Alguém ainda lembra quando Dona Dilma, em junho do ano passado, apressou-se em dizer que depredar ônibus, carros e bancos eram manifestações pacíficas próprias da democracia?
“O Brasil hoje acordou mais forte. A grandeza das manifestações de ontem comprovam (o plural é dela) a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população. É bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pais, o avô juntos com a bandeira do Brasil cantando o hino nacional, dizendo com orgulho ‘eu sou brasileiro’ e defendendo um país melhor. O Brasil tem orgulho deles”, disse então a presidente.
Temos então que o Brasil se orgulha de seus baderneiros. Fernando Henrique Cardoso, que de seu glorioso climatério assiste de camarote os distúrbios de rua, perdeu uma ocasião única de ficar calado. Desqualificar os protestos dos jovens em São Paulo e outras capitais "como se fossem ação de baderneiros" constitui, na avaliação do ex-presidente, "um grave erro". Para ele, "dizer que essas manifestações são violentas é parcial e não resolve. É melhor entendê-las, perceber que essas manifestações decorrem da carestia, da má qualidade dos serviços públicos, das injustiças, da corrupção".
Enquanto dizia isso, os “jovens” arrombavam os portões do palácio Bandeirantes, onde governa seu companheiro de partido, Geraldo Alckmin. O governador, que uma semana antes classificara os manifestantes como "vândalos" e "baderneiros", passou então a acudir com panos quentes: "Queria fazer um elogio às lideranças do movimento e também à segurança pública e à Polícia Militar”.
Ora, se um ex-presidente, a atual presidente e o governador de São Paulo aplaudem os “jovens”, se governo e oposição endossam a violência, que resta aos "jovens" fazer? No mínimo, invadir a prefeitura de São Paulo. Que é o que tentaram fazer numa noite dos meados de junho, marcada por saques e depredações. Com o aval da Presidência da República.
- Não é preciso doutorado em sociologia ou psicologia para saber que, quanto mais violência for usada contra os jovens, maior será a violência de sua reação – escreveu na época, no Estadão, Juan Arias, correspondente do El País no Brasil -. Sempre se disse que os jovens têm vocação para incendiário, até que completam 40 anos e passam a agir como bombeiro para apagar o fogo da contestação. Se movimentos de pessoas indignadas em todo o mundo fizeram amanhecer novas primaveras de esperança de mais democracia, é de se esperar que também o Brasil saia dessas manifestações de rua e protestos por causas justas mais fortalecido em sua democracia, conquistada com tanta dor, tortura e morte. Um país que encurrala seus jovens por medo de suas reivindicações é um país perdedor”. Os “jovens”. Em francês, “les jeunes”, que é como a imprensa francesa chama os árabes e africanos que promovem quebra-quebras e incendeiam centenas de carros nas noites de réveillon.
Não sei se o leitor notou, mas depois do assassinado do cinegrafista da Band, a palavra jovem meio que sumiu dos jornais. Caio Souza e Fábio Raposo, apesar de terem 22 anos, são agora os “homens”, as “pessoas”, o tatuador, o estudante universitário. Ou atendem simplesmente pelo nome, sem nenhum qualificativo. Você jamais lerá "os jovens Caio Souza e Fernando Raposo". De repente, não mais que de repente, deixaram de ser jovens. Da noite para o dia, viraram homens. Porque jovem não mata. Matar é coisa de homens ou pessoas, tudo menos de jovens. Jovem é palavra que rima com revolução, revolta contra tudo que está aí, enfim, todas essas palavrinhas lindas que absolvem qualquer vandalismo.
Assassinato, por enquanto, é feio. Mas só por enquanto. Porque não faltam intelectuais, políticos e mesmo partidos políticos, financiando os jovens – perdão, os homens, as pessoas – que matam.
Em sua tentativa de absolver baderneiros financiados para fazer baderna, o UOL foi encontrar “rolezeiros”... em Paris. Temos então que nem a civilizada Paris permanece imune ao fenômeno. Escreve hoje Sonia Oliveira no site da Folha:
'Rolezeiros' franceses usam Nike e Zara, comem KFC e ouvem música pop Assim como São Paulo, Paris também tem seus 'rolezeiros'. Com idade média entre 15 e 17 anos, eles também capricham no visual e saem da periferia para ir para 'causar' no centro da capital francesa. O ponto de encontro é sempre o mesmo: o quadrilátero Fontaine des innocents no bairro dos Halles.
