O combate à violência nas manifestações populares é o centro da discussão sobre uma nova legislação a ser aprovada pelo Congresso, agravando as penas e, no limite, enquadrando atos de vandalismo e explosões – como a que gerou a morte do cinegrafista Santiago Andrade – na categoria de terrorismo urbano.
Será necessária mesmo uma nova legislação para combater essas ações dos black-blocs e afins, ou bastaria que a lei existente fosse aplicada com rigor?
É correto tratar os atos de vandalismo como terrorismo, ou é preciso separar as ações para que eventos internacionais como a Copa do Mundo possam ser protegidos de possíveis atos terroristas?
Eu mesmo escrevi uma coluna classificando de terrorismo o ato de atirar um rojão em meio às manifestações. E disse, logo depois das primeiras badernas, em junho, que os vândalos deveriam ser tratados com todo o rigor e colocados na cadeia.
Aceito, as reações contrárias à tese do terrorismo e acho que o tema merece mais debate. Continuo, no entanto, defendendo rigor na repressão a esses atos de vandalismo que, mesmo se não podem ser classificados como terrorismo, são antidemocráticos.
O jurista Aurélio Wander Bastos, professor Titular da Unirio e do Iuperj da Universidade Candido Mendes, considera que, antes de tudo, é preciso incluir a definição de terrorismo na Constituição.
Ele cita o artigo 9º da Constituição Política da República do Chile, de 1980, que define o terrorismo como um crime contra os direitos humanos e diz que os delitos “serão considerados sempre comuns e não políticos para todos os efeitos legais e não se concederá a esses casos indulto particular, salvo para comutar a pena de morte pela de prisão perpétua”.
Para o professor, este texto mostra “exatamente e pioneiramente na América Latina uma forma de regulamentação dos atos de terrorismo, pressupondo que qualquer lei deve ter embasamento constitucional, o que significa que no Brasil antes de se elaborar projeto de lei, deve-se editar emenda constitucional”.
O deputado federal do PSB Alfredo Sirkis considera um erro confundir a franja violenta das manifestações, das quais o Black Bloc é uma das etiquetas com o terrorismo propriamente dito. Ele compara os Black-blocs com as torcidas violentas nos estádios, dos hooligans ou dos skinheads.
“Para enfrentá-los, antes que inviabilizem e desmobilizem preventivamente toda e qualquer manifestação de protesto massiva, bastam alguns ajustes na legislação comum proibindo uso de máscaras, objetos de agressão e criando a figura do delito de ação e organização coletiva aplicável da mesma forma às torcidas violentas nos estádios”.
Para ele, a tipificação do terrorismo no projeto em discussão no Senado é “totalmente equivocada”: “A rigor, defesa da legalização do aborto poderia ser enquadrada como “ofensa à vida”?
Um programa de rádio como aquele famoso de Orson Wells narrando o fantasioso desembarque dos marcianos na Terra poderia ser considerado terrorismo por “difundir o pânico generalizado” ?.
O consultor de assuntos internacionais Nelson Franco Jobim, embora concorde que “não se pode graduar a pena de Black Blocs comparando-os a Al Qaeda”, diz que “não dá para ignorar as possíveis consequências de explodir uma bomba no meio de uma manifestação”.
A outra questão importante para ele é o compromisso da esquerda com a democracia no mundo pós-Muro de Berlim: “a democracia é um fim em si ou apenas uma etapa ou instrumento na construção do socialismo? No segundo caso, a "democracia burguesa" seria ilegítima para os oprimidos e explorados, que teriam o direito de combatê-la usando a força”.
Também o deputado Alfredo Sirkis considera que, com relação ao vandalismo, é preciso destacar a responsabilidade “por um lado da leniência da extrema-esquerda e, sem dúvida alguma, a manipulação por parte de políticos "locais" com contas a ajustar com o governo do estado”.
O criminalista Cosmo Ferreira diz que “o terrorismo tem tanto a ver com as manifestações violentas quanto o Pilatos no Credo. É uma absurdidade tratar os vândalos, conhecidos como Black blocks, como terroristas”.
Para ele, são criminosos comuns, e suas condutas não se enquadram nas molduras dos instrumentos internacionais sobre terrorismo assinados pelo Brasil. “O nosso arsenal jurídico é mais do que suficiente para puni-los. O que quer o nosso Parlamento, criar um terrorismo tupiniquim?”.
24 de fevereiro de 2014
Merval Pereira, Jornalista e Acadêmico, é colunista de O Globo, onde o artigo foi originalmente publicado
Nenhum comentário:
Postar um comentário