"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

TERRORISMO TUPINIQUIM



 
 
 

 
O combate à violência nas manifestações populares é o centro da discussão sobre uma nova legislação a ser aprovada pelo Congresso, agravando as penas e, no limite, enquadrando atos de vandalismo e explosões – como a que gerou a morte do cinegrafista Santiago Andrade – na categoria de terrorismo urbano.

Será necessária mesmo uma nova legislação para combater essas ações dos black-blocs e afins, ou bastaria que a lei existente fosse aplicada com rigor?
É correto tratar os atos de vandalismo como terrorismo, ou é preciso separar as ações para que eventos internacionais como a Copa do Mundo possam ser protegidos de possíveis atos terroristas?

Eu mesmo escrevi uma coluna classificando de terrorismo o ato de atirar um rojão em meio às manifestações. E disse, logo depois das primeiras badernas, em junho, que os vândalos deveriam ser tratados com todo o rigor e colocados na cadeia.
Aceito, as reações contrárias à tese do terrorismo e acho que o tema merece mais debate. Continuo, no entanto, defendendo rigor na repressão a esses atos de vandalismo que, mesmo se não podem ser classificados como terrorismo, são antidemocráticos.

O jurista Aurélio Wander Bastos, professor Titular da Unirio e do Iuperj da Universidade Candido Mendes, considera que, antes de tudo, é preciso incluir a definição de terrorismo na Constituição.

Ele cita o artigo 9º da Constituição Política da República do Chile, de 1980, que define o terrorismo como um crime contra os direitos humanos e diz que os delitos “serão considerados sempre comuns e não políticos para todos os efeitos legais e não se concederá a esses casos indulto particular, salvo para comutar a pena de morte pela de prisão perpétua”.

Para o professor, este texto mostra “exatamente e pioneiramente na América Latina uma forma de regulamentação dos atos de terrorismo, pressupondo que qualquer lei deve ter embasamento constitucional, o que significa que no Brasil antes de se elaborar projeto de lei, deve-se editar emenda constitucional”.

O deputado federal do PSB Alfredo Sirkis considera um erro confundir a franja violenta das manifestações, das quais o Black Bloc é uma das etiquetas com o terrorismo propriamente dito. Ele compara os Black-blocs com as torcidas violentas nos estádios, dos hooligans ou dos skinheads.

“Para enfrentá-los, antes que inviabilizem e desmobilizem preventivamente toda e qualquer manifestação de protesto massiva, bastam alguns ajustes na legislação comum proibindo uso de máscaras, objetos de agressão e criando a figura do delito de ação e organização coletiva aplicável da mesma forma às torcidas violentas nos estádios”.

Para ele, a tipificação do terrorismo no projeto em discussão no Senado é “totalmente equivocada”: “A rigor, defesa da legalização do aborto poderia ser enquadrada como “ofensa à vida”?

Um programa de rádio como aquele famoso de Orson Wells narrando o fantasioso desembarque dos marcianos na Terra poderia ser considerado terrorismo por “difundir o pânico generalizado” ?.

O consultor de assuntos internacionais Nelson Franco Jobim, embora concorde que “não se pode graduar a pena de Black Blocs comparando-os a Al Qaeda”, diz que “não dá para ignorar as possíveis consequências de explodir uma bomba no meio de uma manifestação”.

A outra questão importante para ele é o compromisso da esquerda com a democracia no mundo pós-Muro de Berlim: “a democracia é um fim em si ou apenas uma etapa ou instrumento na construção do socialismo? No segundo caso, a "democracia burguesa" seria ilegítima para os oprimidos e explorados, que teriam o direito de combatê-la usando a força”.

Também o deputado Alfredo Sirkis considera que, com relação ao vandalismo, é preciso destacar a responsabilidade “por um lado da leniência da extrema-esquerda e, sem dúvida alguma, a manipulação por parte de políticos "locais" com contas a ajustar com o governo do estado”.

O criminalista Cosmo Ferreira diz que “o terrorismo tem tanto a ver com as manifestações violentas quanto o Pilatos no Credo. É uma absurdidade tratar os vândalos, conhecidos como Black blocks, como terroristas”.

Para ele, são criminosos comuns, e suas condutas não se enquadram nas molduras dos instrumentos internacionais sobre terrorismo assinados pelo Brasil. “O nosso arsenal jurídico é mais do que suficiente para puni-los. O que quer o nosso Parlamento, criar um terrorismo tupiniquim?”.
 
24 de fevereiro de 2014
Merval Pereira, Jornalista e Acadêmico, é colunista de O Globo, onde o artigo foi originalmente publicado

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