Discretos, se comparados às manifestações brasileiras, os rolês à la française acontecem há várias décadas, desde a abertura das linhas de RER (Rede Expressa Regional), que liga o subúrbio a Paris, e da construção do Forum des Halles - centro comercial-, no final dos anos 1970.
Em sua maioria estudantes, eles se aglomeram nas tardes de sábado. Sem "ídolo" nem "famosinho", têm duas motivações comuns aos meninos brasileiros: consumir e paquerar.
Ora, a correspondente pelo jeito nada viu nem leu sobre o que aconteceu em São Paulo. Shopppings foram invadidos por centenas de “jovens”, aos berros e canções de funk, atemorizando os freqüentadores. Naqueles dias, houve acentuada que de clientes nos shoppings. Na Fontaine des Innocents, como também no Forum des Halles – mais conhecido como Le Trou de Chirac -, ali perto, vão algumas dezenas de drogados abastecer-se, e isso não é de hoje.
Toda capital européia tem, em seus centros, praças onde os “jovens” consomem tranquilamente drogas. Em Madri é a Plaza del Angel, em pleno Casco Viejo da cidade. Em Lisboa é o Rossio, onde hoje já não é saudável flanar à noite. Em Copenhague é Christiania, onde o comércio de drogas é livre, e constitui atrativo para turistas, apenas com a recomendação de que não fotografem traficantes e consumidores. Cá entre nós, temos a Cracolândia, onde os drogados são protegidos pelas forças políciais que zelam pelo consumo tranquilo de drogas por seus munícipes. Continua a repórter:
A reportagem do UOL esteve no último sábado (8) no local para conversar com os participantes do 'rolezinho' de Paris. Anna*, 17, terceiro ano do ensino médio, mora na zona oeste de Paris. Vem com os colegas. "Principalmente para comprar", diz. Fã de Lady Gaga e Rihanna, investe num estilo meio Amy Winehouse. Diz montar looks com as marcas Zara, H&M e Bershka.
Uma ostentação razoável, considerando-se que as peças dessas marcas variam de 15 a 40 euros (entre R$ 49 e R$ 125). Anna junta a mesada dada pelos pais e compra uma peça por mês. Acompanhada de Charlotte*, 16, ela curte "rever" no centro da cidade os colegas da escola.
"Aqui, a gente fica mais à vontade, faz o que quer, o parisiense não está nem aí", explica Victor*, 16, de Essone, periferia sul de Paris. Ele conta que onde mora os jovens são muito observados.
A repórter pretende que os inofensivos menininhos parisienses, que vão tranquilamente comprar e fumar sem perturbar ninguém,sejam o equivalente dos “rozeleiros” paulistanos. Se em Paris também tem, então é louvável, digno e justo. Continua a moça:
Victor conta que os amigos vêm para comprar e comer nos fast-foods da região. Destaque para o KFC, o que "realmente bomba" entre os meninos.
"Rolezeiro usa Nike, Zara e Timberland", descreve Victor, que quer ser estilista. Mas o vintage seria a grande tendência, conforme ele, vestido de um casaco de peles comprado em um brechó. "E aquele modelo branco de tênis", aponta para um Nike, modelo Air Force One --que custa em média 90 euros (R$ 280). Como a maioria deles, Victor ouve R&B. "Gosto de rap americano, Lil Wayne, 2 Chainz e Drake.
A repórter pretende, em um tour de force, que rolezeiros seja palavra que existe no francês. Mais ainda: não são nem mesmo jovens, mas meninos.
Sobre os verdadeiros “rolezeiros”, aqueles que iluminam ainda mais a Cidade Luz nos réveillons, Sonia não dá um pio. Seria contraproducente compará-los aos “jovens” brasileiros. A repórter finaliza seu trabalho como uma observação digna de um analfabeto funcional: "Os nomes dos menores de idade foram mudados para preservar a identidade deles, conforme a lei francesa.”
Ora, em primeiro lugar os meninos não cometeram nenhum crime, para que jornalistas se preocupem em omitir seus verdadeiros nomes. Em segundo, as leis francesas não vigem no Brasil.
