livre havia estabelecido que os filhos de escravos nasceriam livres e seriam educados. Não foi cumprida a parte da educação. Nossos filhos foram imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los pela instrução . Isso dizia a carta ao jurista, definido como verdadeiro defensor do povo .

Esse é um dos documentos que a Casa de Rui Barbosa exibe na exposição Abolição e seus registros na vida privada . É o terceiro ano que a Casa exibe cartas, documentos dele e de outros acervos familiares sobre essa fase da história. Nos dois primeiros, os textos focavam a escravidão. Nesse, se deslocam para o período abolicionista. E mostra como a abolição foi um processo. Compreendemos perfeitamente que a libertação partiu do povo que forçou a Coroa e o Parlamento a decretá-la , diz a Comissão dos Libertos.

Há lá a carta de alforria carimbada, registrada em cartório e assinada por Rui dando liberdade à escrava Lia, que herdara. No belo casarão de Botafogo, onde fica o seu acervo, não havia escravos, só libertos.

A exposição mostra as conspirações pela abolição. Numa carta, amigos paulistas informam que estão fundando um jornal para defender a causa . Noutro documento, Rui é consultado sobre uma campanha para libertar as meninas escravas de membros da Loja Maçônica. Há várias versões da Lei do Sexagenário, o Projeto Dantas. Ele era assessor parlamentar e escreve num papelzinho azul: Esse é o meu projeto . O texto foi todo modificado e, como diz Ana Pessoa, Diretora do Centro de Memória, recebeu a pressão conservadora para reduzir os direitos dos escravos de 60 anos.

Em 24 de maio de 1888, Maria Leonor Barbosa de Oliveira escreveu à prima Francisca. Tenho estado bem maçada por causa da tal lei 13 de maio por saber que o priminho perdeu muito com isso; essa gente do poder quer fazer as coisas, mas não sabem fazer; fazem com o prejuízo de muitos. Acho isso mau. Eu faria cá de modo que não prejudicasse; porque as pessoas que tinham escravos, compraram.

Depois que veio a República, os ex-donos pressionaram pela criação de um banco que os indenizasse. E na exposição está um pedaço da minuta do então ministro da Fazenda Rui Barbosa, de 11 de novembro de 1890, negando: Mais justo seria e melhor se consultaria o sentimento nacional se se pudesse meio de indenizar os ex-escravos não onerando o Tesouro.

- A ideia da exposição é trazer esses arquivos pessoais para mostrar como isso foi vivido no âmbito da vida privada - diz Lucia Veloso, chefe do arquivo.

Em outro documento, um cidadão se culpa por ter sido um palerma ao não ter vendido os escravos antes da abolição.

O presidente da Casa de Rui Barbosa, Manolo Florentino, lembrou a dimensão do tráfico no país:

- O Brasil faz parte, na sua origem, do maior movimento migratório compulsório da História humana antes do século XIX, que foi o tráfico de escravos para as Américas. São 11 milhões de pessoas que chegaram vivas e cinco milhões vieram para o Brasil. Desses, quatro milhões entraram no século XVIII e XIX, portanto, não há na América país com uma raiz tão afro, nem que a face africana seja tão recente.

19 de abril de 2014
Miriam Leitão, O Globo

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