"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"LAÇOS DE FAMÍLIA"

 

Eram quatro mil colonos, entre eles Marcos. Deixara uma reduzida lavoura no entorno da represa de Capivaras, na divisa entre Paraná e São Paulo, seduzido pela promessa de terras férteis e baratas dois mil quilômetros acima, às margens do Rio Colorado, no Sul de Rondônia.

Chegou com a família e a velha Bíblia, em meados dos anos 70. Trabalhou por uma década, venceu a eleição para a prefeitura e nomeou a parentela para as secretarias. Oito anos depois, a hegemonia do clã foi reafirmada na eleição do mais velho dos filhos, Melkisedek, que também nomeou 13 parentes.

Quando Colorado do Oeste pareceu pequena, Melkisedek migrou para a vizinha Vilhena. Elegeu-se prefeito em 1996. Reelegeu-se em 2000 com o primo Marlon na vice, que lhe sucedeu em 2004. E fez da irmã Miriam prefeita de Colorado.

O clã partilhou o Sul de Rondônia sob a legenda do PMDB. Fez prefeitos, vices e vereadores em diferentes cidades ─ todas com menos de 30 mil habitantes e dependentes do dinheiro de Brasília. A família ainda tentou chegar ao governo do estado e ao Senado.

Sem êxito, contentou-se com a eleição do deputado estadual Marcos Antonio, logo instalado na presidência da Assembleia. Em 2004, vinte anos depois de o patriarca trocar o cultivo da terra pela lavoura de votos, seu terceiro filho, Natan, chegou à Câmara dos Deputados. Era o animador dos comícios do PMDB, explorando o vibrato natural em coletâneas de músicas sertanejas.

O clã virou caso de estudo, como mostra o livro do jornalista Chico de Gois, pelo repertório de falcatruas cometidas contra a administração pública ─ de nepotismo e fraude eleitoral a desvio e roubo de verbas federais, estaduais e municipais. Os ex-prefeitos Melkisedek e Miriam foram condenados por desonestidade. A Justiça proibiu o irmão mais velho de passar em frente da sede da prefeitura de Vilhena.

Outros dois irmãos já não frequentam os plenários em Porto Velho e em Brasília. A cela do deputado estadual Marcos, condenado a 9 anos, fica a 2.400 quilômetros de distância do presídio onde está o deputado federal Natan, sentenciado a 13 anos.

São locais “P-0″, “prisão-zero” no jargão da carceragem, porque ali não tem nada, os detentos têm no máximo direito à companhia de um balde ─ “para, quando acabar a água, você ter uma água reservada”, contou Natan há 40 dias, ao sair do presídio, algemado, para assistir à sessão na qual a Câmara decidiu não lhe cassar o mandato.

Até levou um recado dos companheiros penitenciários: “Eles me falaram: ‘Deputado, não se esqueça de falar da nossa alimentação.’ É muito ruim, inclusive tenho a síndrome do intestino irritável, que, associada ao estresse, me faz passar muita dificuldade lá.”

Mais da metade da bancada federal de Rondônia enfrenta processos por suspeita de roubo de dinheiro público. Não é exotismo amazônico. Mais de 800 ações judiciais contra políticos, que têm ou tiveram mandato, aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Elas indicam um padrão de desvios que começa com nepotismo, evolui para o roubo, e, às vezes, termina em homicídio. O Legislativo introduziu uma novidade: se mostra decidido a proteger seus presidiários.

Os irmãos Marcos e Natan Donadon há meses vivem em celas com seus baldes e comem a “xepa”, mas continuam deputados.

03 de dezembro de 2013
JOSÉ CASADO, O Globo

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