17 de fevereiro de 2014
Janer Cristaldo
“O Brasil hoje acordou mais forte. A grandeza das manifestações de ontem comprovam (o plural é dela) a energia da nossa democracia, a força da voz das ruas e o civismo da nossa população. É bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pais, o avô juntos com a bandeira do Brasil cantando o hino nacional, dizendo com orgulho ‘eu sou brasileiro’ e defendendo um país melhor. O Brasil tem orgulho deles”, disse então a presidente.
Temos então que o Brasil se orgulha de seus baderneiros. Fernando Henrique Cardoso, que de seu glorioso climatério assiste de camarote os distúrbios de rua, perdeu uma ocasião única de ficar calado. Desqualificar os protestos dos jovens em São Paulo e outras capitais "como se fossem ação de baderneiros" constitui, na avaliação do ex-presidente, "um grave erro". Para ele, "dizer que essas manifestações são violentas é parcial e não resolve. É melhor entendê-las, perceber que essas manifestações decorrem da carestia, da má qualidade dos serviços públicos, das injustiças, da corrupção".
Enquanto dizia isso, os “jovens” arrombavam os portões do palácio Bandeirantes, onde governa seu companheiro de partido, Geraldo Alckmin. O governador, que uma semana antes classificara os manifestantes como "vândalos" e "baderneiros", passou então a acudir com panos quentes: "Queria fazer um elogio às lideranças do movimento e também à segurança pública e à Polícia Militar”.
Ora, se um ex-presidente, a atual presidente e o governador de São Paulo aplaudem os “jovens”, se governo e oposição endossam a violência, que resta aos "jovens" fazer? No mínimo, invadir a prefeitura de São Paulo. Que é o que tentaram fazer numa noite dos meados de junho, marcada por saques e depredações. Com o aval da Presidência da República.
- Não é preciso doutorado em sociologia ou psicologia para saber que, quanto mais violência for usada contra os jovens, maior será a violência de sua reação – escreveu na época, no Estadão, Juan Arias, correspondente do El País no Brasil -. Sempre se disse que os jovens têm vocação para incendiário, até que completam 40 anos e passam a agir como bombeiro para apagar o fogo da contestação. Se movimentos de pessoas indignadas em todo o mundo fizeram amanhecer novas primaveras de esperança de mais democracia, é de se esperar que também o Brasil saia dessas manifestações de rua e protestos por causas justas mais fortalecido em sua democracia, conquistada com tanta dor, tortura e morte. Um país que encurrala seus jovens por medo de suas reivindicações é um país perdedor”. Os “jovens”. Em francês, “les jeunes”, que é como a imprensa francesa chama os árabes e africanos que promovem quebra-quebras e incendeiam centenas de carros nas noites de réveillon.
Não sei se o leitor notou, mas depois do assassinado do cinegrafista da Band, a palavra jovem meio que sumiu dos jornais. Caio Souza e Fábio Raposo, apesar de terem 22 anos, são agora os “homens”, as “pessoas”, o tatuador, o estudante universitário. Ou atendem simplesmente pelo nome, sem nenhum qualificativo. Você jamais lerá "os jovens Caio Souza e Fernando Raposo". De repente, não mais que de repente, deixaram de ser jovens. Da noite para o dia, viraram homens. Porque jovem não mata. Matar é coisa de homens ou pessoas, tudo menos de jovens. Jovem é palavra que rima com revolução, revolta contra tudo que está aí, enfim, todas essas palavrinhas lindas que absolvem qualquer vandalismo.
Assassinato, por enquanto, é feio. Mas só por enquanto. Porque não faltam intelectuais, políticos e mesmo partidos políticos, financiando os jovens – perdão, os homens, as pessoas – que matam.
Em sua tentativa de absolver baderneiros financiados para fazer baderna, o UOL foi encontrar “rolezeiros”... em Paris. Temos então que nem a civilizada Paris permanece imune ao fenômeno. Escreve hoje Sonia Oliveira no site da Folha:
'Rolezeiros' franceses usam Nike e Zara, comem KFC e ouvem música pop Assim como São Paulo, Paris também tem seus 'rolezeiros'. Com idade média entre 15 e 17 anos, eles também capricham no visual e saem da periferia para ir para 'causar' no centro da capital francesa. O ponto de encontro é sempre o mesmo: o quadrilátero Fontaine des innocents no bairro dos Halles.
