Quando criança, errar é poesia. Quando adulto, errar é malandragem.
Não deveria ter crescido. Porque cresci sem mudar. As pessoas é que mudaram seu olhar sobre meu temperamento. Não sou perdoado por falhas, lapsos, gafes.
Antes era engraçado, hoje sou irresponsável. Antes era distraído, hoje sou preguiçoso. Antes era charmoso, hoje sou idiota.
Você não tem ideia do esforço que faço todo dia para ser adulto.
Tomo café de propósito, e não Nescau, que adoro, para não me entregar.
Nos anos 80, ainda em meus dez anos, recebia a tarefa de comprar coisas que faltavam para o jantar no armazém.
Não anotava o que minha mãe queria. Buscava memorizar, e me atrapalhava.
Não foram poucas as vezes em que ela solicitava pêssego e pegava abacaxi, ela esperava por mostarda e trazia catchup, ela aguardava por salsinha e surgia com alface.
As palavras formam vizinhanças estranhas em minha cabeça.
Num finzinho de tarde, parei novamente na frente do balcão com a missão de levar pão e doces, já que tínhamos visita.
A balconista me encarava enquanto eu resgatava, dos longínquos sons da memória, a encomenda materna. A fila atrás impacientava a atendente, suas sobrancelhas subiam à touca.
Lembrei de cara do pão de 1/2. Mas e o doce? Qual era o doce? Recordava que havia merengue na receita, mas não vinha o nome. Nem existia uma vitrine para apontar:
— É este!
Na ânsia de resolver, falei alto:
— Me dá um bocejo?
A moça, intrigada, rebateu a esquisitice:
— O quê?
— Me dá 300 gramas de bocejo? — especifiquei.
— Bocejo, meu filho? — ela questionou, para logo completar. — Tenho sono, só que não posso bocejar para ti agora, estou trabalhando.
As pessoas na minha cola começaram a rir. Mas rir ajudando, rir acolhendo, rir me amparando.
— Não seria sonho?
— Não, não, não.
— Não seria papo de anjo?
— Não, não, não.
Dez minutos depois, Zé, o dono do lugar, gritou do fundo dos corredores:
— Não seria suspiro? A Dona Maria adora suspiro.
— Sim, sim, sim! Suspiro!
Fiquei conhecido na infância como o piá que desejava comprar bocejo no armazém.
Pedi bocejo, saí suspirando.
Naquele tempo, enganar-se não era crime. Era licença poética.
Não deveria ter crescido. Porque cresci sem mudar. As pessoas é que mudaram seu olhar sobre meu temperamento. Não sou perdoado por falhas, lapsos, gafes.
Antes era engraçado, hoje sou irresponsável. Antes era distraído, hoje sou preguiçoso. Antes era charmoso, hoje sou idiota.
Você não tem ideia do esforço que faço todo dia para ser adulto.
Tomo café de propósito, e não Nescau, que adoro, para não me entregar.
Nos anos 80, ainda em meus dez anos, recebia a tarefa de comprar coisas que faltavam para o jantar no armazém.
Não anotava o que minha mãe queria. Buscava memorizar, e me atrapalhava.
Não foram poucas as vezes em que ela solicitava pêssego e pegava abacaxi, ela esperava por mostarda e trazia catchup, ela aguardava por salsinha e surgia com alface.
As palavras formam vizinhanças estranhas em minha cabeça.
Num finzinho de tarde, parei novamente na frente do balcão com a missão de levar pão e doces, já que tínhamos visita.
A balconista me encarava enquanto eu resgatava, dos longínquos sons da memória, a encomenda materna. A fila atrás impacientava a atendente, suas sobrancelhas subiam à touca.
Lembrei de cara do pão de 1/2. Mas e o doce? Qual era o doce? Recordava que havia merengue na receita, mas não vinha o nome. Nem existia uma vitrine para apontar:
— É este!
Na ânsia de resolver, falei alto:
— Me dá um bocejo?
A moça, intrigada, rebateu a esquisitice:
— O quê?
— Me dá 300 gramas de bocejo? — especifiquei.
— Bocejo, meu filho? — ela questionou, para logo completar. — Tenho sono, só que não posso bocejar para ti agora, estou trabalhando.
As pessoas na minha cola começaram a rir. Mas rir ajudando, rir acolhendo, rir me amparando.
— Não seria sonho?
— Não, não, não.
— Não seria papo de anjo?
— Não, não, não.
Dez minutos depois, Zé, o dono do lugar, gritou do fundo dos corredores:
— Não seria suspiro? A Dona Maria adora suspiro.
— Sim, sim, sim! Suspiro!
Fiquei conhecido na infância como o piá que desejava comprar bocejo no armazém.
Pedi bocejo, saí suspirando.
Naquele tempo, enganar-se não era crime. Era licença poética.
09 de março de 2014
Fabricio Carpinejar, Zero Hora
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