Discretos, se comparados às manifestações brasileiras, os rolês à la française acontecem há várias décadas, desde a abertura das linhas de RER (Rede Expressa Regional), que liga o subúrbio a Paris, e da construção do Forum des Halles - centro comercial-, no final dos anos 1970.
Em sua maioria estudantes, eles se aglomeram nas tardes de sábado. Sem "ídolo" nem "famosinho", têm duas motivações comuns aos meninos brasileiros: consumir e paquerar.
Ora, a correspondente pelo jeito nada viu nem leu sobre o que aconteceu em São Paulo. Shopppings foram invadidos por centenas de “jovens”, aos berros e canções de funk, atemorizando os freqüentadores. Naqueles dias, houve acentuada que de clientes nos shoppings. Na Fontaine des Innocents, como também no Forum des Halles – mais conhecido como Le Trou de Chirac -, ali perto, vão algumas dezenas de drogados abastecer-se, e isso não é de hoje.
Toda capital européia tem, em seus centros, praças onde os “jovens” consomem tranquilamente drogas. Em Madri é a Plaza del Angel, em pleno Casco Viejo da cidade. Em Lisboa é o Rossio, onde hoje já não é saudável flanar à noite. Em Copenhague é Christiania, onde o comércio de drogas é livre, e constitui atrativo para turistas, apenas com a recomendação de que não fotografem traficantes e consumidores. Cá entre nós, temos a Cracolândia, onde os drogados são protegidos pelas forças políciais que zelam pelo consumo tranquilo de drogas por seus munícipes. Continua a repórter:
A reportagem do UOL esteve no último sábado (8) no local para conversar com os participantes do 'rolezinho' de Paris. Anna*, 17, terceiro ano do ensino médio, mora na zona oeste de Paris. Vem com os colegas. "Principalmente para comprar", diz. Fã de Lady Gaga e Rihanna, investe num estilo meio Amy Winehouse. Diz montar looks com as marcas Zara, H&M e Bershka.
Uma ostentação razoável, considerando-se que as peças dessas marcas variam de 15 a 40 euros (entre R$ 49 e R$ 125). Anna junta a mesada dada pelos pais e compra uma peça por mês. Acompanhada de Charlotte*, 16, ela curte "rever" no centro da cidade os colegas da escola.
"Aqui, a gente fica mais à vontade, faz o que quer, o parisiense não está nem aí", explica Victor*, 16, de Essone, periferia sul de Paris. Ele conta que onde mora os jovens são muito observados.
A repórter pretende que os inofensivos menininhos parisienses, que vão tranquilamente comprar e fumar sem perturbar ninguém,sejam o equivalente dos “rozeleiros” paulistanos. Se em Paris também tem, então é louvável, digno e justo. Continua a moça:
Victor conta que os amigos vêm para comprar e comer nos fast-foods da região. Destaque para o KFC, o que "realmente bomba" entre os meninos.
"Rolezeiro usa Nike, Zara e Timberland", descreve Victor, que quer ser estilista. Mas o vintage seria a grande tendência, conforme ele, vestido de um casaco de peles comprado em um brechó. "E aquele modelo branco de tênis", aponta para um Nike, modelo Air Force One --que custa em média 90 euros (R$ 280). Como a maioria deles, Victor ouve R&B. "Gosto de rap americano, Lil Wayne, 2 Chainz e Drake.
A repórter pretende, em um tour de force, que rolezeiros seja palavra que existe no francês. Mais ainda: não são nem mesmo jovens, mas meninos.
Sobre os verdadeiros “rolezeiros”, aqueles que iluminam ainda mais a Cidade Luz nos réveillons, Sonia não dá um pio. Seria contraproducente compará-los aos “jovens” brasileiros. A repórter finaliza seu trabalho como uma observação digna de um analfabeto funcional: "Os nomes dos menores de idade foram mudados para preservar a identidade deles, conforme a lei francesa.”
Ora, em primeiro lugar os meninos não cometeram nenhum crime, para que jornalistas se preocupem em omitir seus verdadeiros nomes. Em segundo, as leis francesas não vigem no Brasil.
17 de fevereiro de 2014
Janer Cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário